Drops Literário - Sagarana - 18 a 20 de junho 2011

Por João Clemente
sexta-feira, 17 de junho de 2011
por Jornal A Voz da Serra

Guimarães Rosa é bastante conhecido por ter escrito “Grande Sertão: Veredas”, romance que para muitos é a grande obra-prima da literatura brasileira do século XX. Entretanto, “Sagarana”, seu livro de estreia, é um trabalho igualmente bom — e talvez seja uma melhor opção para quem deseja se iniciar na obra desse grande autor.

Para nós brasileiros, a leitura de Guimarães Rosa tem um sabor especial, pois ele usa a língua portuguesa de forma muito engenhosa; “errada” sob certo ponto de vista ortodoxo, mas rica, poética, alegre e viva sob outro (Proust certa vez disse que todo grande autor cria um novo idioma). O título do livro, “Sagarana”, é um neologismo, fruto da fusão das palavras “saga” e “rana” (segundo a Wikipedia, “saga” é uma palavra de origem germânica e “rana” vem do tupi e significa “que exprime semelhança”).

Essa questão do uso da língua portuguesa é só um aperitivo a mais na obra de Guimarães Rosa, pois o fato é que ele é um baita contador de histórias. E toda a gama de sentimentos humanos está contida nelas. Sagarana é composto por nove contos. As primeiras páginas do livro — o conto “O Burrinho Pedrês” (história de Sete-de-Ouros, um burro de carga) — são um tanto densas, mas não desanime: ainda no mesmo conto as coisas se desanuviam e o livro passa a fluir. O último conto, “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, é a coisa mais sensacional que eu já li na literatura brasileira e... bom, eu prefiro não contar a história e deixar você curioso.

Um trecho do conto “Duelo”:

“De assim a pouco, entretanto, cessou a fuzilada.

Mas Cassiano não cochilou nem um momento, durante a noite. Mutuns cantaram, certos, às horas que cantam os galos. No mais, distante, o mato dormia, num quiriri sem alarmas. O rio era um longo tom, lamentoso. Caía, das estrelas, um frio de se sentar em costas de homem. E crescia, com as horas, o cheiro das folhagens molhadas. Depois, com os passarinhos, chegou a madrugada. A barra do dia vinha quebrando. E um sujeito, alto e espadaúdo, apareceu, em pé, diante do bivaque. Vinha armado de foice, e roncou:

— Qu’é-de o seu companheiro, o do papo?

— Estou sozinho, como o senhor vê.

— Não vejo!”

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