Comemorado nesta terça-feira, 20, o Dia Nacional da Consciência Negra e de Zumbi dos Palmares será lembrado com a tradicional cerimônia de hasteamento de bandeiras na Praça das Colônias, no Suspiro. Com início previsto para 10h, a solenidade promete reunir autoridades e representantes das diversas colônias do município e contar com uma série de discursos alusivos à data, estabelecida desde 1978, em homenagem a Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo de Palmares. Símbolo da resistência negra, ele foi assassinado em 20 de novembro de 1695.
Outro evento preparado especialmente para celebrar a Semana da Consciência Negra é a exposição com trabalhos do consagrado artista plástico Nêgo. A mostra será aberta dia 21, na Casa da Cultura, e reunirá obras que mostram todo o talento, criatividade e sensibilidade do artista. Em cartaz até dia 30, a exposição é promovida pelo Centro Cultural Afro-Brasileiro Ysun Okê, em parceria com o Sesc.
Vale destacar que o Centro Cultural Afro-Brasileiro Ysun-Okê (que significa “nascente das montanhas” na língua nagô) desenvolve atividades em Nova Friburgo e adjacências desde 1987. Seu principal objetivo é trabalhar em prol do respeito e do resgate das histórias e culturas africanas no Brasil, com foco maior na região.
Uma data para ser celebrada
Os negros estão ocupando cada vez mais posições de destaque na sociedade brasileira. Exemplo disso é o ministro Joaquim Barbosa dos Santos, relator do mensalão, que nesta quinta-feira, 22, será empossado como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Barbosa é o primeiro negro a presidir a mais alta corte do país, o que representa um marco. Outros avanços sociais e legais também estão oferecendo mais igualdade de oportunidades a negros, pardos e mestiços, conforme destaca o cardiologista Edirley Maia, a professora Ilma Santos, a modelo Nayana Santos e o advogado Leonardo Braz Penna, em depoimentos alusivos à data.
Edirley Maia, cardiologista:
“Sou preto, sou negro, sou nagô. Com muito orgulho”
A história de vida de Edirley Maia, cardiologista especializado em hemodinâmica, do Hospital São Lucas, é um exemplo de superação e força de vontade. Criado na Baixada Fluminense, seus pais foram retirantes nordestinos e, apesar de pobres, conseguiram educar muito bem seus seis filhos. “Nós moramos em barraco de zinco, mas nunca passamos fome”, conta.
Graças à sua tenacidade, Edirley passou no vestibular para uma universidade pública e cursou com brilhantismo não apenas a faculdade como três cursos de residência médica. Para ir de Duque de Caxias, onde morava, até a universidade, pegou muita carona no trem da Central do Brasil.
Edirley atribui muito de sua força de vontade à capoeira, que lhe deu um conhecimento profundo de suas raízes, de sua cultura. No entanto, quando criança cansou de ser chamado de preto nojento, urucum, tição, negro piolhento, cabelo bombril e por aí afora. Desde que nasceu e ainda hoje, ele sente na pele e na alma o que é o preconceito racial. “A gente é massacrado por esse tipo de mensagem. Minha filha, de quatro anos, mulata, já passou por isso na escola”, afirma.
Ele não sofre mais com o racismo, apesar de identificá-lo o tempo todo nas mais diversas situações. “Muitos porteiros me indicam o elevador de serviço, outros me entregam a chave para que eu manobre o carro na entrada de um restaurante”, continua. Na semana passada, foi com a família assistir ao “Lago dos Cisnes” no Teatro Municipal. “Pude perceber o olhar de nojo das pessoas sentadas ao nosso lado como se a gente não pudesse estar ali.”
Ou seja, ainda hoje, o preconceito racial está presente na sociedade, embora de forma velada.
Edirley tem, como ele próprio assume, “o ombro em pé” e um imenso orgulho de sua cor. Não tem nenhum problema no trabalho, é bem recebido nos locais que frequenta, mas... sabe que o país tem um enorme caminho a percorrer até se livrar do preconceito racial. O que mais o incomoda é o fato de ser uma exceção entre os negros brasileiros, que são, afinal, a imensa maioria da população.
Ele não culpa a sociedade e reconhece que ainda será preciso um bom tempo até que tudo isso seja coisa do passado. Afinal, são 124 anos de liberdade contra quase 400 anos de escravidão. A cada geração a situação vem melhorando. Hoje, temos cada vez mais médicos, professores, advogados e até um juiz do Supremo Tribunal Federal, todos negros e orgulhosos de sua raça. Ainda bem.
Ilma Santos, professora:
“Um dia de reflexão sobre avanços e perdas”
“O dia 20 de novembro não deve ser só de comemoração. Nós, negras e negros, temos a obrigação de referendar este dia também como dia de reflexão sobre nossos avanços e perdas nestes 317 anos da morte de Zumbi de Palmares. Estamos cientes de que avançamos em nossos direitos e acessibilidade, porém, como consequência, cresceram nossas obrigações e deveres. É fato que conquistamos o Plano Nacional de Promoção pela Igualdade Racial. Assim como as cotas para os concursos públicos e para universidades estaduais e federais, o que faz aumentar as nossas responsabilidades em comprovar que cota não é esmola e/ou benefício e sim reparação governamental.”
Nayara Santos, modelo:
“Ainda temos um longo caminho a percorrer”
“Acho muito importante comemorarmos o Dia da Consciência Negra. É uma data que chama a atenção da sociedade para a história de luta dos negros ao longo dos séculos. Essa luta não acabou e o negro continua enfrentando dificuldades no seu dia a dia. O preconceito ainda existe e temos um longo caminho a percorrer, até que não haja mais casos de discriminação. Claro que a sociedade avançou muito mas ainda é preciso muito trabalho de conscientização para chegarmos a uma igualdade plena. Não devemos desistir desse sonho porque o mercado está se abrindo para todos os negros. No meu campo de trabalho, a quantidade de modelos brancas é muito superior ao de negras mas estamos conquistando o nosso espaço. Apesar de tudo, acho que nós temos muito a comemorar neste 20 de novembro.”
Leonardo Braz Penna, advogado:
“Em nossa cidade, visualizo avanço em alguns aspectos”
“A Semana da Consciência Negra importa muito mais do que mais um feriado em nosso calendário. Pessoalmente, entendo como um marco na evolução de nossa sociedade, já que é real e importante a atuação da população descendente dos povos de pele negra. A data de 20 de novembro em memória de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, símbolo forte da resistência dos negros na época onde era comum o uso do ser humano como escravo. Sou grato aos meus antepassados e de forma especialíssima, ao meu pai, que sempre nos ensinou e demonstrou como era conviver com familiares, amigos e demais cidadãos de maneira a impedir que a cor da pele fosse um obstáculo.
Lembro até hoje quando eu e minha irmã passamos no vestibular, a felicidade estampada nos olhos dele e a frase que me disse: “... Vai que o mundo é de todos...”
Atualmente, temos exemplos, em nossa sociedade, de negros e negras que venceram as barreiras da ignorância e do preconceito. O fato é que a população afrodescendente ainda tem muito a conquistar, mas creio que estamos avançando. Seja em acesso ao conhecimento, em postos de trabalho, culturalmente e religiosamente. Quando seria razoável imaginar que a data 15 de Novembro seria instituída por lei federal, o Dia da Umbanda?
Em nossa cidade visualizo avanço em alguns aspectos. Percebo o respeito às tradições culturais. Constato a mudança no público que se aproxima dos cultos religiosos. A busca pelo conhecimento. A conquista de postos de trabalho. O exercício de profissões que antes não era comum. Isso tudo prefiro entender como avanço. Mas não ignoro que há muito a ser feito, e faremos. Com as bênçãos de Deus, dos Orixás e com o apoio de todos os cidadãos.”
Deixe o seu comentário