Atento ao papel imprescindível de auxiliar a sociedade no aprimoramento de suas instituições, através da divulgação e análise de informações, o jornal A VOZ DA SERRA preparou uma série de reportagens sobre o Legislativo de nossa cidade. Inauguramos a série com um levantamento exclusivo das matérias que tramitam na Câmara, bem como os desafios que encontram para se tornarem leis efetivas.
São desafios de ordem técnica muitas vezes, mas o embate político gerado por interesses conflitantes entre oposição e governo certamente dificulta o processo, tornando-o ainda mais lento. Para que se entenda melhor como funciona esse trâmite burocrático, preparamos um quadro, que acompanha a matéria, sobre como um projeto se torna lei na Câmara Municipal de Nova Friburgo.
Desde 2007 a Câmara friburguense conta na internet com um dispositivo denominado Sistema de Apoio ao Processo Legislativo. Ele está disponível para acesso a partir de qualquer computador, por qualquer pessoa, e graças ao trabalho da equipe técnica da Câmara, vem funcionando como um retrato do processo legislativo local e serviu como base de dados para a confecção desta reportagem.
Bate-Rebate
O último ano da Legislatura 2013-2016 começa marcado pela insatisfação de muitos vereadores. O motivo? Alegam demora na análise e no consequente acúmulo de projetos de lei dentro da principal comissão da Casa: a Comissão de Constituição, Justiça e Redação Final (CCJRF). O vereador Cláudio Damião foi enfático nesse sentido: “Acima de tudo temos que ter bom senso. Creio que isso não acontece no caso do presidente da CCJRF, que tem à disposição dele, além de seus assessores normais, dois auxiliares que estão lá especificamente para ajudá-lo no trâmite dos projetos que lá se encontram”. Damião vai ainda mais longe e envolve o Executivo: “Já tivemos casos onde um projeto que dependa de uma análise técnica de uma das secretarias do Executivo acabe por fazer como que um passeio pela Prefeitura, em um claro intuito político de barrar a votação de algumas matérias em plenário”.
O vereador Zezinho do Caminhão acompanha seu colega de oposição na crítica à postura de Nami, assim como Professor Pierre, que acrescentou: “Sempre que um projeto de real interesse da população vem da base governista, a oposição se porta de forma republicana e vota com o governo. O contrário nunca acontece”. E acrescenta ainda: “Ficamos muitas vezes com a faca no pescoço, uma vez que muitos projetos que vêm do Executivo são colocados para votação em plenário no afogadilho, são matérias que deviam ser submetidas a uma análise mais criteriosa, mas acabam sendo proferidos pareceres na própria sessão”.
Todos os vereadores de oposição consultados reconheceram prontamente a necessidade de que cada um de seus projetos seja analisado com cuidado. Argumentam, contudo, um rigor seletivo por parte da presidência da CCJRF. Damião pondera: “Ainda que o regulamento permita, do ponto de vista legal, que exista esta demora, o que falta aqui muitas vezes é o mencionado bom senso, o que dificulta nossa capacidade de prestar um serviço adequado à sociedade”.
O presidente da CCJRF, por sua vez, reage às críticas com tranquilidade e rebate de forma incisiva: “São cinco membros dentro da comissão e cada um vota de forma independente. Desafio qualquer um aqui a encontrar nos meus pareceres uma diferença de tratamento técnico em projetos da oposição ou do governo. Tem vereador aqui que gosta é de jogar para a plateia. Populismo em vez de respeito ao trâmite”.
A qualidade técnica dos projetos apresentados é um ponto importante na réplica de Nami: “Eu não vou expor os meus colegas aqui, mas peguei casos de vereadores que propuseram a concessão de título de cidadão friburguense para pessoa nascida na cidade. Isso envergonha a casa”.
Nami pondera que “o rigor na análise é absolutamente fundamental”, lembrando um caso recente de um projeto de lei do vereador Joelson do Pote, que dispõe sobre a remoção e transporte de terra nos limites da cidade. Reconhecendo a atividade econômica e a importância de regulamentá-la, a CCJRF precisou antes ouvir o Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro, que lembrou proibição expressa de se remover terra de áreas de risco ou interditadas. O projeto foi, então, emendado e aprovado por unanimidade em plenário, com o reconhecimento por parte da oposição da correição na conduta de Nami naquele caso.
O presidente argumenta também que tem como praxe enviar todos os projetos que chegam a sua mão para o Departamento Legislativo. Ele explica: “Já peguei inúmeros casos aqui onde a lei proposta tem uma equivalente já em vigor. Algumas vezes encontramos projetos que copiaram, ipsis litteris, leis que já existem”. Nami lembra, ainda, que apesar da CCJRF ser a primeira comissão a se manifestar, em muitos casos outras comissões temáticas, de acordo com as especificidades de cada projeto, precisam também ser ouvidas, o que aumenta o tempo de tramitação, mas não pode ser evitado.
Lacuna legal
A VOZ DA SERRA fez um levantamento do total de projetos de lei que tramitam na comissão e descobriu, até o fechamento dessa edição, 56 projetos que aguardam parecer da CCJRF. De projetos que vêm do próprio Executivo até uma série de projetos de um mesmo vereador, o levantamento chama mais atenção do ponto de vista legal do que político. Isso porque o Regimento Interno da Câmara acaba permitindo, na prática, que a CCJRF tenha prazo indeterminado para emissão de seus pareceres. Vale a transcrição do artigo que versa sobre o assunto:
“Artigo 68. É de 10 (dez) dias o prazo para qualquer Comissão Permanente se pronunciar, a contar da data do recebimento da matéria pelo seu Presidente.
§1º O prazo a que se refere este artigo será duplicado em se tratando de proposta orçamentária ou do processo de prestação de contas do Executivo e é triplicado quando se tratar de projeto de codificação.
I - não sendo cumprido o prazo previsto no caput do art. 68, o Autor do projeto poderá requisitá-lo para ir a votação independentemente de parecer, exceto para os pareceres oriundos da CCJ e Comissão de Finanças e Orçamento.
§2º O prazo a que se refere este artigo é reduzido pela metade, quando se tratar de matéria colocada em regime de urgência e de emendas e subemendas apresentadas à Mesa e aprovadas pelo Plenário”.
A leitura do inciso I, a princípio, oferece a garantia de tramitação em caso de descumprimento do prazo estabelecido no caput do artigo. O problema é que, no próprio inciso, nota-se que a CCJRF está isenta deste dispositivo. Como todos os projetos de lei apresentados na Câmara têm de, obrigatoriamente, passar pela CCJRF, a mesma dispõe de prazo indeterminado para análise. O regimento chega a prever a possibilidade de um relator ad hoc ser designado para o caso, mas, curiosamente, o prazo que lhe é dado não tem nenhuma sanção atrelada. Ou seja, se o prazo for descumprido, não há previsão legal de como um vereador que se sinta prejudicado possa proceder.
Modernização Legislativa para 2016
Durante o levantamento, A VOZ DA SERRA ouviu boa parte dos vereadores e as lideranças da Casa, inclusive o presidente Marcio Damazio, para que se posicionassem a respeito dessa lacuna permitida pelo Regimento Interno. Todos se posicionaram favoráveis a uma modernização legislativa, lembrando algumas iniciativas já em curso. Até mesmo Nami não é contrário a mudanças, desde que a CCJRF continue com os meios de apreciar todos os projetos “com o rigor que cada um deles pede”. O vereador Marcelo Verly, por sua vez, foi além e falou da necessidade de que tanto o Regimento Interno quanto a Lei Orgânica do Município sejam aprimorados, “evitando mudanças pontuais que, se feitas às pressas e sem levar em consideração como podem afetar outros aspectos da legislação, acabarão por ter o efeito contrário ao desejado”.
A Casa conta com uma comissão específica para tratar do assunto: a Comissão de Análise, Revisão e Fiscalização do Regimento Interno da Câmara e Lei Orgânica do Município. Ela é composta dos vereadores Gabriel Mafort, Marcelo Verly e Professor Pierre (Presidente da Comissão). Pierre afirmou que o artigo 68 vai ser modificado, além de outros artigos, de forma a agilizar o trâmite de projetos dentro da Casa. Promete protocolar o pedido na próxima semana e se comprometeu a acompanhar de perto a evolução da proposta.
Balanço
Para auxiliar os leitores na avaliação dos trabalhos do Legislativo municipal, foi preparado um quadro com uma síntese da atuação de cada vereador. O levantamento não se propõe a fechar questão quanto a qualidade da atuação de cada um, uma vez que para isso faltariam outros critérios, muitos até subjetivos.
Ao invés disso, oferecemos uma leitura sintetizada de parte importante do que o Sistema de Apoio ao Parlamentar oferece à população. Em um mundo onde a transparência tenta se estabelecer como regra, A VOZ DA SERRA se coloca ao lado da população durante todo este ano eleitoral, com a série inaugurada hoje sobre o Legislativo de Nova Friburgo.
Como um Projeto se torna Lei na Câmara Municipal de Nova Friburgo
A pedido do jornal, o Assistente Legislativo da Câmara Municipal, Hugo Lontra, preparou conosco um quadro sobre o trâmite que transforma um projeto em uma lei efetiva.
1º Passo – Redação e Protocolo: o primeiro passo é a redação de um projeto (que pode ser feito pelo Legislativo, Executivo ou, dentro de critérios, por iniciativa popular), dividindo o seu conteúdo no modelo clássico de leis (artigos, parágrafos e incisos). Após a redação o projeto é protocolado na Câmara.
2º Passo – Inclusão no Expediente: após o protocolo de um projeto de lei (PL) na Câmara Municipal, a matéria segue uma tramitação básica prevista no Regimento Interno da Casa. Contudo, dependendo da complexidade ou mesmo do interesse popular, essa tramitação pode levar mais ou menos tempo até se tornar uma lei. Todos os PLs, após serem formalmente protocolados na Câmara, são obrigatoriamente incluídos no expediente da reunião seguinte. Esse momento serve para fornecer a devida publicidade ao projeto, principalmente para os parlamentares, pois há a leitura da ementa das matérias que ingressaram no Legislativo.
3º Passo – Encaminhamento a CCJRF: no dia seguinte a leitura do expediente, o PL é encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e Redação Final (CCJRF), que é composta de cinco membros. Atualmente esses membros são: Nami Nassif (Presidente da Comissão), Gustavo Barroso, Christiano Huguenin, José Carlos Jacutinga e Gabriel Mafort. Nesse momento, o PL pode tomar diversos caminhos, pois, a CCJRF pode entender que:
I) é necessário apenas seu parecer;
II) é necessário parecer de uma ou mais comissões técnicas ou órgãos internos da Câmara. Para se ter uma ideia, atualmente existem
III) é necessário audiência em alguma secretaria do Poder Executivo ou externa à Câmara ou ainda;
IV) é necessário realização de audiências públicas para debater melhor o tema.
Pode ocorrer ainda da CCJRF dar todos os pareceres favoráveis (cinco membros) quando o PL é encaminhado para o arquivo.
4º Passo – Inclusão na Ordem do Dia: após a fase de pareceres, estando estes presentes, o PL é encaminhado à Secretaria da Casa para que possa ser incluído na Ordem do Dia para discussão e votação. Um Projeto de Lei Ordinária é deliberado em regra em duas discussões, exceto quando um requerimento de urgência é aprovado em plenário.
5º Passo – Envio ao Executivo: sendo aprovado o PL, é confeccionada a lei e encaminhada ao Chefe do Executivo (Prefeito), que poderá sancionar e publicar a norma ou vetá-la. O veto pode ser total ou parcial, que é aquele que recai sobre artigo, parágrafo, inciso ou alínea. O veto pode ser derrubado pelo Poder Legislativo pelo voto de 2/3 dos parlamentares. Caso o veto seja derrubado, este será promulgado pelo Presidente da Câmara.
Metodologia: entenda os critérios utilizados no levantamento
Durante o levantamento e a análise dos dados coletados, A VOZ DA SERRA utilizou os seguintes critérios para compor a matéria:
1º Critério: os dados coletados abrangem toda a legislatura, ou seja, do início de 2013 até o fechamento desta edição.
2º Critério: foram levantados 1) Projetos de Emenda a Lei Orgânica; 2) Projetos de Indicação Legislativa (quando um vereador pede que o Executivo confeccione uma lei que é de sua competência exclusiva); 3) Projetos de Lei Complementar e 4) Projetos de Lei Ordinária.
3º Critério: toda e qualquer divergência, em termos de atualização, que uma matéria possa apresentar entre o que consta na Internet e sua realidade dentro da Câmara foram desconsideradas. Este último critério é o mais importante e digno de esclarecimento.
Seja por conta da Lei de Acesso a Informação como pelos critérios de transparência que cada vez mais devem pautar o cotidiano da política, se uma informação não está disponível de forma correta para a população, não conta na estatística preparada pelo jornal. Sempre que alguém queira consultar o andamento de um projeto, existe na consulta um campo chamado Ultima Ação e, pelo exposto acima, o mesmo deve necessariamente corresponder à realidade do andamento na Câmara.
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