Daisy e Raimundo Peres: o casal que deu nova vida ao casarão da Monte Líbano

quinta-feira, 26 de agosto de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Maurício Siaines

“A cidade grande exaure a pessoa sem que ela faça o menor esforço. Ela não precisa fazer absolutamente nada, sai e volta exausta para casa. É o trânsito, são outras coisas... em tudo você tem que competir, é muita gente”. Esta frase do artista plástico Raimundo Peres, confirmada por sua esposa, Daisy, resume os motivos que levaram o casal a transferir-se para Nova Friburgo, para a casa da Rua Monte Líbano, no 44, construída em 1890.

A casa, que mal se vê da rua, porque fica em um terreno elevado, acaba se tornando personagem na vida dessa família que se transferiu de Niterói para Nova Friburgo no final dos anos 1980, coincidentemente, o momento em que a cidade industrial encravada na serra começava a sofrer a crise que a levaria à transição que vive hoje.

Em Nova Friburgo, vivendo na casa da Monte Líbano, Raimundo passou a dedicar-se a pintura de aquarelas e Daisy ao paisagismo. Os três filhos do casal estudaram em colégios de Nova Friburgo e, atualmente, cursam faculdades de universidades públicas “lá de baixo”, como se refere Daisy a Niterói e ao Rio de Janeiro. A conversa com o casal parece que não tem limites, tudo pode ser falado. Abaixo, um breve resumo.

A VOZ DA SERRA – O que fez vocês virem para esta casa especificamente?

Daisy – Mudar para o interior era um projeto antigo nosso, sempre falávamos em um dia nos mudar para o interior, para criar nossos filhos em uma cidade que fosse mais humana. E aí esta casa aqui ficou vazia. Durante alguns anos eu nem conseguia entrar nela porque ela estava muito abandonada. Mas ela mexia muito comigo. Eu conheci esta casa muito linda, habitada e conservada. Essa minha tia-avó que morava aqui, Josefina Pardal Miranda, era uma pessoa que amava este lugar. E aí resolvemos vir para cá, mesmo tendo a loja lá embaixo. Foi uma coisa meio maluca, mas viemos e foi muito bom ter vindo, por tudo...

AVS – A casa tem uma história própria e há uma história de vocês com a casa, não é?

Daisy – Fomos ficando em Nova Friburgo, gostando muito de estar aqui e gostando de morar nesta casa. Esta relação com a casa é uma coisa minha mesmo. Acho que todo mundo em minha família, nós cinco, aprendemos a ter um respeito, uma relação carinhosa com a casa. Eu tenho certeza de que, se nós não estivéssemos aqui, esta casa não estaria em pé

Raimundo – Nós nos identificamos com o tempo de uma casa dessas. Imaginamos a vida que se tinha. Temos uma grande identificação com isto. No meio da cidade e com uma área verde em torno.

Daisy – Ganhamos de presente duas fotos desta casa em 1900, que me emocionam muito.

AVS – E a cidade?

Raimundo – A cidade também oferecia coisas melhores. Havia aqui um festival internacional de bonecos, por exemplo. Havia muitas coisas legais. Além disso, a facilidade, pois moramos no Centro e, assim, rapidamente chegamos aos lugares a que precisamos ir. Nós recebíamos uma programação do Centro de Arte, que eu achava maravilhosa. Lá havia um cineclube em que todos os dias era exibido um filme diferente. Recebíamos em casa a programação e podíamos sugerir determinados filmes...

Daisy – ...isso era fantástico. Era o Castro que trabalhava com isso, o mesmo que nos deu as fotos antigas da casa... Com essa história de Raimundo ser ligado à pintura, nós procuramos esse tipo de atividade, até mesmo para oferecer aos meninos. Foi aí que conhecemos o Mário Moreira, o Mário Massena e o Mário Valdanini, que eram os três Mários que davam aulas.

AVS – Vocês vieram morar em Nova Friburgo no momento em que a cidade começava a passar por diversas mudanças. Esta cidade é caracterizada por muita gente como conservadora. No entanto, há aqui uma grande inquietação em busca de mudanças. O que vocês viram se alterar desde que estão aqui?

Raimundo – Havia quem nos perguntasse se tínhamos dificuldades em nos relacionar com as pessoas de Nova Friburgo e sempre dizíamos que não. Pois nunca tivemos qualquer dificuldade de relacionamento aqui.

Daisy – Até achávamos engraçado escutar sempre a mesma coisa, muitas vezes...

Raimundo – ...aí, quando nos disseram que a cidade era difícil, nesse aspecto...

Daisy – ...nessa entrada

Raimundo – ...aí, começamos a perguntar às pessoas com que nos relacionávamos de onde elas eram. E, então, constatei que ninguém era originariamente de Friburgo, todos eram de fora. Então, essa cabeça arejada que encontrávamos era de gente que vinha de fora.

AVS – Mas, então, a cidade atrai esse tipo de gente?

Daisy – Atrai, certamente que atrai. Abrimos uma loja de produtos naturais e, a partir daí, começamos a encontrar diversas pessoas de fora que nos perguntavam como era vir morar em Friburgo. Era a época em que começavam a aparecer as balas perdidas no Rio e em Niterói. O problema estava em conseguir trabalho aqui...

Raimundo – ...em como se manter aqui.

AVS – E as pessoas daqui?

Daisy – Nós temos relacionamento com pessoas daqui que nós achamos maravilhosas, gente de que nós gostamos muito mesmo, amigos do peito. Eu adoro Friburgo. Uma questão era a da segurança. Em Niterói, nosso filhos não podiam sair sozinhos, tinham que estar sempre acompanhados...

Raimundo – ...e aqui eles mesmos manifestaram a vontade de andar sozinhos...

Daisy – ...eles iam para a escola sozinhos e nós não nos preocupávamos, o que não era possível lá embaixo, mesmo com o mais velho, que já tinha dez anos. Ele não tinha segurança e nem nós. E isso mudou muito.

Raimundo – Agora, sem dúvida a cidade mudou...

Daisy – ...quando viemos para cá era fácil achar estacionamento...

Raimundo – ...a cidade era mais fria, agora é mais quente; o verão daqui já está diferente.

AVS – Ainda dentro dessa questão da relação entre conservadorismo e inovação, vocês conheceram gente da época do filme Geração Bendita, de 1971? O que isso foi para vocês aqui em Nova Friburgo?

Daisy – Acho que é aquela questão da inquietação das pessoas daqui, dos anos 70, que foram anos efervescentes no mundo inteiro e aqui não foi diferente. Aquelas pessoas estavam ávidas por notícias de fora, por informações que a gente de fora pudesse trazer para quem morava aqui. Houve época de haver 14 grupos de teatro na cidade. Imagine o que era isso! E o que era ter aquela escola da Fundação Getúlio Vargas, que trazia gente de todos os lugares para estudar lá! Tudo isso era muito importante.

Raimundo – Você não ia falar do padre?

Daisy – Ah! O padre era uma graça, o padre do filme Geração Bendita foi nosso professor de italiano, o Alveri Vianello. Era uma figura maravilhosa. Era italiano, de Veneza...

Raimundo – ...caçula de uma família de nove irmãos, foi criado basicamente pela irmã mais velha...

Daisy – ...que também criou um filho do Alveri.

Raimundo – Ele sofreu alguma punição da Igreja porque ele casou com uma pessoa que frequentava a igreja...

Daisy – ...que morreu, e esse filho menor foi criado pela tia na Itália. Depois ele se casou novamente e depois se separou. Ele viveu todos as situações possíveis em relação ao casamento: foi casado, viúvo, casado outra vez, desquitado...

Raimundo – ...quando nós o conhecemos, ele estava namorando e a namorada frequentava a mesma sala de aula que nós. Eu fui a um casamento feito por ele e o ouvi dizer que “um casamento pode ser celebrado em uma cama” ...isto dentro de uma igreja!

Daisy – Ele era uma figura... Friburgo perdeu muito depois que o Alveri foi embora. Era professor de matemática. Eu sempre encontrava com ele no banco e ele brincava com todos os caixas, que também brincavam com ele. Sempre levava um menino que era muito parecido com ele e eu me perguntava se não seria seu filho. Mas ele era padre. Até que um amigo comum me explicou que, quando descobriram que ele tinha um filho, ele foi afastado, mas sempre ficou na Igreja como fiel. Ele passava muita fé, ele nunca perdeu isso. E permitiram que ele continuasse a celebrar batismos, casamentos. Não havia nessa cidade quem não gostasse dele.

Raimundo – Nós fomos ao enterro do Alveri... ele se relacionava com qualquer pessoa. Era um enorme aglomerado de gente. Havia gente maltratada e a madame com o último modelo da vitrine, estava todo mundo lá, era uma coisa impressionante. Eu fiquei observando as pessoas que foram ao velório... era todo tipo de gente! O cortejo do enterro dele fechou a Avenida Alberto Braune.

Daisy – Isso eu também gosto nesta cidade, você tem possibilidade de encontrar pessoas assim. Outra coisa é o seguinte: se você está com pressa, não passe pela Avenida Alberto Braune, porque você vai encontrar com muita gente...

Raimundo – ...eu ando pela rua de trás, quando estou com pressa, se não, não chego no destino. Isso é legal.

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