28 de julho comemorou-se os 51 anos que foi instituído como data de celebração de um dos grupos mais necessários à sobrevivência humana, o dia do agricultor. Grupo que se dedica, desde os primórdios dos tempos, quando se deu um importante salto cultural e tecnológico e se passou da coleta extrativista de frutos, raízes, folhas, brotos e flores e da caça para o cultivo dos vegetais e a criação de animais, a alimentar a humanidade. Duas linhagens, a dos agricultores e a dos pastores criaram o marco técnico de produzir alimentos, vestuário e calçados para povos do mundo inteiro. Cada um em seu tempo, em sua época, os povos mais antigos foram se aglomerando em cidades-estados e construindo fortalezas nas suas fronteiras que continham também toda a agricultura de um dado povo. Os pastores porque os animais precisavam de maiores áreas que a agricultura, conduziam seus rebanhos, dia após dia, para além das fronteiras urbanas e lá os cuidavam nos pastos nativos, primeiramente e depois nos pastos introduzidos de outras regiões. A história da Mesopotâmia é testemunho dessas atividades. A grande biblioteca ancestral em pedaços de argila cuneiformes que a antiga Suméria produziu registrou essa história. A Suméria abrangia boa parte dos países árabes, hoje Arábia Saudita, Iraque, Irã envolvidos em guerras e alimentados pelos senhores das armas – a maior indústria mundial em termos de montante de dinheiro – que a cada dia vem destruído seus povos, sua cultura, seu legado guardavam parte desse tesouro arqueológico; outra parte foi pilhada pelos países ditos desenvolvidos.
Muito interessante é que a agricultura sempre produziu alimentos suficientes para o mundo mas as políticas equivocadas de governos de dominação a serviço das classes opressoras em cima da base da pirâmide humana trabalhadora impedindo que a distribuição de alimentos se fizesse de maneira justa criaram o fenômeno dramático da fome.
A fome em sua instância primeira, que é a falta de alimentos, a fome em sua instância segunda, que é uma dieta desequilibrada e empobrecida de minerais e vitaminas e a fome de justiça que é a falta de oportunidades iguais para acesso à educação e ao trabalho dignamente remunerado é uma das maiores vergonhas da humanidade. Nesse sentido ainda somos um país de famintos num território continental que abrigando desde o clima tropical até o temperado frio tudo produz. É só parar numa feira de rua na nossa cidade para se perceber a abundância de alimentos disponíveis em pleno inverno.
Outro aspecto relevante é que a agricultura antes do uso de fertilizantes de origem industrial e dos agrotóxicos, que só surgiram no início da 2ª Guerra Mundial alimentava mais gente do que hoje. E à medida que cresce no mundo a consciência de que nossos recursos naturais são finitos, também cresce a demanda por alimentação saudável – está aí colocada a questão da produção orgânica. E à medida que cresce a consciência sobre o direito dos animais de não serem mortos, uma boa parcela da população já vem se alimentando de vegetais apenas, porque eles contêm todo o necessário.
Cresce, por isso, a responsabilidade dos governos em promover a agricultura familiar e a produção orgânica baseado nos princípios da agroecologia.
E é bom que se diga que, segundo dados da FAO, 70% da produção mundial de alimentos vem da agricultura familiar e 60% dessa produção é feita pela mão das mulheres, principalmente na África e na Ásia.
Nova Friburgo é um município que a parte ter uma imensa área verde de floresta, remanescentes e capoeirões e capoeiras mais seus campos de altitude, tem uma diversidade de cultivos invejável. Desde os mais simples, como a alface e a salsa, o ano todo, os tradicionais como a couve-flor no inverno e o tomate no verão, até os mais sofisticados como a couve-de-bruxelas, a couve romanesca, a couve-flor-roxa, o tomate italiano, a alcachofra e mesmo, uns raros pés de aspargo, sem falar na imensa riqueza das nossas raízes como a batata-baroa, a batata-doce, o aipim, com forte predominância do rizoma de inhame e o cultivo bem especializado de batata andina, essa delícia dos pratos alemães que os ingleses se apropriaram e falaram ao mundo como “batata inglesa”. Na verdade, originária da região andina do Peru e do Equador, foi levada para a Europa e lá, tanto a Inglaterra como a Holanda desenvolveram muitas pesquisas sobre ela, deram-lhe uma casca fina (já foi cheia de pelos, como o inhame) deram-lhe esse apelido e nos roubaram o tubérculo. Temos excelente produção de batata, tanto em Baixada de Salinas, no 3º distrito de Campo do Coelho, como na Bocaina dos Blaudts, no 7º distrito de São Pedro da Serra. E, mais recentemente, já se produz o ‘yacon’, deliciosa raiz que mais parece fruta que se come crua que desceu dos Andes para nossas montanhas. Há produção dela nos Três Picos e no Cardinot. Sem falar das flores, com forte concentração em Vargem Alta, tanto a céu aberto como em estufas. E das frutas, muito especiais, o caqui, o figo, o morango, a goiaba, a pokan, o limão, o tomate-da-índia e da rainha das frutas, a banana, campeã de nutrientes e energia generosa.
E tudo o que aqui se cultiva, e só falei uma pequena parte, é fruto de uma pequena área plantada, em torno de 17.340 há (240 há de flores, 2.100 há de frutas e em torno de 15.000 ha de hortaliças), num total de 1.268 propriedades da agricultura familiar onde 2.484 agricultores (2.170 homens e 314 mulheres), segundo um cadastro de 2002/2003, produzem um volume em torno de 110.000 toneladas de hortaliças/ano. É muito suor, muito esforço e pouco reconhecimento por um trabalho que beneficia a todos.
E nas suas demandas não pedem muito: querem estradas de boa qualidade o ano todo, porque estrada é meio de comunicação, de transporte da produção; trechos de asfalto, linhas de ônibus com mais horários, ensino médio de melhor qualidade, educação profissional, telefone mesmo público se o residencial ainda vai demorar, mais escolas de 5º ao 9º ano, posto médico funcionando e saneamento básico. É muito pouco para quem tanto faz e produz.
Os agricultores e agricultoras deste município construíram um Conselho de Dirigentes das Organizações de Agricultores Familiares de Nova Friburgo – CONRURAL – integrado por 36 associações e cooperativas com associados distribuídos em 108 comunidades rurais de São Lourenço a São Romão e têm representação nos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável, Meio Ambiente, Turismo, Consumidores da Concessionária de Energia Elétrica e APA Estadual de Macaé de Cima.
Como pesquisadora da Estação Experimental de Nova Friburgo da PESAGRO-RIO que fui e depois como professora do IBELGA e voluntária da Agenda 21 Local nas três Bacias Hidrográficas, Bengalas, Macaé e Rio Grande, tenho testemunhado nestes 23 anos em Nova Friburgo o quanto essa gente da zona rural é aguerrida, brava, persistente e laboriosa.
Gostaria de homenagear essa gente toda neste dia especial. Posso pouco, mas o pouco que posso, faço. Dedicar-lhes este texto e dizer-lhes “parabéns”; vocês, agricultores e agricultoras do município de Nova Friburgo são o meu orgulho, onde quer que eu vá neste país, falo de vocês, a quem tive e tenho a honra de servir, como engenheira agrônoma. Não desistam. Porque, como já disse alguém, se as cidades pararem, vocês continuarão existindo, mas se vocês pararem, as cidades perecerão.
O Dia do Agricultor, 28 de julho, foi estabelecido em 1960, por ocasião do centenário de criação do Ministério da Agricultura.
* Engenheira Agrônoma, Diretora Administrativa da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Nova Friburgo-AEANF, membro do Conselho dos Dirigentes das Organizações de Agricultores Familiares de Nova Friburgo – CONRURAL, da Agenda 21 Local de NF e da Agenda 21 do COMPERJ/PETROBRAS.
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