Da Interzone com Olivetti - 4 de julho

Por Diego Vieira
sexta-feira, 03 de julho de 2009
por Jornal A Voz da Serra

Ao vivo das ruas imundas das antigas terras negras, em que proliferam lacraias brasileiras – uma guerra se desenvolve, silenciosa, castigando um povo que já nem se lembra de dias de paz, que já não reconhece o amor, que se perde em dias que não passam. Sob o sol inclemente do deserto já não há espaço, nada floresce, tudo se pesa, da merda ao ouro tudo se pesa.

O homem mais velho da casa de Amir morreu. Amir não sabe se ele era seu pai, avô ou irmão – era apenas o velho. Em suas caixas, abertas uma semana após a passagem (comemorada com tímido festejo próximo ao mar, em que incendiaram seu corpo e deixaram frutas vermelhas para que ainda houvesse sangue quando o barqueiro se aproximasse), suas caixas guardavam fotos, cartas, uma máquina de escrever e algum ouro, que logo foi derretido, de acordo com os costumes, e distribuído igualmente entre os moradores, para que jogassem no quintal de bananas – assim evita-se que nasçam bananas gêmeas e que os casais apaixonados as comam e seus filhos brotem amaldiçoados dos ventres cada vez mais murchos e secos daquele deserto.

O homem mais velho da casa de Amir morreu. Sua vida estava naquelas cartas que ninguém sabia ler, assim como nas fotos que mostravam o velho em lugares para os quais ele nem ninguém se lembrava de ter ido. Que viagens eram aquelas?

* * *

O tempo corre diferente na Interzone, as drogas são outras e a realidade se assunta com algo mais que a inspiração divina. É como se o diabo em pessoa batesse o pé, levantando poeira, criando caminhos. Desvianças, descaminhos, olhos ensanguentados, espetados nos cantos, caídos em jardins secos, esperando um fim que não chega – porque a morte, quando se aproxima, apenas bate nas portas da Interzone, jamais salta para dentro, com a família inteira na sala, assustando a todos como numa festa de aniversário infantil, levando os filhos para outro lado, para fora da vida. A morte em Interzone é medrosa, familiar, tímida.

Quanto esforço é promovido em prol dos ruídos de um caixão que desce até a cova numa cerimônia funerária sem testemunhas! A morte aguarda para fechar a casa, observa uma solitária viúva costurando, lágrimas nos olhos, desfazendo-se das vestes negras que por todos esses anos lhe pesaram, abraçando, enfim, nua, os amantes que sempre esperara – Zorba, o grego, o homem sem nome no apartamento do terceiro andar, o jovem cheio de espinhas no ponto de ônibus.

A assuntagem mentirosa de sempre – morre o homem mais velho da casa de Amir.

Sem desespero os familiares se desfazem do corpo, arremessam as cinzas ao mar e o ouro às bananas. E voltam a seus afazeres.

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