De promessa de futuro da nação a um problema social

O primeiro encontro de uma geração com a crise econômica
terça-feira, 06 de dezembro de 2016
por Ana Borges
De promessa de futuro da nação a um problema social

Assim o psicólogo João Clemente analisou o atual momento pelo qual estão passando milhares de jovens ao terminarem seus cursos universitários: “Costuma-se falar das crises da vida, das etapas da vida: entrada na vida adulta, meia-idade… E para uma legião de jovens universitários, uma crise existencial se instaura justamente nessa época da formatura: se até então esse jovem tinha uma instituição a salvaguardá-lo --- ainda sou um estudante, um universitário… --- agora, depois de formado, ele não passa de mais um adulto solto no mundo”, definiu.  

A angústia permeia relatos de alguns jovens ouvidos em Friburgo para esta reportagem. Nos últimos meses, vésperas, durante e depois da realização do Enem - Exame Nacional do Ensino Médio - estudantes entre 17 e 21 anos, ansiavam pela oportunidade de garantir uma vaga no ensino superior e se habilitar ao mercado de trabalho. Embora, boa parte sequer tenha certeza da carreira a seguir. “Tenho dúvidas se vou gostar mesmo do curso que estou pensando fazer, talvez esteja tendo uma ideia errada da profissão”, comentou Luís Paulo, 19 anos, que gosta de economia, mas optou por administração.

João Francisco, de 18 anos, não tem a menor ideia do que quer ser “quando crescer”, conforme ele brincou sobre si mesmo. Preguiçosamente, disse que “agora vai descansar da tensão do Enem”, que se passar, “ótimo”, mas não tem pressa de escolher um curso, não sabe o que fazer da vida. Acha que ainda é cedo para começar uma faculdade, “não sei por que, mas tenho a impressão de que vou demorar a descobrir o que quero mesmo fazer na vida”. Mas o pai, advogado, corretor imobiliário e contador, já decretou:

“Mas em casa, à toa, ele não vai ficar. Hoje em dia as pessoas precisam trabalhar e estudar, e até agora, ele teve o privilégio de só estudar. Se não entrar pAra uma faculdade, vai começar a ajudar no meu escritório onde trabalho não falta. Vai fazer de tudo, assumir compromisso, pAra aprender também a dar valor ao que tem”. João concorda, meio desconfiado, sabendo que não tem escolha: “É, vou ajudar meu pai no escritório, e se achar ‘uma boa’, quem sabe faço Direito também? Ou, pode ser que eu acabe descobrindo uma vocação que eu ainda não sei que tenho”, comentou, e rindo, como sempre, de si mesmo, completou: “Caramba, não sei nada mesmo de mim, né?”.

Se, por um lado, as dúvidas atrapalham as tomadas de decisão, por outro, é a cautela que indica os caminhos. Mariana Pereira Gonçalves, de 22 anos, se encaixa nesse grupo que não vê a hora de começar a faculdade, mas de olho no mercado de trabalho na área que escolheu: sistema de informação. Ela quer ser analista de informática. “Escolhi essa profissão pelas possibilidades que essa área oferece, e que felizmente, eu gosto. Vou ter mais chance de emprego, preciso arrumar uma vaga logo porque não posso ficar esperando, preciso ajudar minha família. E também detestaria ter um emprego qualquer, que me frustrasse. Então, acho que estou no caminho certo”, avaliou.     

Como será o amanhã?

Diante da primeira grande crise econômica que enfrentam como adultos, os jovens brasileiros estão precisando repensar os hábitos no presente e reconsiderar escolhas para o futuro. Manchetes e reportagens sobre o assunto estão lá, dia sim e outro também, nas páginas de jornais e na abertura dos telejornais. Está difícil conseguir emprego. Consequentemente, ficou ainda mais difícil a dura decisão sobre que rumos dar à vida profissional.

No título desta matéria — Da promessa de ‘futuro da nação‘ a um problema social — está o cerne da questão. Olhamos para os jovens, e tudo o que vemos e/ou dizemos é, ‘eles são o futuro desta nação’. Pensamos assim quando orgulhosamente olhamos nossos filhos, os filhos de nossos irmãos, de nossos amigos, um grupo de jovens, enfim. Mas, o que vemos agora? Jovens rostos angustiados, cheios de incertezas, inseguranças.

O impacto da recessão sobre essa faixa etária, foi um dos pontos mapeados em pesquisa da FGV Projetos, feita a pedido da Fecomércio-RJ, para medir os efeitos da crise sobre a população brasileira. O estudo revela que um dos traços é a participação mais ativa dos membros mais jovens nas despesas da família, por exemplo.

Quem ainda se prepara para ingressar no mercado de trabalho tem dúvidas. Será que a carreira que escolhi garante a minha sobrevivência? Vou conseguir progredir e realizar minhas metas? Vou ganhar o suficiente para pagar minhas contas? A taxa de desemprego na faixa de 18 a 24 anos está em 24,5%. “A crise gera na juventude um sentimento de impotência. Ela não vê perspectivas de se inserir na dinâmica social. Há duas, três gerações, o cenário nacional era de inclusão. Agora, é de exclusão”, dizem os especialistas que analisam a questão.

A retração no mercado de trabalho aumenta os desafios para a geração que busca qualificação. Entrar na universidade faz o jovem sonhar alto. É um período de efervescência, de autoconfiança inabalável. E aí, quando o curso acaba, começa uma nova fase, que traz consigo o tal choque de realidade, que resulta na frustração. É cada vez mais comum ver jovens trabalhando com parentes. Raro encontrar, hoje em dia, todos os membros de uma mesma família, aptas para o mercado, empregados. O pai, a mãe, a filha ou o filho, no mínimo, um deles, está desempregado.  

Por fim, mais um depoimento: “Me formei em jornalismo há poucos meses e ainda não estou exercendo a minha profissão. Antes mesmo de começar a faculdade, já trabalhava em outro setor e não era viável trocar de emprego. No momento estou desempregada, mas tenho a expectativa de conseguir uma vaga na área que escolhi e me capacitei para exercer. Há medo e insegurança, mas ao mesmo tempo, otimismo, mesmo nesses tempos difíceis. Por outro lado, caso as oportunidades demorem a aparecer, eu trabalharia, sim, em algo diferente da minha formação”, disse Annabella Villarinho, 24 anos, recém-formada em jornalismo.

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