Dia do Samba: a trilha musical que embala a história de Friburgo entoada por seus sambistas

Nos primórdios da criação do samba o interior do estado deixa sua marca nas escolas da cidade do Rio de Janeiro
sexta-feira, 02 de dezembro de 2016
por Ana Borges
Alberto Braune, apoteose do samba friburguense (Foto: Acervo pessoal/Fábio Nicoliello)
Alberto Braune, apoteose do samba friburguense (Foto: Acervo pessoal/Fábio Nicoliello)
Não deixe o samba morrer
Autores: Edson Conceição e Aloísio Silva
Intérpetre: Alcione, 1975

A palavra ‘samba’ tem correspondência no iorubá, dialeto bantu, que significa ‘batida do coração’. Nesse contexto, durante o século 19, o vocábulo se referia a toda e qualquer manifestação cultural descolada da tradição europeia clássica
Não deixe o samba morrer
Não deixe o samba acabar
O morro foi feito de samba
De samba, pra gente sambar…

Quando eu não puder
Pisar mais na avenida
Quando as minhas pernas
Não puderem aguentar

Levar meu corpo
Junto com meu samba
O meu anel de bamba

Entrego a quem mereça usar
Eu vou ficar
No meio do povo espiando
Minha escola perdendo ou ganhando

Mais um carnaval
Antes de me despedir
Deixo ao sambista mais novo
O meu pedido final

Não deixe o samba morrer
Não deixe o samba acabar
O morro foi feito de samba
De samba, pra gente sambar…

Para o sambista, não importa se ele desfilará ou não, ele sempre estará torcendo por sua escola de coração, ouvindo o samba de sua escola e nada o deixará mais feliz. Seja no Rio, em Sampa, ou em qualquer outro município deste imenso país, onde o samba ‘carrega’ o povo pelas ruas e avenidas, o compositor é sempre aquela figura em estado de puro êxtase, emoção à flor da pele, a felicidade em forma de gente.

É assim também em Friburgo, onde não faltam compositores talentosos, como veremos nesta matéria. Antes, porém, vamos tentar contar, ainda que resumidamente - e com a preciosa colaboração do pesquisador Fábio Nicoliello, que fez um minucioso levantamento a partir de obras de escritores e historiadores como Janaína Botelho, David Massena, Ricardo Cravo Albin, Sérgio Cabral, José Ramos Tinhorão, entre outros - como tudo começou. Em Nova Friburgo.

A evolução do nosso carnaval, como não poderia deixar de ser, tem a ver com o surgimento de criativos e apaixonados sambistas. E são tantos, desde os primórdios do século passado, como o Joca do Estácio (Juvenal Moreira da Costa, contemporâneo de Donga), nascido em Friburgo, foi estudar no Rio e não voltou mais. Acabou por ser um dos fundadores da escola do Morro de São Carlos.

Origem e fundação das escolas de samba

De acordo com as pesquisas de Nicoliello, “na primeira metade do século passado, Nova Friburgo se transformou com a industrialização, que estimulou a migração, que por sua vez resultou em uma nova classe social: o operário. A nova realidade econômica promoveu o florescimento de novas relações sociais, originando novas manifestações culturais. Uma delas foi a criação das escolas de samba”. Confira as datas de fundação das escolas friburguenses:

Alunos do Samba - 2 de fevereiro de 1946
Unidos da Saudade - 7 de setembro de 1948
Vilage no Samba - 23 de setembro de 1948
Imperatriz de Olaria - 29 de março de 1976

Como se pode observar, o surgimento das escolas de samba friburguenses ocorreu na década de 1940. Inclusive, cabe ressaltar que, embora fundada em 1946, a Alunos do Samba remonta ao ano de 1943.  

Joca do Estácio e os primórdios do carnaval em Friburgo

É sabido e reconhecido. Friburgo se destaca por suas diversas manifestações culturais e isso vem desde a segunda metade do século 19, quando “a aristocracia cafeeira da região [Barão de Nova Friburgo, especialmente] aplicava os excedentes de capital em lazer e entretenimento.

Companhias nacionais e internacionais teatrais apresentavam-se e nesta mesma época duas bandas musicais foram criadas: a Sociedade Musical Beneficente Euterpe Friburguense (1863) e a Sociedade Musical Beneficente Campesina Friburguense (1870)”. Ambas, em plena atividade até hoje.

Essas associações, ao longo do tempo, transformaram-se em importantes centros de socialização. Em torno delas, a partir de concorridos bailes, formaram-se grupos de músicos que ao ganharem as ruas, receberam a denominação de “blocos carnavalescos”. Desse modo, já em fins do século 19, a cidade contava com um relevante carnaval no interior do estado.

Fábio Nicoliello conta que nas fileiras da Campesina, no início do século 20, um jovem, filho de portugueses, se aproximou da música erudita, repertório obrigatório no Brasil cuja elite seguia, à risca, os padrões franceses da belle époque. Mas, tempos depois, o menino participaria de um dos maiores marcos da cultura popular brasileira, que foi a criação da primeira escola de samba do Brasil. Seu nome: Juvenal Moreira da Costa.

Joca – como ficou conhecido - nasceu em Friburgo, em 1891, um ano depois de Donga. Filho de imigrantes, era frequentador assíduo das ‘retretas’ da Campesina, e circulava, com desenvoltura, tanto pelos salões burgueses quanto pelas tabernas proletárias da periferia, animado com a diversidade cultural tipicamente brasileira.  

Ao completar a maioridade, por intimação da mãe, mudou-se para o Rio de Janeiro para fazer o curso de magistério e seguir carreira, em Friburgo, de professor de matemática. Mas, o moço estava destinado a outros cursos da vida. Talvez, tomado pelo espírito do Joca que havia nele, abandonou a sala de aula e jamais retornou à sua cidade Natal.

Foi trabalhar no porto como agente contábil e se instalou no Largo do Estácio, próximo à subida do Morro de São Carlos. Ali, fez a vida e foi feliz. Após cinco décadas de dedicação à sua escola do coração, a Estácio (cuja origem é o bloco carnavalesco Deixa Falar, fundado em 1928, e depois a 1ª escola de samba), Joca só voltou a Friburgo ao sentir que a morte lhe rondava. Faleceu a falecer em 30 de dezembro de 1965, aos 74 anos, vítima de câncer. Deixou como legado, a semente que frutificou nos carnavais por todo o país: as escolas de samba.

Enquanto isso, em Friburgo...

“Com a transferência da escola Alunos do Samba para Conselheiro Paulino, em 1976, surgiu a rivalidade entre bairros e localidades. Desde então, cada uma assumiu um estilo de fazer samba”, contou Nicoliello.  

Segundo ele, a Alunos, à exceção da época do carnavalesco Elói Machado (1945-1991), os sambas-enredo receberam forte influência do samba de bumbo, típico das folias de reis.             

Já a Unidos da Saudade, a partir da década de 1970, os sambas-enredo receberam forte influência harmoniosa do samba-jóia, vertente cujo maior ícone é o cantor e compositor friburguense Benito di Paula.

“Nela, o gênero vai do bolero ao pop romântico, aproximando-se do ritmo dos salões e se afastando dos sambas de terreiro, de quadra e do partido-alto. Apresentava uma marcação mais lenta e uma rítmica melodiosa, com ênfase à sonoridade convidativa à dança”, explicou.

Aliás, Nicoliello lembra que a família Veloso (de Benito e Ney) teve forte presença na Saudade, entre as décadas de 1970/80, assinando inúmeros sambas. Benito, que nasceu no Perissê, compôs “30 anos de Saudade”, em homenagem à terceira década de fundação da escola (1978) do bairro Ypu.  

A escola Acadêmicos das Braunes que deu lugar ao Acadêmicos do Prado, seguia à risca a tradição da madrinha, a Estação 1ª de Mangueira, uma exigência de seu fundador e mangueirense fanático Zequinha Damasceno. Funcionou entre 1968 e 1986. “A bateria do mestre Carlinhos Fogareiro”, lembra Nicoliello, “segundo a crítica da época, tinha a melhor ala de surdos, com marcação no primeiro surdo, aos moldes da Mangueira”.

Quanto à vermelho e branco Imperatriz de Olaria, valia a tradição dos compositores do bairro, que debutaram nas extintas Império de Olaria e Unidos do Terreirão, especialmente o compositor Tião Mercedes. “Com ênfase na letra e na harmonia das formas, tendo a marcação das caixas como som preponderante, sob a forte influência de Xangô, orixá chefe do vermelho”.

Por fim, a Vilage no Samba recebe forte influência das verdes e brancas cariocas Império Serrano, Imperatriz Leopoldinense e Mocidade Independente de Padre Miguel. “Essa influência se justifica pela histórica regência de Mestre André — o pai das paradinhas — na bateria da escola, na década de 1970.

O estilo variava a forma dos compositores cariocas. Mas, nos últimos anos, a Vilage consolidou seu próprio estilo ao exportar para o carnaval do Rio os compositores Jefferson Lima, o Jefinho, Estandarte de Ouro em vários carnavais, e seu parceiro, o saudoso Rubem Venezia.

Eis alguns de nossos compositores de samba-enredo

Valcir Ferreira; Evandro Malandro; Sidnéa Merêncio; Lucia Helena Alves; Monstrinho; Kaísso; Thiago Meiners; Wilson Bizzar; Willian Tadeu; Marquinho Mello; João Paulo; Ezequiel do Cavaco; Di Marinha; Francisco Horestes; Rafael de Caxias; Deigre Silva; Ricardo Pavão; Gil Branco; Beto Pinheiro; Gibi;  Dominguinhos; Paulinho Guaraná; Jorge Babu; Bruno; Augustinho... 

Foto da galeria
O carnaval friburguense teve início na década de 1940 (Foto: Acervo pessoal/Fábio Nicoliello)
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