Em Nova Friburgo, ao que parece, ninguém se lembrou que domingo, 14, foi o Dia Nacional da Poesia. Aliás, não apenas aqui. No país inteiro, se esta data foi lembrada o mérito coube apenas a iniciativas isoladas de algumas escolas ou pequenos municípios.
Uma pena, pois o propósito deste dia é dos mais sadios: promover a leitura, escrita, publicação e ensino da poesia, gênero literário dos mais belos e difíceis de ser praticado.
Em Nova Friburgo já houve tempo em que a saudosa Livraria Simões organizava saraus no Dia da Poesia, havia concursos de poesias em diversos colégios e os trovadores também não deixavam passar em branco esta data.
Não que em Nova Friburgo não existam poetas nem amantes da poesia. Pelo contrário. A cidade sempre foi um celeiro de poesia, a começar pelo movimento de trovas, gênero literário no qual fomos, não diríamos pioneiros, mas provavelmente os maiores incentivadores. O grande J.G. de Araújo Jorge, criador dos Jogos Florais – que aliás, não fazia só trovas, sendo reconhecido até hoje como um dos maiores poetas românticos brasileiros – não era friburguense, mas tinha casa no Cônego e grande parte de sua produção poética saiu daqui. Por falar em Jogos Florais, há mais de 50 anos este evento reúne entre nós centenas de trovadores de todo o país.
Fora os trovadores, que temos as dezenas – e dos bons – sempre tivemos também grandes poetas. Mesmo com a certeza de estarmos esquecendo de alguns, citemos os nomes de Humberto El-Jaick, Galdino do Valle, Menezes Wanderley, Maria José Braga, Yedda Pereira dos Santos, Ieda Lucimar, Maria Lua e o premiadíssimo Sérgio Bernardo. Através do ‘nosso’ Serginho, cria aqui de A VOZ DA SERRA, onde trabalhou durante vários anos, fazemos nossa homenagem a todos os poetas friburguenses, de ontem e de hoje.
Sérgio Bernardo é hoje, sem dúvida, o nome mais importante da poesia de Nova Friburgo, inclusive por conquistar prêmios de poesia pelo país afora e até em Portugal e Argentina. Tem poemas publicados em dezenas de antologias (a mais recente foi a Meninos, editada em Belo Horizonte, 2009), assim como em jornais, revistas e sites do país e exterior, além de no documentário Um bonde chamado Santa Teresa, dirigido por Jorge Ferreira. Durante seis anos Serginho manteve a coluna Letra Livre, no caderno Light de A VOZ DA SERRA. Além disso, edita o Expresso 2222 (versão impressa e blog) e em 2005 lançou o livro Caverna dos signos, com poesia e prosa.
CLARI (VIVÊNCIA)
Sérgio Bernardo
Fabrico holofotes
com minhas palavras
Cada gesto meu
produz um incêndio
Semeio lâmpadas na casa
no quintal crio vaga-lumes
Sou eu que toda noite
faço o parto da lua
Nos olhos e sorrisos
idealizo abajures
Com dedos de sol
amanheço a cozinha
Prendo estrelas em fios
e as vendo nas feiras
A claridade é meu ofício
ABSTRAÇÃO
Sérgio Bernardo
Que sei eu das sombras
petrificadas em chinês
nas paredes da infância
Que sei eu dos muros
separando mundos
nos quintais da pátria
Nas mesmas palavras
dos mesmos livros
que sei eu de mim
Que sei eu
ignorante em didática
das aulas sonegadas
Eu que não sei nada
sendo parte de tudo
que sei eu do outro
Que sei eu, me diga
das manhãs e tardes
tecidas em silêncio
Órfão das noites
paginando lendas
que sei eu das luas
Na ciranda do tempo
que sei eu da face
que move os espelhos
Abstração
Todo dia é dia de poesia
Em todos os momentos, em cada canto do mundo, há sempre alguém evocando sensações, sentimentos, impressões e emoções através de sons e ritmos harmônicos. Acredita-se que a poesia, este gênero literário hoje tão diversificado, que atualmente prescinde de métricas e regras rígidas, tenha nascido na Grécia, berço da civilização, com Homero, criador da Ilíada e da Odisseia.
Mas podemos dizer que existem basicamente três tipos de poesias: as existenciais, que retratam as experiências de vida, a morte, as angústias, a velhice e a solidão; as líricas, que tratam das emoções do autor; e a social, que tem como temas principais questões sociais e políticas.
O Dia Nacional da Poesia foi criado em homenagem a Castro Alves (1847-1871) e por isso é comemorado no dia de seu nascimento, 14 de março. Tornou-se conhecido como o poeta dos escravos, pois lutou grandemente pela abolição da escravidão. Sua indignação com o preconceito racial ficou registrada na poesia Navio negreiro. Castro Alves também era um grande defensor do sistema republicano de governo e, fora de qualquer contexto ideológico, é reconhecido como o autor de alguns dos poemas líricos mais bonitos da língua brasileira.
Hoje em dia, mesmo com todas as barreiras de um mercado editorial voltado quase que exclusivamente para a prosa, a poesia tem sobrevivido com muita vitalidade no Brasil. Temos Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Mario Quintana, Cora Coralina, Paulo Leminski, Alice Ruiz, Torquato Neto e tantos outros.
Isso sem falar no concretismo e na chamada ‘poesia engajada’ da época da ditadura, na poesia marginal e na geração 90, que nos deu Cacaso, Ana Cristina César e tantos outros. E sem falar também nos poetas cujas criações viram músicas, enriquecendo nosso cancioneiro popular de ontem, de hoje e de sempre.
Ainda é muito cedo para se fazer um balanço, mas é certo que contra tudo e contra todos, a poesia brasileira continua gerando poetas das mais variadas tendências e se fortalecendo na diversidade.
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