O cirurgião cardíaco Gustavo Ventura Couto voltou para Nova Friburgo com um desafio pela frente: implantar o serviço de cirurgia cardíaca do Hospital São Lucas, que completa uma década de sucesso. Com sua competência e seriedade, Gustavo conseguiu, em curtíssimo espaço de tempo, torná-lo respeitado e reconhecido como um dos melhores do estado, atendendo, inclusive, pelo SUS.
Membro especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (SBCCV), da Academia Fluminense de Medicina e da Academia de Ciências de Nova York – títulos que precisamos arrancar dele com muito esforço –, Gustavo tornou-se conhecido pela modéstia e amor ao próximo, além, é claro, de sua competência, exaltada por todos que passaram pelas suas mãos.
Nesta entrevista o cirurgião fala de sua opção pela medicina, do começo de sua carreira e abre o coração para falar sobre o serviço que dirige há dez anos. Não sem antes ressaltar que o excelente desempenho obtido pela cardiologia do São Lucas – comparável apenas à dos hospitais situados nos grandes centros – só é possível graças à dedicação de todos que ali atuam, da enfermagem à direção.
A VOZ DA SERRA - Como você se sente neste momento em que o serviço de cirurgia cardíaca está completando dez anos?
Gustavo Ventura Couto - Extremamente gratificado e com absoluta convicção de que a meta projetada foi conduzida e realizada com pleno êxito. Estamos com novos projetos que visam demonstrar a qualidade de nosso serviço, garantindo aos pacientes um tratamento diferenciado e plenamente satisfatório.
AVS - Nestes dez anos, quantos pacientes já foram atendidos pelo serviço?
Gustavo - Até o início de agosto, havíamos operado três mil pacientes e realizado 10.876 cateterismos para diagnóstico e 1.800 angioplastias com stents, além de aproximadamente 200 intervenções terapêuticas de lesões vasculares e cardiopatias congênitas.
AVS - Você poderia destacar um entre os muitos casos marcantes atendidos no São Lucas?
Gustavo - Foram muitos, mas o primeiro não dá para esquecer. O pai de um diretor da Autran, residente em Niterói, precisou de uma intervenção que pela informação inicial seria simples. Na verdade, tratava-se de um caso complexo e extremamente grave. Um aneurisma de aorta, cujo tratamento cirúrgico convencional implicava em alto risco. Realizamos a cirurgia com uma técnica inovadora e recém-empregada nos maiores centros mundiais. Tudo correu muito bem e até recentemente ele continuava gozando de plena saúde e lucidez. Este foi o primeiro desafio, que precocemente nos incentivou a ampliar os horizontes em termos de procedimentos mais complexos.
AVS - Quando você optou por estudar medicina?
Gustavo - Desde que fiz um curso de auxiliar de enfermagem no antigo Hospital Santo Antônio (atual Raul Sertã) e comecei a freqüentar as enfermarias. Foi quando percebi que meu ideal era cuidar de quem precisa, principalmente dos mais necessitados. Já naquela época era muito difícil e complicado o acesso dos mais carentes aos serviços de saúde. No terceiro ano da faculdade, no caso a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acompanhei uma cirurgia de revascularização do miocárdio e fiquei fascinado com todo o aparato envolvido, o coração parado sendo mantido por uma máquina, o pós-operatório... Descobri que esta seria minha especialidade.
AVS - Como e onde começou sua carreira?
Gustavo - Depois que me formei, em 1981, fiz residência em cirurgia cardíaca no Hospital da Beneficência do Rio de Janeiro, com o professor Antônio Jazbik. Depois fui para Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, onde me uni ao amigo João Jazbik, sobrinho do professor Waldir Jazbik, que conheci durante minha formação como residente e plantonista. Foi quando minha carreira profissional começou de fato, já amadurecido e experiente profissionalmente. Para este amadurecimento foi importantíssima minha passagem pela Aeronáutica, onde, junto com outros amigos, montamos o serviço lá existente.
AVS - Você se lembra do primeiro coração que abriu com as próprias mãos?
Gustavo - Do nome do paciente, não, mas me recordo muito bem do caso. Foi um implante de prótese mitral. Curiosamente, um problema idêntico ao da primeira paciente operada aqui em Friburgo.
AVS - Sua dedicação, seu carinho e sua competência são destacados por todos os seus pacientes, que têm em você, Gustavo, muito mais que um médico, mas um anjo da guarda. O que tem a dizer sobre isso?
Gustavo - Sinto que existe uma grande interação minha com os pacientes e vice-versa. Esta dedicação, carinho e atenção que você cita são fruto dos exemplos adquiridos em minha família, no caso, os Ventura e os Couto. Ainda hoje, antigos fregueses e amigos de meu pai e de minha mãe não me deixam esquecer onde adquiri esta forma de ser. Tenho orgulho de minha família, dos meus pais e hoje sinto que meus filhos trilham este mesmo caminho.
AVS - Em que exemplos de médicos se espelha para exercer a medicina desta maneira?
Gustavo - Primeiramente, meu tio, Ângelo Chaves, que foi meu segundo pai por 13 anos, no período em que morei em sua casa e a quem devo o fato de ter feito medicina. Ele me ensinou o valor de se doar aos necessitados, pois no Hospital da Gamboa, antes da existência do SUS, realizava, às quintas e sábados, cirurgias a preços superpopulares ou literalmente de graça. Cresci profissionalmente com este exemplo e pautei minha vida para isto: exercer meu conhecimento ajudando a todos que dele necessitam, sem jamais deixar de atender, principalmente aos mais necessitados. Meu grande prazer é, por exemplo, ver a gratidão nos olhos de uma mãe cujo filho aguardava há sete anos na fila de um hospital público de referência cardiológica no Rio de Janeiro e que, em apenas duas semanas, saiu daqui operado e curado.
AVS - Em termos de cirurgia cardíaca, quem seriam seus, digamos, ídolos?
Gustavo - Meus ídolos são meus mestres e meus amigos: a família Jazbik, meus companheiros de faculdade e amigos do coração. Ronaldo Fontes, com quem tive a oportunidade de trabalhar e reformular métodos cirúrgicos. O doutor Euryclides Zerbini, por suas idéias e ideais, e o doutor Adib Jatene, o qual tive a honra de assistir ao vivo, realizando cirurgias no Instituto do Coração (Incor).
AVS - Qual o índice de mortalidade do serviço de cirurgia cardíaca do HSL? Pode, de fato, ser comparado ao dos grandes centros?
Gustavo - Com certeza. Este ano conseguimos melhorar ainda mais este índice, que era de 2,7% e passou para 2,3%. Desde que começamos, introduzimos com muito rigor algumas transformações, sempre com o objetivo de nos manter atualizados tecnicamente e melhorar o cuidado ao paciente. Hoje percebemos nitidamente que há mais casos complexos, fruto do maior acesso ao sistema de saúde e das possibilidades terapêuticas implantadas. Antes, estes pacientes simplesmente não sobreviviam para atuarmos em seu favor.
AVS - O número de pacientes operados poderia ser maior?
Gustavo - Sim, se houvesse maior oferta de leitos para pacientes do SUS, o que deverá ocorrer até o fim do ano, quando as reformas no São Lucas estiverem concluídas. O atual secretário da Saúde, Egídio Bonin, conseguiu junto ao governo do estado que Nova Friburgo comande a Central de Regulação de Leitos para procedimentos de alta complexidade em cardiologia, aumentando e, conseqüentemente, reafirmando a importância do município como centro regional de medicina e nosso serviço, como referência em cirurgia cardiovascular de alta complexidade.
AVS - Em que medida a instalação do serviço de cirurgia cardíaca representou um divisor de águas na medicina de Nova Friburgo?
Gustavo - Como é um serviço multidisciplinar e envolve a necessidade de aquisição de alta tecnologia em vários setores, tornou quase obrigatória a melhoria de laboratórios de análises e de imagens, que tiveram de investir na formação de especialistas, treinamento e aperfeiçoamento de todos os envolvidos. Também foram implantadas novas clínicas, cada vez mais especializadas. Da mesma forma, o serviço possibilitou a vinda de profissionais com especialização diferenciada, criando uma cadeia de benefícios onde quem sai ganhando é o paciente.
AVS - Qual a cirurgia cardíaca mais realizada?
Gustavo - Sem dúvida, a de revascularização do miocárdio, as conhecidas pontes de safena e mamárias, que atualmente levam, em média, três horas. Aqui em Friburgo elas representam cerca de 60 a 70% do total. Depois vêm as cirurgias valvulares, que também são muito realizadas, principalmente devido à alta incidência de doenças como a febre reumática no país.
AVS - E a mais delicada?
Gustavo - Todas têm seu grau de complexidade, mas sem dúvida alguma, as realizadas em crianças representam as de maior exigência, tanto técnica quanto pessoal, pois, afinal, elas são seres muito frágeis e com uma vida enorme a ser vivida. Atualmente, só operamos crianças com mais de 20 quilos, mas com o desenvolvimento dos serviços de pediatria, especialmente a criação das UTIs Neonatal no Hospital São Lucas, Unimed e Maternidade, está em curso a implantação de uma de nossas metas mais ambiciosas: a cirurgia cardiovascular pediátrica. Para tanto, estamos aprimorando nossos conhecimentos e selecionando parceiros.
AVS - O que representou a parceria com a Unimed iniciada em 2007?
Gustavo - Foi, sem dúvida, um ganho enorme para os associados da Unimed, que não mais precisaram se deslocar de sua cidade para realizar estes procedimentos. Para nosso serviço, ela representou a realização de mais uma de nossas metas: a abrangência e tanto para a Unimed como para o São Lucas, uma nova fase na integração de serviços, aumentando a importância de ambos junto à opinião pública e fortalecendo seu corpo clínico.
AVS - Quais são as próximas metas a serem alcançadas pelo serviço?
Gustavo - Em primeiro lugar, a realização de cirurgias minimamente invasivas e videoassistidas. Em pouco tempo, acredito, estaremos fazendo implante de próteses via endovascular e cirurgias de reparo de aneurismas de aorta por via endovascular. Para tanto, já estamos nos preparando tecnicamente em centros médicos de São Paulo e realizando cursos de especialização e aperfeiçoamento. Outra meta a ser implantada, no menor tempo possível, é a criação do serviço de cardiocirurgia pediátrica.
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