De quanta terra precisa um homem? - 22 de maio.

Por Valfredo Melo e Souza (*)
sexta-feira, 21 de maio de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Com este título Leon Tolstoi (1828-1910) escreveu em 1886 um conto – uma notável parábola – que, se visto com comiseração, sinaliza uma alegoria que nos remete à disciplina que rege o comportamento humano.

Pakome, um camponês russo, ouve um diálogo entre sua mulher e a cunhada, esposa de próspero comerciante, sobre os perigos e tentações da vida urbana em contraponto com a paradisíaca vida rural defendida por sua esposa.

Não trocaria minha vida pela sua, diz a camponesa. Não temos tantas distrações, mas não temos tanta insegurança. E seguiam trocando ‘figurinhas’ sobre o tema.

Retruca Pakome: a gente se acostuma desde cedo a trabalhar na mãe-terra, não corre os perigos das seduções urbanas. O único problema é a terra. Se a gente tem toda a terra que deseja não tem medo de nada. E com este pensamento na cabeça começou a adquirir mais terras. Ficou radiante e convencido de que será bem sucedido quando possuir tanta terra quanto as que estão contidas nos vastos latifúndios da aristocracia russa. Chega determinado momento que lhe é oferecido, a baixo custo, tanta terra quanto ele mesmo possa rodear, andando, do nascer ao pôr do sol.

Ele se desfaz do que tem para se mudar para aquele ‘shangrilá’, localidade bem distante de onde morava. Partiu no início do verão. Embarcou num vapor, viajando pelo Volga até Samará e depois mais de quatrocentos quilômetros a pé. Chegou ao local. A terra fica ao longo de um riacho e é especial para o trigo. Ele se prepara para a sua oportunidade de conseguir a terra ‘fácil’. Seu patrimônio era três vezes mais valioso que a proposta de aquisição. Mas ele queria muito mais.

Pakome dialoga com o chefe local e ouve: pode escolher a terra que mais lhe agrade. Temos muitas. O preço é de mil rublos por dia. Vendemos a terra por um dia. Toda a terra que puder percorrer em um dia será sua por este preço. Mas tem uma condição: se o senhor não voltar no mesmo dia ao ponto de partida até que o sol se ponha, perderá todo o dinheiro empenhado. Ficaremos aqui até sua volta. Leve uma enxada e ao longo se sua caminhada vá demarcando com um buraco colocando dentro dele, um molho de capim em toda a extensão percorrida. Na sua chegada a terra será toda cercada pelo balizamento feito e entregue como de sua propriedade.

Assim, na madrugada, partiu Pakome para sua conquista. Deixou mil rublos no boné do chefe colocado ao chão. Até onde a vista alcançava, havia terra fértil. A cada quilômetro percorrido Pakome cavava um buraco e deixava um monte de capim. Findava o dia e ele exausto empreendeu o retomo. Os pés doíamo As pernas fraquejavam. Faltam dez quilômetros. Se não chegar a tempo perderei tudo, pensava angustiado. Teve medo de morrer de cansaço. Sem parar para comer, beber ou descansar vai concluindo seu torturante e extenuante percurso. Agora tenho terras para um latifúndio, pensava. O sol vai desaparecendo. Não vou conseguir chegar. Pensou.

Quando desaparece o sol, cambaleando, completa o círculo. Vitória! Sucesso! A realização de um sonho de toda uma vida!

Homem competente! Disse o chefe. Quanta terra conseguiu! Um criado se adianta e vem ajudar Pakome a se levantar quando viu sangue escorrendo de sua boca. Ao dar o último passo, caíra morto O criado tomou a enxada presa às suas mãos, cavou um buraco e enterrou o patrão.

Toda a terra de que precisava Pakome agora seriam os sete palmos de seu túmulo.

(*) Escritor e Acadêmico reside em Brasília

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