Dalva Ventura
No fim do ano passado a Prefeitura tombou nada menos que 154 imóveis localizados no centro da cidade, no Parque São Clemente e no bairro Bela Vista.
O decreto 268 de 26 de dezembro de 2012 foi publicado em A VOZ DA SERRA, mas, ao que parece, até agora passou despercebido pela maioria dos proprietários, pois os protestos que já eram esperados não ocorreram.
Como não é novidade para ninguém, um imóvel tombado perde grande parte de seu valor comercial. Por isso mesmo são poucos os proprietários que aceitam de bom grado o tombamento de suas casas. É o caso da família Celles Cordeiro, cuja residência, na Rua General Osório, a família tem o maior interesse em manter sempre daquele jeito.
Ou de Leyla Mello, que até hoje reside e cuida com o maior desvelo da casa construída há 80 anos por seu pai, o médico Salim Lopes, na Rua Fernando Bizzotto 71, Centro. Dona Leyla considerou o tombamento um verdadeiro presente. “Agora nossa casa está preservada para sempre. Fiquei muito, muito feliz com isso.”
O prédio centenário da antiga delegacia de Nova Friburgo, pertencente à Afape, também foi incluído na lista de bens tombados. Procurado por A VOZ DA SERRA, o presidente da entidade, Jorge Wilson Vieira, mostrou-se surpreso com a notícia, limitando-se a dizer que o prédio está interditado pela Defesa Civil e a Afape já está com um processo de demolição em curso.
Nessas casas ninguém mexe
Foram pelo menos sete meses de estudos e pesquisas até que fossem definidos os imóveis que mereciam mesmo ser preservados. O arquiteto Luiz Fernando Folly e a historiadora Lilian Barreto lideraram a equipe que cuidou do assunto e garantem que tudo foi feito com extremo cuidado. Além deles foi formado um conselho com a participação de representantes de órgãos, como o Iphan e o Inepac, e secretarias municipais e entidades ligadas ao patrimônio artístico e cultural da cidade.
Quatro imóveis situados em volta das praças Dermeval Moreira e Getúlio Vargas foram integralmente tombados: os prédios da Usina Cultural, do Willisau, do antigo Fórum Julio Zamith (inclusive as dependências remanescentes do projeto original) e dos Correios.
Seis tiveram as fachadas e telhados originais tombados e também sua volumetria. Para quem não é da área, vale explicar que este termo técnico—volumetria—designa as dimensões que determinam o volume da construção e também o tamanho e o formato originais do terreno. Estão neste grupo a Vila Tico-Tico, na Alameda Princesa Isabel 317 (Vale dos Pinheiros) e o chalé onde morou o Conselheiro Julius Arp, na avenida com seu nome, nº 80.
A maioria, porém—63 imóveis ao todo—teve apenas as fachadas e a “volumetria” tombadas. Foi o caso das casas número 224, 236, 238 e 240 da Rua Francisco Mieli, da casa 210 na Rua Sete de Setembro, já na altura da Praça Getúlio Vargas, e de outros 25 imóveis localizados na mesma praça. O mesmo aconteceu com os sobrados localizados nas esquinas da Praça Dermeval Barbosa Moreira com Rua Monsenhor José Antônio Teixeira (números 6, 30 e 36).
A casa do Centro Espírita Friburguense, na Avenida Comte Bittencourt 108, Centro, também está neste grupo, assim como as sedes do antigo Clube de Xadrez, na Avenida Galdino do Valle Filho 153, e da Euterpe Friburguense, além de outros oito situados na avenida do mesmo nome. O imóvel onde funciona a Escola de Música da Faculdade Candido Mendes, na Vilage, está no mesmo rol, assim como o prédio do antigo Hotel Floresta, na Rua Casemiro de Abreu 161, e a sede do Hotel Schumacher, na Praça do Suspiro.
Outros tantos—32—tiveram apenas as fachadas tombadas. Foram aqueles que na época da construção eram denominados “villas”, “villas operárias” e “chácaras”. Neste caso estão as casas 35, 43 e 59 da Rua Augusto Cardoso pertencentes à Sociedade Humanitária, além de diversas casas na Rua Fernando Bizzotto, como a 16 (Villa Eliza), a 19 e 21 (Vila Carmem), a 25 (Hotel Montanus) e a 29, onde, aliás, fica a sede de A VOZ DA SERRA. Outras casas antigas situadas nas ruas Fernando Bizzotto, Oliveira Botelho e General Osório estão neste grupo. Também tiveram suas fachadas preservadas nada menos que 20 imóveis da Avenida Alberto Braune.
Além das fachadas, dez casas da Avenida Alberto Braune foram integralmente preservadas, isto é, seus telhados jamais poderão ser modificados, assim como o reboco, as cantarias, varandas, jardineiras e balcões, cercaduras, colunas, vãos e esquadrias, torres, beirais, carpintarias, portões e todos os demais elementos decorativos relevantes, além, é claro, da tal volumetria. Estão nesta relação, entre eles, quatro casas da Rua General Osório 20 (Colégio Modelo), a 226 (Casa da Madre Roselli) e a 377 (Casa dos Pobres). É neste item, aliás, que está incluída a casa da Rua Teresópolis 248, na Vila Amélia, onde funcionava a delegacia.
O decreto também protegeu vários bens que já tinham sido tombados pelo Iphan (o Chalet e os jardins do Nova Friburgo Country Clube), a Praça Getúlio Vargas, incluindo seus eucaliptos, e o Park Hotel. E outros 12 tombados pelo Inepac: Colégio Anchieta, Sanatório Naval, capela de Santo Antônio, Faculdade de Odontologia, a antiga sede da LBA, na Rua Augusto Spinelli, o prédio da Prefeitura, a Catedral São João Batista, da Cúria (Rua Monsenhor Miranda), a antiga residência do Barão de Nova Friburgo, onde hoje é a Usina Cultural, o Colégio Nossa Senhora das Dores, o prédio do Ienf, antigo Grupo Escolar Ribeiro de Almeida, e o conjunto da antiga Estação Ferroviária de Riograndina.
Para que tantos tombamentos?
Seria mesmo necessário preservar tantos imóveis da cidade? Alguns nem se discute. Era preciso uma lei para impedir que casas centenárias viessem abaixo, cedendo lugar a uma construção ou um estacionamento. Mas há casos, porém, que dão margem, no mínimo, a um questionamento.
Segundo Luiz Fernando Folly, a escolha dos imóveis a serem protegidos leva em conta três aspectos. Seu valor arquitetônico, histórico e também a técnica construtiva. Os mais questionados têm sido os situados ao longo das ruas perpendiculares da Avenida Alberto Braune, especialmente nas ruas Fernando Bizzotto e Oliveira Botelho. Ali ainda existem conjuntos contínuos de vilas e casas operárias que à primeira vista podem parecer apenas casas velhas. Mas não é bem assim. Em Nova Friburgo quase não existe mais esta ideia de conjunto, como em Ouro Preto e outras cidades históricas, diz ele. “Aqui está tudo pulverizado, um imóvel antigo aqui, outro ali. Os demais já foram abaixo. A ideia, portanto, é impedir que isso continue acontecendo.”
Mas por que algumas casas não foram incluídas no edital, apesar de serem aparentemente idênticas a outras que ficaram de fora? Segundo Folly, a explicação é simples. Elas estariam com problemas estruturais gravíssimos, na iminência de cair. Sendo assim, acabaram sendo retiradas do inventário. Só entraram mesmo aquelas que tinham, de fato, condições de serem preservadas.
Os tombamentos foram provisórios, mas juridicamente, afirma ele, a diferença é pequena. Falta apenas o assentamento ou não no chamado livro de tombo, o que acontece após um a dois anos, em média. O tempo necessário para o proprietário fazer alguma reclamação ou solicitar uma adequação.
O arquiteto destaca que a ideia do projeto foi resguardar ao máximo a forma urbana original da cidade: o Paissandu, a Vila (Praça Getúlio Vargas, Dermeval Barbosa Moreira e a Vilage) e a Alberto Braune. As plantas da colonização do município, datadas de 1818, foram o ponto de partida, levando em conta o Plano Diretor, que criou as chamadas Zonas Especiais de Interesse do Patrimônio Cultural (Zeipacs).
Os entusiastas garantem que estes tombamentos não engessarão a cidade, mas orientarão seu crescimento. “Não podemos deixar que Nova Friburgo fique ainda mais descaracterizada do que já está. Esta é a última tentativa de salvar o que ainda resta”, diz Luiz Fernando.
Até aí tudo bem, tudo muito bonito. Suponhamos, porém, que você herdou uma casinha que pertenceu a sua avó e de repente este imóvel—seu único bem—é tombado. E então? Como é que fica? Para começo de conversa, a tal casinha deixa de ter muito valor comercial, mesmo quando localizada no centro da cidade. E quem vai pagar por isso? Só mesmo muito amor pela cidade (e dinheiro no bolso) para aceitar a novidade sem pestanejar.
A compensação concedida aos proprietários que tiveram seus bens tombados é uma só e, convenhamos, bem pequena. Apenas a redução de 75% do IPTU. E ponto final. Não há nenhuma previsão de ajuda, por mínima que seja, para a conservação dos imóveis em questão. Assim fica difícil.
Críticas dos engenheiros
Nos anos 70 Nova Friburgo viveu o auge do setor da construção civil. Muitas casas centenárias foram postas abaixo para dar lugar aos edifícios que logo tomaram conta da paisagem da cidade. O que sobrou foi apenas uma poeira do que Nova Friburgo já foi.
Mesmo assim, o decreto recém-aprovado não tem escapado das críticas dos profissionais da área. O que era, até certo ponto, esperado pelo grupo que encabeçou o projeto de tombamento. José Augusto Spinelli, presidente da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Nova Friburgo (Aeanf), fala em nome dos colegas e apesar de ter achado excelente a iniciativa também não poupa alfinetadas ao conteúdo do edital.
Ele critica até mesmo o uso de certas expressões como “Cidade Jardim”, referência ao período modernista brasileiro (10º parágrafo), que considerou equivocada, sem falar em falhas como a não inclusão da casa nº 62 da Avenida Comte Bittencourt, que pertenceu à Lúcia Sertã.
O correto, a seu ver, seria fazer uma audiência pública ou sessão especial na Câmara com a participação dos proprietários para debater a importância do tombamento para a história, a cultura e o turismo da cidade. Em sua opinião, isso poderia evitar, em parte, a grande quantidade de ações que decerto acontecerão.
Como nada disso ocorreu, diz, “o decreto em questão deveria ser anulado e o texto corrigido antes de ser encaminhado à Câmara para ser transformado em lei”.
José Augusto vai além. Acredita que o município já estaria blindado no que diz respeito à preservação de seu patrimônio histórico, graças ao Plano Diretor que criou três Zonas de Especial Interesse de Proteção do Ambiente Cultural – Centro, Amparo e Riograndina. “Muitos imóveis nessas áreas já estariam sob a proteção do poder público municipal. O Iphan e o Inepac também já tombaram diversos prédios no município”, afirma o presidente da Aeanf. “Poucas cidades no Brasil têm uma legislação que zele tanto, do ponto de vista legal, pelo seu patrimônio histórico”.
Vamos aguardar os desdobramentos.
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