Dos cadernos de Antonio Izabel - 7 de novembro

Por Diego Vieira
sexta-feira, 06 de novembro de 2009
por Jornal A Voz da Serra

(...) na madrugada, enquanto andava de volta para casa, observei uma dupla de amigas sentadas, protegidas da chuva, sob a marquise de uma loja fechada. Uma era minha conhecida, costumava me vender chá em outros tempos. A outra, de cabelos curtos e ralos, estava transtornada. Um lixeiro as observava, a princípio à distância. Só pude ouvir um trecho da conversa, a baixinha, de cabelos ralos, queria esganar alguém.

Atravessei a rua e as deixei apenas como visões. O lixeiro se aproximou das moças, enquanto eu continuava a observá-los durante um tempo. Não podia mais ouvir suas vozes, nem elas me notaram. Imaginei se aquilo não poderia ser uma onda errada. Crack, talvez. Anda bem comum.

Elas continuaram, durante algum tempo, conversando. Podem ter ficado a tarde inteira naquilo, eu não sei. Deixei-as lá, com suas vidas (...).

Ao chegar em casa notei uma lagartixa dependurada de ponta-cabeça no teto. Com o ventre afastado do cimento, ela devagar defecava, expelia um único pedaço negro de merda com um ponto branco na cabeça. No fim, após um esforço que me pareceu grotesco, ela mexeu o rabo, fugiu para trás de um quadro e, no mesmo movimento, fez com que seu pequeno tolete caísse, manchando o tapete da minha avó.

Telefonei para um amigo, Zacarias, tão acolhedor das coisas da morte, e discutimos durante um tempo sobre a brevidade da vida, sobre o tempo gasto apenas nessas formalidades do organismo, nesse desespero mais sincero que o amor, que consiste em correr pelo caminho de casa, arrombar a porta da frente, deixando as chaves e calças e celulares caírem pelos corredores e, finalmente, sentando-se no vazo, despejando todo o seu peso, decaindo para a escatologia que tanto nos aproxima do real, dispensando o lúdico numa bela duma cagada.

E, se nós, humanos, perdemos tanto tempo no banheiro (e duvido que se possa viver neste período entre paredes cobertas de ladrilhos brancos e o barulho insuportavelmente ensurdecedor das descargas), imagine as lagartixas, que vivem menos, apenas comem e cagam e se multiplicam e perdem seus rabos?

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