Álvaro Ottoni
Meu saudoso amigo Darcy Ribeiro, quando ainda morava na Rua Bolívar, em Copacabana, me remeteu um cartão com a frase pequena e carinhosa, como era de seu costume “Os livros do Álvaro são perigosos: lendo-os voltamos a ser crianças”. Eu lançava nessa época, em 1983, meu terceiro livro, e mais tarde Darcy ainda me homenageou com o nome da sala de leitura do seu Ciep predileto o “Nação Rubro Negra”, localizado no bairro da Gávea, na minha cidade natal, carioca da gema que sou. Reconhecimento do meu amigo e mestre ao belíssimo trabalho que desenvolvemos com crianças da Rocinha quando tive a oportunidade de provar que era possível provocar inclusão social através da leitura, e mais, como fazer isso, sem academicismos, diga-se de passagem. Leitura que é tudo, mas esse é assunto não cabe aqui.
O fato é que hoje sonhei com meu amigo Darcy, sonho confuso, que misturava encontro com ele no nosso sindicato de escritores—na época localizado na Rua Heitor Beltrão, Tijuca—, tribos indígenas, campanha eleitoral, enfim, difuso como todos os meus sonhos são.
Hoje moro em Nova Friburgo. O antropólogo, ensaista, romancista e político Darcy Ribeiro nasceu em Montes Claros (MG) para ganhar o mundo. Darcy Ribeiro, um dos maiores intelectuais que o Brasil já teve. Não apenas pela qualidade de seu trabalho e da sua produção de antropólogo, de educador e de escritor, mas também pela incrível capacidade de viver muitas vidas numa só, enquanto a maioria de nós mal consegue viver uma, como disse o grande Antônio Cândido.
Pulei da cama, virei um café, e subi para minha biblioteca. Comecei a folhear livros de Darcy. Justamente quando abri “ O Povo Brasileiro” me invadiu os ouvidos o som de uma propaganda de um determinado candidato a prefeito. Foi aí que meu coração berrou mais alto que aquele alto-falante e me mandou a pergunta: “E se pela substância dos sonhos, Darcy Ribeiro fosse eleito agora em outubro de 2012 o prefeito de Nova Friburgo, o que ele faria?”
Aqui se justifica esse artigo. Creio eu que a primeira medida do velho mestre Darcy—rápido como foi em seus pensamentos, como em sua maneira de dizer as coisas, quase que atropelando as palavras—seria começar a escrever Friburgo em japonês, ou seja, tratando primeiro de reconstruir a cidade de forma nipônica, rápida, objetiva, sem burocracia, cuidando de cada ponto frágil do município, atacando de cara todos os pontos críticos da cidade, já que continuamos vulneráveis à qualquer intempérie. Uma vez, certos de que todos estaríamos seguros, o humanista e antropólogo que foi continuaria ainda seguindo normas japonesas e em um estalar de dedos haveria de construir em diversos locais casas suficientes para abrigar todos os carentes de casas.
Daí pra frente, Darcy Ribeiro começaria, com sua vivência, com seu enorme conteúdo, a pensar a cidade e reescrevê-la ao mesmo tempo. Educação e saúde, juntas, agora empatadas em primeiríssimo lugar—considerando que o problema dos desabrigados e a ameaça de novas tormentas por suas ações já teriam sido resolvidas ou muito minimizadas.
Na educação, seria exigido de imediato o tempo integral em todas as escolas—afinal, a ideia do Ciep nasceu daí, e em tempo recorde. E logo viria a capacitação de todos os professores da rede. Capacitação saudável, prática, humanista, afetuosa, ou seja, nada de academicismos. Porque em relação ao academicismo, ao intelectualismo, já diria Eduardo Galeano, e eu também, estamos fartos, já que afinal além da cabeça temos coração, membros, sexo, ou seja, ninguém é feito só de cabeça, e mais, desconfie delas, dessas pessoas que parecem paridas não em encubadeiras mas em cátedras, e que nelas continuam sentadas a cuspir pseudoconhecimentos que em nada são capazes de transformar uma sociedade.
Com a devida capacitação dos professores viria enfim a valorização, o reconhecimento do magistério, com salários dignos, e o investimento na infraestrutura e na modernização das instituições educacionais públicas. Você acha que é utopia, meu amigo leitor? Não é não. O Brasil é a terra campeã de imposto. O país que inventou a bitributação, a tritributação, e o único que a pratica. Agindo dessa forma vil nossos governos—ou desgovernos—teriam no mínimo a obrigação de oferecer saúde e educação de qualidade que viesse a justificar essa nota preta que você tira do bolso no dia a dia para sustentar governos ( ou desgovernos)—federal, estadual e municipal—que não nos dão nada em troca. Ou seja, você empresta para o governo um dinheirão e não vê nem um dinheirinho de volta, e assim se vê obrigado a recorrer a planos de saúde privados e a educação particular. Vale dizer que não adianta o governo descarregar uma fortuna em propaganda para tentar nos convencer de que a educação vai muito bem obrigado porque continuamos na zona de rebaixamento da educação e atrás da Tanzânia—nada contra a Tanzânia, já que o problema é nosso.
Esse sonho com meu amigo Darcy parece que me deu a verborragia do saudoso mestre, me desculpem os leitores o desabafo, o metralhar das palavras, mas tenham a certeza que se os friburguenses decidirem se unir em um sonho de Darcy irão votar em peso na cidade de seus sonhos, em seu vereador, em seu prefeito—ou em branco, ou nulo, já que esse direito também lhe compete—mas de qualquer forma de voto que seja, precisam cobrar dos eleitos, mas cobrar mesmo, vigiar e cobrar, a reconstrução da cidade, de ponta a ponta. Cobrar do prefeito, criatividade, vontade política, amor pelo cidadão, respeito pelo dinheiro público, um trabalho diário bem pensado e intenso.
Assim, Nova Friburgo teria saúde e educação de qualidade, trânsito resolvido, voltaria a ser cidade turística, economia em alta, nossos maravilhosos artistas desfilando sua arte pelas ruas e em vários palcos, e lógico, já ia me esquecendo, meu bom amigo Darcy não ia dispensar o “sambódromo” em um local decidido pela população para o desfile de nosso carnaval, abrigo de toda a sorte de manifestações culturais, e local também de educação. Enfim, independente de quem venha a ser eleito prefeito, dos que sejam escolhidos como vereadores, cabe ao eleitor friburguense, morador, veranista—aliás, nessas altas terras, na maioria dos casos invernista—, cobrar, encher o saco mesmo de todos os eleitos para que se dê o quanto antes a reconstrução de Nova Friburgo e a construção da cidade de nossos sonhos. E não é utopia não. Como escreveu o grande escritor uruguaio Eduardo Galeano, em “O Livro dos Abraços” (ed. RPG): “Eu caminho dez passos: ele se afasta dez passos. Caminho quinze passos, o horizonte se afasta quinze passos. Pra que serve a utopia? Serve para isso, para caminhar”.
Enfim, um simples sonho com Darcy Ribeiro desencadeou nesse artigo, nessa oportunidade de reflexão. Porém para que ele se realize é muito simples. Basta cada um de nós marcar sobre pressão o vereador escolhido—a sua voz na câmara—e também os outros, e mais, o prefeito, esse então tem que ser cobrado diariamente e sobre pressão absoluta—afinal será o síndico maior do município—e como tal eleito para governar com seriedade, dinamismo, criatividade, e transparência, ou seja liberto de pressões, de pisadas externas, de fisiologismos, na famosa inversão de valores, do tal do “ É dando que se recebe” (coitado de Santo Agostinho), prática tão usada por essas terras e sempre capaz de levar ao comando aventureiros e compradores de voto—prática essa, diga-se de passagem, já advertida pelo tribunal eleitoral, porém necessária de reafirmação para que enfim possamos ter todos um governo de nossos sonhos, ou seja governado pelo coração, pela garra, pela cobrança e fiscalização de cada friburguense.
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