Dublagem: um universo traduzido

"As pessoas apreciariam mais as dublagens se conseguissem vê-la como uma arte em vez de ficar comparando com o áudio original"
domingo, 07 de junho de 2015
por Jornal A Voz da Serra
Estudante de psicologia, o friburguense Judson Coelho é viciado em café, literatura e quadrinhos e apaixonado por dublagem (Arquivo pessoal)
Estudante de psicologia, o friburguense Judson Coelho é viciado em café, literatura e quadrinhos e apaixonado por dublagem (Arquivo pessoal)
Judson Coelho é friburguense, tem 22 anos, estuda psicologia e é “filósofo nas horas vagas”. Ainda escreve, com brilho, resenhas literárias, e só não é um assíduo colaborador do Light por absoluta falta de tempo. Ele trabalha com acompanhamento terapêutico e é viciado em café, literatura e quadrinhos. E, ainda por cima, olha só que curioso, é “especialista” em dublagem. Dispensável dizer mais. Até porque, ele se revela através de suas respostas. Confira.

Dublagem é uma atuação e, mais do que isso, atuação sobre atuação
Light - Você prefere assistir um filme no idioma original ou dublado? E por quê?
Judson Coelho - Gosto de assistir ambas as versões sempre que possível. A principal, para apreciar a obra original, sentir a emoção dos atores envolvidos, seu comprometimento, etc. E a versão dublada, para perceber as diferenças, o que há de melhor ou pior (há dublagens melhores que o original), me permitindo observar outros detalhes e sutilezas, como as expressões dos atores, os detalhes do cenário ou vestimenta, e assistir ao filme de modo mais despreocupado.

O fato do dublador não ser ator compromete o resultado da dublagem?
Certamente. A dublagem é uma atuação e, mais do que isso, atuação sobre atuação. Hoje, no Brasil, é requisito para que se seja um dublador, que se tenha formação de ator. Infelizmente, por questões publicitárias, tem acontecido, com certa frequência, de convidarem celebridades não profissionais para dublar, principalmente em animações e jogos de videogame, alguns com bons resultados até, já outros um completo desastre. Em filmes isso é mais raro. A propósito, o profissional da área é também chamado ator de dublagem.

Procede a informação de que a dublagem no Brasil é uma das melhores do mundo?
Sim, principalmente no que se refere às animações. Diferentemente dos filmes, nas animações e desenhos em geral os atores se permitem uma liberdade maior, improvisando falas e expressões, sem a preocupação de reproduzir a emoção e expressão do ator original. Isso produz resultados fantásticos. Creio até que seja quase unânime a preferência por desenhos dublados, mesmo daqueles que defendem a legenda. Mas essa afirmativa é válida também para os filmes convencionais. Há países na Europa nos quais a dublagem é sobreposta ao áudio original (este num volume mais baixo), já em outros não há uma preocupação com a sincronização labial. As dublagens latino-americanas empregam um excesso de emoção e dramaticidade dissonante da interpretação original. A dublagem brasileira procura reproduzir ao máximo o tom de voz e a emoção do ator, de modo que fique o mais natural e próximo possível.

Nos EUA o público prefere assistir filmes de outras nacionalidades dublados ou tanto faz? 
Sim, nos EUA, como nos principais países da Europa, de modo geral, só se assiste a filmes estrangeiros dublados. Existem umas salas alternativas, cult, onde são exibidos filmes com o áudio original. 

Quando vejo filmes com dublagem antiga, me parecem melhores que os de hoje. Algumas são tão ruins que acho até desrespeito com o trabalho dos atores. Por que isso acontece? É uma questão de estúdio ou o quê?  
Bem, sim, existem estúdios melhores ou mais caprichosos com suas produções (destaque para a Delart, antiga Herbert Richers). Mas há que se entender que há inúmeras questões envolvidas que interferem no resultado da dublagem dando essa impressão de perda de qualidade. Um grande problema que ocorre nos dias de hoje é o mesmo que ocorre com as traduções de livros: prazo. Nos anos 90 a maioria dos filmes ou já era exibido com legendas nos cinemas, e meses, ou até anos depois era lançado em VHS, ou já chegava aos cinemas nacionais tempos depois do lançamento oficial, o que permitia um trabalho mais cuidadoso com a dublagem, experimentando diferentes vozes, diferentes falas, etc. Hoje, os filmes são lançados simultaneamente (quando não saem antes no Brasil, o que tem acontecido com bastante frequência nos blockbusters, como Vingadores, e outros do gênero) e os estúdios têm um prazo curtíssimo para dublar um filme. Bom lembrar que, depois de dublado, o trabalho ainda volta para a produtora para ver se aprovam, até que se chegue à finalização.

Aliás, como funciona o mercado de dublagem no Brasil? Já foi melhor, ou pior? Como você o analisa?
Sinceramente, acredito que está melhor. Bom observar que há uma produção muito maior de filmes, hoje, do que há duas décadas. Logo, a demanda por dublagem é muito maior. Para se ter uma ideia, nos anos 90 dublava-se em média dois a três filmes por ano, para os cinemas, hoje, essa média chega a 60. Isso para não falar nos filmes de TV a cabo que agora são, em sua maioria, dublados, desenhos animados, seriados e documentários. Hoje, há dubladores crianças e adolescentes, até idosos, o que não havia no passado, onde estes personagens eram dublados por adultos, geralmente mulheres, o que, embora bem feitos, acabava produzindo resultados caricatos e pouco realistas.

Você é fã de algum dublador? Dos que você admira, a quem eles dublam?
Sim, do clássico Guilherme Briggs, que marcou a infância de todos que nasceram após os anos 90, com Eek! The Cat, Buzz Lightyear (Toy Story), Freakazoid, e os atores Harrison Ford, Denzel Washington, Brad Pitt e Tom Hardy; tem o Alexandre Moreno com o Pernalonga (atual), Gato de Botas (Shrek), Jude Law, Adam Sandler; o Marco Antônio Costa, do Pica-pau, Johnny Depp, George Clooney; e Miriam Fischer que dubla Angelina Jolie, Drew Barrymore, Jodie Foster. Melhor parar por aqui... (risos).

Resumindo, você é francamente a favor de filmes estrangeiros dublados.
Sou a favor de que todos os filmes sejam dublados, porém, com a opção do legendado. Há países, como a Itália, onde só se tem duas opções, ou assistir ao filme com o áudio original (sem legenda) ou dublado. Não sou tão radical, mas acho importante, sim, que possamos assistir a um filme em nossa língua. Somos constituídos na linguagem e assistir um filme em nossa língua proporciona outra experiência.

A leitura de legendas pode atrapalhar o acompanhamento das cenas?
Sim! Há muitas críticas quanto a isso, mas há toda uma gama de detalhes na caracterização, cenário, ou mesmo pequenas sutilezas como um rápido olhar ou um trejeito de um ator que podem ser perdidos enquanto nossos olhos se fixam nas letrinhas. De modo geral não interferem no entendimento do filme, mas certamente tornam a obra menos rica. 

Devemos lembrar que há todo um trabalho de produção, direção, iluminação e fotografia que não deve ser ignorado. Um filme está para além (e aquém) de seu roteiro.

Você gostaria de ser dublador? Você acha sua voz  bonita?
(Hahaha!) Não acho minha voz tão versátil, mas com certeza gostaria de me aventurar nessa área, seria bastante divertido, e vejo a dublagem como uma arte. Quando assisto a um filme legendado, consigo vislumbrar que dublador se encaixaria naquele papel e coisas do tipo.

*****

E mais...
Por Judson Coelho*

Creio que as pessoas apreciariam mais as dublagens se conseguissem vê-la como uma arte em vez de ficar comparando com o áudio original. Não basta uma boa tradução, há ainda a questão da sincronização entre a fala e o movimento labial do ator — o que exige adaptações —, além do fato de que muitas piadas ou jogos de palavras não fariam o menor sentido se traduzidos ao pé da letra. E cabe ao diretor conseguir adaptar de forma que consigamos entender e que, de algum modo, se aproxime do sentido original.

Sem falar que a dublagem, de algum modo, nos aproxima dos atores, os insere em nosso imaginário. É impossível, por exemplo, ver/ouvir o Stallone sem pensar na voz do Luiz Feier Motta (mesmo que não se saiba quem é), ou o Bruce Willis sem pensar no Newton da Matta. 

Há ainda certo preconceito, como se quem gostasse de filme dublado não fosse “intelectual” o suficiente para assistir ao áudio original acompanhando a legenda. Não se trata disso. A dublagem nos permite simplesmente assistir ao filme e, por mais que se diga que não, a legenda interfere nessa experiência. 

Algo se perde na dublagem? Certamente, como em qualquer tradução, mas muito se ganha. Também.

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