Drops Literário - Uma Mente Inquieta

Por João Clemente
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
por Jornal A Voz da Serra
Drops Literário - Uma Mente Inquieta
Drops Literário - Uma Mente Inquieta

Existem pelo menos duas perspectivas possíveis para se abordar o sofrimento mental: uma a partir do olhar psicológico e/ou médico—as teorias e análises—; e outra a partir da percepção do próprio sujeito que sofre.

O que torna Uma Mente Inquieta um livro já de cara interessante é o fato de se tratar das duas coisas juntas: a autora, Kay Redfield Jamison, é uma psiquiatra E sofre de transtorno bipolar (ou transtorno maníaco-depressivo, como era anteriormente denominado).

Este termo—transtorno bipolar (ou psicose maníaco-depressiva, ou qualquer outra coisa que você considerar mais conveniente)—foi criado para classificar pessoas que sofrem variações de humor com uma intensidade acima dos padrões normais—em ciclos pequenos ou grandes, pode-se passar de uma fase de extremo entusiasmo, em que o sujeito se acha a pessoa mais feliz do mundo, para uma depressão profunda, sem sentido—em que só há o vazio.

Jamison conta de forma franca, humana e fascinante os percalços de quem sofre assim desde a adolescência. É um relato muito rico da doença e também uma espécie de autobiografia temática—como um desses romances norte-americanos do século XX nos quais o autor só se preocupa em mudar o nome das pessoas. E, além disso, há considerações interessantes—tanto para profissionais quanto para o psicólogo leigo que existe dentro de cada um de nós—sobre a doença, a psicoterapia, o uso de remédios, a forma de lidar do meio acadêmico e o hospitalar.

Eis um trecho quando, ainda na faculdade, ela passou por uma das suas fases de depressão:

“Eu ficava horas a fio sentada na biblioteca da graduação, incapaz de reunir energia suficiente para ir para a sala de aula. Perdia o olhar na janela, nos meus livros. Eu os arrumava, mudava de posição, deixava-os sem abrir e pensava em abandonar a faculdade. Quando eu chegava a ir à aula, era em vão. Era frustrante e doloroso. Eu tinha pouquíssima compreensão do que estava acontecendo e sentia que só a morte poderia me libertar da impressão avassaladora de incompetência e escuridão que me cercava.”

E, a seguir, um trecho relatando a fase maníaca. É o primeiro parágrafo do prólogo do livro—não por acaso, um trecho bastante significativo:

“Quando são duas da manhã e se está maníaco, mesmo o centro médico da UCLA tem um certo atrativo. O hospital—geralmente um aglomerado frio de prédios desinteressantes—tornou-se para mim, naquela madrugada de outono há quase vinte anos, um foco do meu sistema nervoso perfeitamente sintonizado, em intenso estado de alerta. Com as vibrissas ardendo, as antenas empinadas, os olhos se adiantando velozes, facetados como os de uma mosca, eu absorvia tudo ao meu redor. Eu estava correndo. Não simplesmente correndo, mas correndo com velocidade e fúria, como um relâmpago a atravessar, de um lado para o outro, o estacionamento do hospital, procurando gastar uma energia ilimitada, irrequieta, maníaca. Eu corria rápido, mas lentamente enlouquecia”.

Jamison produziu bastante em suas fases de mania—e também contraiu uma dívida imensa com seu cartão de crédito.

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