A Alemanha, por exemplo, já reconhece o gênero indeterminado no registro dos bebês
Acontece que, aproveitando a semelhança fonética entre as palavras “ginger” (gengibre) e “gender” (gênero), o Gingerbread Man inspirou o “Genderbread Person”, um tipo de infográfico sobre gênero que visa esclarecer as diferenças entre expressão de gênero, sexo biológico, orientação e identidade sexual cuja arte visual lembra o famoso pão de mel. Embora a analogia seja antiga, a versão deste infográfico mais conhecida, que ganhou destaque nas redes sociais recentemente, é esta que ilustra a matéria, promulgada pelo ativista e escritor Sam Killermann. Sabemos quem somos, afinal? Aliás: é preciso mesmo saber?
Menino ou menina?
A cena é clássica. A grávida quase não dorme à noite, tamanha ansiedade. É obrigada a beber muitos copos d’água logo cedo de manhã, sem nenhuma sede, e pior: numa fase em que a fada do xixi balança a varinha toda hora. Na sala de ultrassom, a expectativa: é menino ou menina, vai se chamar Aparício ou Aparecida? O ser humano acostumou-se a classificar seus semelhantes de acordo com determinados parâmetros e um desses parâmetros é: se tem pênis é menino, se tem vagina, é menina.
Até aí, ok, desde muito novos somos capazes de distinguir meninos de meninas, classificar pessoas em diversas “caixas” semânticas e sociais conforme o que vemos, e até a nós mesmos, mas e quando o sexo biológico parece não definir a identidade da pessoa? E se na expressão do gênero, que é um conjunto de características externas, no papel social que desempenhamos, formos diferentes do convencional? Há quem nasça sentindo-se estranho em seu próprio corpo com o papel que desempenha no mundo, tanto física quanto psicologicamente, como se constantemente houvesse algo errado acontecendo. Por questões diversas — sociais, familiares, religiosas, de crença ou mesmo de condições financeiras — muitas dessas pessoas vivem com esse estranhamento — às vezes, uma vida inteira. Há até quem não se enquadre em nenhum dos gêneros estabelecidos — uma afirmação atribuída ao cronista Stanislaw Ponte Preta diz que “em breve o terceiro sexo estará em segundo” —, assim como quem oscile entre um e outro.
Na sociedade, a identidade de gênero se refere tanto a uma autoidentificação — como a pessoa se identifica, se reconhece, enquanto masculino ou feminino ou nenhum dos dois — quanto ao gênero que certa pessoa atribui a outra tendo como base o que ela mesma reconhece como indicação de papel social de gênero (roupas, corte de cabelo, etc). Nesse sentido, o gênero com o qual uma pessoa se identifica pode ou não concordar com o gênero que lhe foi atribuído quando de seu nascimento. É diferente de sexualidade. Pessoas transgêneras podem ser heterossexuais, lésbicas, gays ou bissexuais, tanto quanto as pessoas cisgênero.
Aí entra a outra discussão: a ideologia da ausência de gênero, segundo a qual os dois sexos — masculino e feminino — são considerados construções sociais e culturais, e que por isso os chamados “papéis de gênero”, que decorrem de diferenças alegadamente construídas e não naturais, na verdade, sequer existem. Por isso, considera-se que sexo biológico e gênero são coisas distintas, sendo o sexo biológico uma consideração anatômica, biológica, como o nome diz, e o gênero, uma construção social associada ao sexo. A ideologia de gênero defende a ideia de que não existe apenas o masculino e o feminino, mas muitas outras possibilidades de gêneros, alguns até simultâneos. A Alemanha, por exemplo, já reconhece o “terceiro gênero” (ou gênero indeterminado) no registro dos bebês desde 2013 e o Facebook oferece 56 opções diferentes para que os usuários se identifiquem, se quiserem.
A ideia de dissociar as concepções de gênero é antiga. Até algum tempo atrás, bastava classificar um indivíduo como homem, mulher ou hermafrodita (termo hoje substituído por intersexual), hetero, homo ou bissexual — ou seja, uma definição baseada na premissa do sexo biológico e na orientação sexual da pessoa. No entanto, este esquema não abraça muitas das classificações que vêm sendo compreendidas, tornando-se até mesmo um sistema excludente. Até porque, dentro desse conjunto de reconhecimento, além do sexo biológico; da identidade — o que pensamos ser; da expressão e do papel social que desempenhamos; há ainda a orientação sexual, que é a atração, o desejo que sentimos pelo outro e que se manifesta independentemente dos outros fatores. A orientação sexual não é um assunto simples como parece e tem sido dissecado ao longo dos tempos, inclusive para permitir uma maior flexibilidade e até inclusão na abordagem à sexualidade — é preciso sentir-se em casa dentro de seu próprio corpo, mas também compreender o que desperta o desejo pelo outro. O desejo sexual não é soberano ou imutável. É perfeitamente possível que as preferências sexuais mudem ao longo da vida. É uma característica que pode ser bastante fluida, o que causa uma enorme confusão a quem tem necessidade de rotular os seus pares, suas relações. Também por isso é necessário incitar discussões. O ser humano ainda não aprendeu a conviver com diferenças.
É, é complicado de compreender — mas é necessário, ainda mais se considerarmos os frequentes casos de violência envolvendo questões de gênero. No fim das contas, fato é que a orientação sexual não determina a expressão de gênero. A expressão de gênero não é determinada pela identidade de gênero, embora possa ser influenciada. E a identidade de gênero, como alguns acreditam, pode não ser determinada pelo sexo biológico. Equivale a dizer que a criança pode nascer Aparício ou Aparecida, mas, no futuro, o nome vai ser o de menos.
Arquivo de Notícias
De onde viemos, quem somos, para onde vamos?
A diferença entre gênero, identidade e orientação sexual
quarta-feira, 15 de junho de 2016
por Ana Blue
Reza a lenda que, certa vez, a Rainha Elizabeth I ordenou que em sua festa de Natal fossem servidos apetitosos pães de mel e gengibre em formato de gente, como que representando cada um dos convidados. Desde então, aquele homenzinho de gengibre em miniatura se tornou uma tradição na época natalina, principalmente na Europa e na América do Norte, sendo retratado inclusive em filmes infantis que pretendem ilustrar a magia do natal. “The Gingerbread Man” é um símbolo natalino tradicional daqueles povos — talvez o equivalente às nossas rabanadas. Claro, como toda história, há a versão de que o quitute seria uma invenção russa, nada tendo a ver com a rainha, mas essa não é exatamente uma matéria sobre o pão de gengibre original.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Publicidade
Deixe o seu comentário