À Sombra das Raparigas em Flor –
Marcel Proust
“E embora visse que a minha própria imagem se refletia furtivamente no espelho do olhar da formosa pescadora, segundo um índice de refração para mim tão desconhecido como se me houvesse colocado no campo visual de uma corça, ainda duvidei se havia penetrado no ser interior da moça, se não me continuava tão fechado quanto antes. Mas a mim não bastaria que meus lábios bebessem o prazer dos seus, mas que também os meus lhe dessem esse prazer; e do mesmo modo desejava que a ideia de mim entrasse naquele ser, que se prendesse a ele, não só me atraísse a sua atenção, mas também a sua admiração e seu desejo, que a ajudasse a conservar a minha lembrança até o dia em que pudesse tornar a encontrá-la. Enquanto isso, estava vendo a alguns passos dali a praça onde devia esperar-me o carro da sra. de Villeparisis. Não dispunha senão de um momento; e já notava que as moças começavam a rir de me ver assim parado. Tinha cinco francos no bolso. Tirei-os e, antes de explicar à bela jovem o serviço de que ia encarregá-la, mostrei-lhe a moeda.
— Quer fazer-me um favor — perguntei à pescadora — já que parece ser daqui? É chegar numa confeitaria que dizem que há numa praça não sei onde; deve haver ali um carro à minha espera. Note bem: para evitar confusões, pergunte se é o carro da marquesa de Villeparisis. Mas não há dúvida, logo verá; é um carro de dois cavalos.
Era isso que eu queria que ela soubesse, para que formasse de mim um elevado conceito. Mas quando pronunciei as palavras “marquesa” e “dois cavalos”, logo me senti muito calmo. Vi que a pescadora se lembraria de mim e que se dissipava, com o meu temor de nunca mais tornar a encontrá-la, uma parte do meu desejo de tornar a encontrá-la. Pareceu-me que acabava de tocar a sua pessoa com lábios invisíveis e que lhe havia agradado. E essa violenta posse de seu espírito, essa posse imaterial fizeram-na perder tanto mistério como lho teria tirado a posse física.”
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