Vinicius Gastin
Na pequena sala, à esquerda do corredor repleto de crianças e de esperança, uma parte de um trabalho grandioso. Durante cerca de 40 minutos, a psicóloga Sarah Rufino de Souza Calixto, 32 anos, torna-se a melhor amiga e conselheira de meninos e meninas carentes atendidos pelo ambulatório da Catedral São João Batista. Desde o fim do ano passado, cerca de 20 jovens receberam gratuitamente o carinho e as orientações necessárias para amenizar os mais diversos tipos de problema. "Aqui eu atendo especificamente crianças e adolescentes, e aprendo muito com as suas histórias. A maioria sofre com problemas familiares”, conta.
As primeiras experiências e o convite para o ambulatório
Quando adolescente Sarah iniciou um tratamento psicológico e percebeu a importância deste trabalho na vida das pessoas, fato que motivou a jovem a seguir carreira na área. Durante os anos de curso, Sarah teve experiências acadêmicas que reafirmaram a opção pela psicanálise. A tragédia climática de janeiro de 2011 em Nova Friburgo representou a primeira oportunidade de ajudar pessoas necessitadas, ter um contato inicial com o trabalho voluntário e colocar em prática o que havia aprendido nas salas de aula. "Atendi pessoas que perderam familiares, bens ou mesmo ficaram traumatizadas com tudo o que aconteceu. Eu mesmo perdi pessoas conhecidas, e poder ajudar ao próximo me ajudou a superar a dor daquele momento.”
Pouco antes de conquistar o diploma na faculdade, Sarah sofreu com a perda do marido Gabriel e voltou a frequentar a psicóloga que a inspirou na escolha da profissão. Por isso, começou a trabalhar apenas em 2012, e o contato com os clientes ajudou a superar o momento difícil. "Montei o meu escritório, e sem dúvida essa profissão nos ajuda a superar os próprios problemas. Percebemos que todos sofrem de alguma forma e existem problemas piores que os nossos.”
A necessidade de superar despertou de vez a paixão pelo voluntariado, e ao fim de 2012 a psicóloga recebeu o convite da amiga Cátia para atuar no ambulatório da Catedral São João Batista. Desde então, atende no local às terças-feiras, sempre a partir das 14h, de forma gratuita. Quatro crianças carentes recebem consultas semanais, de acordo com a triagem feita pela assistente social. O tratamento geralmente é prolongado, e exige algumas sessões para observar se houve algum tipo de evolução. Os encontros são recheados por conversas descontraídas, brincadeiras e a expressão dos sentimentos através das artes. "As pessoas doam brinquedos, e eu levo folha, lápis de cor e outras coisas. O modo de desenhar e brincar já expõe os medos e alguns problemas da criança. Elas expressam os sentimentos dessa forma.”
Histórias marcantes em um ano de trabalho
Entre tantas histórias, algumas marcaram a trajetória da jovem psicóloga em quase 12 meses de atendimentos. Os frutos do trabalho são colhidos pelos pais, que utilizam o tratamento como um aliado na educação dos filhos. "Já fizemos tratamentos com outras psicólogas, mas perdemos as vagas e recorremos à doutora Sarah no ambulatório. Com apenas sete anos, o menino sofreu muito com alguns problemas familiares, e estava agressivo demais. Ele melhorou muito, está bem mais calmo, nos ouve e conversa com a gente. O comportamento em casa e o desempenho na escola mudaram completamente”, garante a madrasta Cristiane Viana, de 41 anos.
Desde o início do ano, Sarah Calixto acompanha um jovem que perdeu a visão devido a uma grave doença. "Conversamos bastante, e aquele momento representa muito pra ele. Sinto que ele sai das sessões com o ânimo renovado.”
Outro caso exemplar é o de um menino que sofria com o medo da morte, e comentava com frequência sobre o assunto. Os pais procuraram ajuda, e apenas uma sessão de 15 minutos foi suficiente para resolver o problema. "A mãe veio me falar que ele parou de comentar sobre o assunto. Bastou aquele simples desabafo para resolver o caso. Até levei a situação para a supervisão do meu curso. São sempre problemas diferentes e soluções distintas”, destaca.
O envolvimento com os problemas das crianças, no entanto, não deve ultrapassar a porta do consultório e nem os limites da emoção. "O certo é não levarmos os problemas para casa. Não podemos nos envolver emocionalmente, e até por isso, não atendemos aos nossos familiares. Temos que ter uma posição neutra, para poder analisar e buscar o melhor caminho para resolver o caso.”
Desta forma, Sarah encontrou no ambulatório uma maneira produtiva de desenvolver o lado profissional e pessoal, aprendendo a cada dia com novas e diferentes histórias de vida. "Aqui eu ganho por todos os lados. Além da satisfação e da importância de doar parte do meu tempo e fazer algo por quem precisa, eu também sinto que estou ganhando uma experiência valiosa. Se falta algum paciente, eu não vou embora, fico na recepção ajudando os voluntários. Eu sou recém-formada e tenho meu próprio consultório, além de um quadro em um programa de rádio na cidade. Mas acredito que aqui posso unir um pouco de filantropia com uma chance a mais de ganhar experiência e consolidar meu nome na comunidade. Eu amo a psicologia e pretendo continuar aqui por muito tempo ainda.”
No ambulatório, atendimento médico e distribuição de remédios
O ambulatório da Catedral São João Batista funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, através de um grupo de voluntários responsáveis pelo atendimento médico e distribuição de remédios aos mais necessitados. O espaço impressiona pela limpeza e organização, e todos os remédios e equipamentos são adquiridos por doações.
Entre os profissionais que atuam no ambulatório estão psicólogos, clínicos, cardiologistas, pediatras, ginecologistas, nutricionistas, fisioterapeutas e urologistas. "É um trabalho fantástico desenvolvido pelo ambulatório. Ajuda e muito as pessoas que precisam de algum tipo de ajuda e não têm condições de pagar por um remédio ou consulta. Eu me sinto muito feliz em fazer parte deste projeto, realizada pessoalmente e profissionalmente”, afirma Sarah Calixto.
Instituto Renal Gabriel Calixto: dor que inspirou solidariedade
A solidariedade e a vontade de ajudar ao próximo não se limitam à atuação no ambulatório. A dor pela perda do marido Gabriel, em 2011, inspirou Sarah Calixto e a cunhada, Amanda, a criar uma ONG para ajudar pessoas que sofrem com insuficiência renal. "É uma doença silenciosa, e a maioria das pessoas não está bem informada sobre o assunto. Nós, por exemplo, não tínhamos noção do que era hemodiálise”, conta.
O local de funcionamento está definido, o estatuto da organização pronto e resta apenas o registro para a oficialização do Instituto Renal Gabriel Calixto. A ideia é oferecer apoio aos familiares das vítimas da doença, e encaminhá-las ao tratamento com nutricionistas, cardiologistas e psicólogos. Para atender a demanda, Sarah busca convênios com instituições e revela a intenção de realizar eventos periodicamente para esclarecer dúvidas sobre o assunto. "Desta forma pretendemos ajudar os familiares na busca pela informação sobre a doença. Acho importante para ajudar no tratamento e amenizar o sofrimento das pessoas.”
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