Do fantástico diálogo entre camélias

sexta-feira, 08 de fevereiro de 2013
por Jornal A Voz da Serra

“A dead letter is a letter that has never been delivered Because the person to whom it was written cannot be found And it also cannot be returned To the person who wrote it.”
Margherite

Laryssa Frezze 

Faz tempo, querida, anos em que a necessidade não me chamou a ver-te com outros olhos. Por um longo período pude encontrar nas palavras dos outros aquilo que, outrora, somente tua alma e as belas janelas silenciosas e contidas de teu rosto podiam me dar. E voltaste a ser uma figura estática, a simples capa ilustrada de um livro, o qual—importante dizê-lo—muito me marcou, especialmente por tua presença.
E já se vai quase uma década desde os meus loucos 13 anos... Desde que telepaticamente conversávamos sobre assuntos tão íntimos e meus. Sempre os meus, bem que te lembras. Não por egoísmo, pois muito gostaria de ouvir falar de ti, mas por impossibilidade. Se eu pudesse chamar-te Aphonsine e conhecer todos os detalhes privados de tua tão pública vida (e saber daquilo que pouca gente soube além de tu mesma), talvez como resposta pudesses me oferecer palavras como comentários—e não limitar-te ao olhar. Mas o que sei dessa tua vida escondida é o que está impresso nas poucas páginas finais do livro em que habitas. E isso, minha cara, não é o suficiente para que nossas conversas saiam do estágio monologal.
Ainda assim, muito tenho a agradecer-te pela correspondência, mesmo que essa seja muda. Há tempos em que nos sentimos tão sozinhos e à parte do mundo em que vivemos que mesmo a menor possibilidade de expressar sentimentos (constantemente abafados) é bem-vinda.
Confesso que, há alguns anos, quando nossas conversas cessaram, pensei nunca mais ter de recorrer aos teus olhos para esvaziar minha mente e coração. Não era nada contigo, querida. Já disse que ainda agora nossas conferências são muito prezadas por mim. Aconteceu naquele tempo que toda uma estrutura social ancorada na realidade me foi oferecida. E, veja só (pode mesmo ser besteira, mas), conforme cresci (e crescemos todos!), a realidade passou a exercer um poder incrível sobre meus conceitos e pensamentos. Chegou mesmo o ponto de não conseguir escapar dela. Da fantasia, cara amiga, restou a nostalgia de tempos idos. E disso bem entendes, posso afirmar.
 Só que nós nada sabemos da vida, não é mesmo? E a estrutura real, frágil como teia de aranha, pode desmanchar-se sem aviso, como de fato ocorreu. Como resultado desse desmanchar—e somente com o intuito de não enlouquecer—, fui obrigada a voltar a fantasiar nossas conversas. E doravante, assim como dantes, compartilharei contigo fatos da minha realidade, tão distante da tua, que talvez nem possas compreender-me. Mas com certeza entendes que a única forma que tenho de manter-me real é pela fantasia e, talvez, essa seja a única forma de te manteres real também.
Se prometeres responder com seu neutro olhar leal, eu continuo e conto do meu dia e do quê vai em minha cabeça. Necessito disso (!) somente porque, se não o fizer, muito do que há em mim morrerá sem ter a chance de sair para germinar seus frutos. Serão palavras confinadas, insociáveis e, eventualmente, inexistentes. Ora, cara Margherite, eu prezo muito as minhas palavras! Sem elas, transito pelo mundo de forma tão etérea que poderia muito bem não existir.
Em resumo, preciso de ti. Será somente pela fantasia vivente ao redor de sua magnífica figura que a minha realidade encontrará vazão para existir e justificar sua existência. Faz tempo e já nem sei se o peso dos anos comprometeu minha capacidade de fantasiar. Só posso esperar que não... Já não lembro de tua muda voz, se é que já tiveste alguma, mas só posso torcer por escutá-la, telepaticamente. A tua sempre certa e muda voz...
Portanto, aqui fica o convite, quase um ato de súplica, para que nos encontremos o mais breve possível. Vou servir um chá para mim e imaginar que tu também seguras uma xícara, da qual bebericas entre intervalos, polidamente. Ao nosso encontro, leve o saber que o século passado te deu e eu levarei meu muito angustiado coração. Poremos nossos pesares sobre a mesa e compartilharemos deles, juntas.
Somos muito próximas, Margherite, embora tu não saibas disso.
 E (quem sabe?) talvez a minha fantasia seja tão perfeita que, por alguns momentos, deixarás de ser mera pintura a óleo retratada na capa do livro. Talvez, a realidade e a fantasia se mesclem de tal maneira que me seja possível chamar-te Marie. A Marie aconteceu. Margherite está encerrada nas páginas dos clássicos. Talvez ambas me escutem. Talvez não.


lara_frezze@hotmail.com

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