Das capacidades cerebrais: qual a idade ideal para absorver uma nova língua?

O que uma professora de história aventureira e um neurocirurgião têm a dizer sobre habilidades
sexta-feira, 24 de junho de 2016
por Ana Blue
Das capacidades cerebrais: qual a idade ideal para absorver uma nova língua?

“A gente entende bem a língua em sua função mais pura e primitiva quando está lá no Velho Mundo, muito longe de casa, sem saber nenhum idioma além do materno. Entende que a linguagem não é feita apenas para a poesia, para filosofar em alemão, mas sim resolver problemas imediatos de sobrevivência”

O trecho que abre a matéria é da historiadora Anna Lygia Stavalle (foto), de 26 anos, que há pouco tempo, numa viagem pela Europa, teve que absorver, rapidamente, um pouco do conteúdo das línguas locais para seguir viagem com tranquilidade. A história de Anna, vivenciada por outras tantas pessoas, seja por questões profissionais ou turísticas, acende uma discussão curiosa: quais tipos de habilidades ainda somos capazes de aprender, depois de adultos?

Há um conhecido mito segundo o qual as crianças teriam maior capacidade cognitiva se comparadas aos adultos, e tal fato estaria relacionado à “mente fresca” dos pequerruchos, ávida por descobertas e com muito espaço em branco para preencher de novas informações. O neurocirurgião Armando Lemos (foto) esclarece: “É importante a gente entender que o cérebro em formação tem uma série de conexões neuronais. Quanto maior a capacidade do cérebro de se conectar com novas áreas, maior vai ser a capacidade cognitiva, e isso vai se expressar num melhor desenvolvimento social, psicomotor e intelectual da criança”. Ou seja, segundo o médico, o que se pode afirmar, com segurança, é que quanto maiores os estímulos — afetivos, intelectuais, emocionais, visuais, táteis, físicos, somáticos — maior a capacidade do cérebro de se conectar com outras áreas, e essas conexões novas, que se abrem conforme recebem esses estímulos, aumentam a capacidade cognitiva e intelectual. No entanto, há especialistas que divergem desta afirmativa, baseados em pesquisas realizadas recentemente e que não foram capazes de encontrar uma relação direta entre a idade do indivíduo e sua capacidade para aprender. Para eles, além da capacidade cognitiva do cérebro, a chave para a rápida aprendizagem das crianças está na espontaneidade com que se comportam em diferentes situações. No fim das contas, a capacidade cerebral tem mais a ver com estímulo que com a idade, propriamente. Assim como Anna estimulou seu cérebro a aprender alemão — praticando.

“A gente absorve umas palavras e faz um tropicalismo doido, entende ao menos os comandos básicos de sobrevivência. Tipo: você está na Alemanha, daí você não fala alemão e seu inglês é de seriado. Tem que se virar”

Porém, de uma maneira ou de outra, os pais parecem entender, mesmo que instintivamente, sem se basear em pesquisas, que as habilidades incentivadas desde muito cedo promovem a maior apreensão de conteúdo nesta época da vida — já que mais tarde, quando adultos, mesmo que a capacidade de aprender seja a mesma, a percepção do mundo e as idiossincrasias poderão interferir no processo de aprendizagem e até mesmo no resultado final.

Uma das habilidades mais estimuladas na primeira infância é o aprendizado de uma segunda língua além da materna. Uma criança que está aprendendo a falar não tem medo ou vergonha de falar errado, a consciência dela ainda não formou tabus sociais que a coloquem em posição de automiseração ao ser vista errando — um quadro que costuma deixar os adultos desconfortáveis. E isso facilita a aprendizagem. A criança age instintivamente, e em sua mente ainda impera a inexistência de bloqueios. As conexões neuronais estão se formando, ela aprende errando — e ela entende que não há nada de errado no erro. 
    
“A primeira e mais urgente coisa que você é obrigado a assimilar em outra língua quando te soltam no aeroporto é a palavra saída. ‘Bier, bitte’ pode ser muito importante, mas a gente primeiro tem que achar a ‘ausgang’. A gente não se importa com pronúncia, assimila na hora e incorpora:‘a ausgang é pra lá’”

No que tange ao processo cognitivo, o adulto recebe o sacrossanto direito de voltar a agir como criança. Isso não significa que a pirraça está liberada, ou que se vá trocar arroz e feijão por Baconzitos, mas é preciso essa sanha, essa manha de não ter vergonha e nem bloqueios para aprender, típica das crianças. Quando adultos, é preciso procurar métodos de aprendizagem que promovam esse desbloqueio. O maior impedititivo para o aprendizado intelectual não é a idade, mas a inibição.

A conclusão, então, é que o estímulo é o maior amigo do conhecimento, independentemente da idade, mas, no processo de aquisição de uma nova língua, especificamente, quanto mais cedo ocorrer esse estímulo, maior a capacidade de assimilá-lo. E, quando adultos, há que se ter este mesmo estímulo, inclusive para a extinção dos bloqueios que nos fazem desistir ou parar no meio do caminho. A pergunta, portanto, nunca será “quando aprender?”, mas, sim, “como aprender?”.     

“São resoluções de problemas simples. Depois que você achou a ausgang e está dando até informação pros gringos, em outro aeroporto, ausgang  já virou ‘sortie’. A gente se imagina sexy falando francês, mas só saem umas misturas da pesada. ‘Where is the sortie?’, ou então você mistura a língua que você já incorporou com a próxima, tipo ‘way out a gauche’. Na Inglaterra não tem ‘exit’ em lugar nenhum, é só ‘way out’ mesmo. Daí voltei para o Brasil pedindo uma pint no bar e il conto per favore. Inglês de seriado...  Não tem saída” 

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