De peito aberto

Um relato de quem passou pela experiência de ter câncer de mama
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
por Dalva Ventura
Dalva Ventura, no calendário de 2013 da Amma (Foto: Reprodução)
Dalva Ventura, no calendário de 2013 da Amma (Foto: Reprodução)

Passei por esta tempestade duas vezes, muito diferentes cada uma. Mas o sentimento que me dominou tanto na primeira como na outra foi o otimismo. Senti apreensão e medo, claro. Nem tanto de morrer, mas que minhas meninas, então com 12 e 10 anos, perdessem a mãe. E, sem dúvida, de toda aquela via-crúcis que teria de enfrentar. Cirurgia, radioterapia, quimioterapia, hormonoterapia, medo de perder o cabelo e sei lá o que mais.

Apesar de tudo, nada disso me fez sofrer demais. Eu me lembro que quando ia ao Inca, encontrava inúmeras mulheres na mesma situação que eu, todas já parecendo derrotadas. E, a cada consulta, quando encontrava com elas, sua doença tinha piorado. Teriam de fazer mais uma série de quimioterapia ou o câncer tinha tomado o pulmão, era assim. Já comigo as coisas se passavam de maneira bem diferente. Estava bem. Parecia bem. Me sentia bem. Não é nada fácil tratar de um câncer, mas encarava tudo aquilo de frente e sem drama.

Claro que a gente leva o maior susto quando fica sabendo que está com câncer. Duvido que alguém esteja preparado para um diagnóstico desses e comigo não foi diferente. Pensava cá comigo. Eu? Por que logo eu? No meu caso, me julgava protegida por ter amamentado minhas filhas por mais de dois anos e uma das vantagens apregoadas da amamentação era a menor incidência de câncer de mama. Fui uma das fundadoras do grupo de mães Amigas do Peito, no Rio, em 1980, e uma militante incansável do aleitamento materno. Então, de certa forma, me senti traída pelo destino quando a doença foi confirmada.  

Minha primeira pergunta após a cirurgia foi se tinha feito só uma quadrantectomia ou todo o seio. Não foi. Estava com 40 anos e, para mim, a retirada completa representava uma verdadeira amputação. Vinte anos depois, tive uma recidiva e aí não teve jeito. Agora, sim. Mastectomia. E sem direito a cirurgia plástica de reconstrução depois, pois se tratava de uma recidiva. Nesta altura, eu já estava com mais de 60 anos, mas mesmo assim, isso me fez sofrer muito. E, para falar a verdade, ainda me faz. Não me olho de frente no espelho e não gosto que me olhem, odeio aquelas próteses que temos de usar dentro do sutiã para disfarçar a falta do peito. Ao contrário de tantas companheiras de infortúnio, deixei até de ir à praia, um programa que adoro, por me sentir desconfortável usando maiô com enchimento. Enfim, não encaro a mastectomia com a naturalidade que deveria.

Eu falei “colegas de infortúnio” e não foi por acaso. Infortúnio sim e quem disser o contrário está mentindo. O câncer, mesmo quando é considerado curado, deixa marcas para o resto da vida. Há sempre um fantasma à nossa espreita. A cada exame de rotina, aquele nervoso — embora com o tempo a gente fique menos ansiosa e o medo diminua.    

Posso dizer, no entanto, que sou uma mulher de sorte. Em primeiro lugar, estou viva e viver é bom. Tenho tido tempo de experimentar grandes emoções, como o nascimento e o crescimento de minha netinha. E espero ganhar mais alguns anos de vida para curtir outros netos! Sinto a cada momento o cuidado e o amor que meu marido, minhas filhas e toda a minha família têm por mim. Pensam que é só? Que nada. Aprendi a identificar e a valorizar mais meus grandes amigos. E por último, mas não em último lugar, voltei para a minha terra e, com muito orgulho, para as páginas de A VOZ DA SERRA, o jornal fundado por meu saudoso pai e do qual muito me orgulho.

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