Cultura Viva: o próximo passo

Nova Friburgo caminha para se unir a outras cidades pioneiras na regulamentação da Lei Federal
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
por Ivan Correia
Moças integrantes do grupo de jongo do Ponto de Cultura de Olaria (Divulgação)
Moças integrantes do grupo de jongo do Ponto de Cultura de Olaria (Divulgação)

A criação dos chamados Pontos de Cultura é considerada por muitos como uma das maiores mudanças de paradigma implementada pelo governo petista desde sua chegada ao poder em 2003. Opinião encontrada até mesmo entre adversários políticos. Na prática, trata-se de uma coletividade cultural estruturada em rede, a partir de pontos geográficos, com certificação do Ministério da Cultura (Minc). Atualmente são aproximadamente três mil pontos, a meta do governo federal para 2020 é que se chegue até 15 mil Pontos de Cultura. O grande diferencial, pelo menos o pretendido, vem da própria descrição oficial do que seriam: “Uma base social capilarizada e com poder de penetração nas comunidades e territórios, em especial nos segmentos sociais mais vulneráveis”.

O Minc entende ser esse o caso da cultura popular (como a folia de reis, a gongada e o jongo), das tradições indígenas e quilombolas, além da produção cultural das minorias. Todas manifestações que, através do financiamento público, poderiam encontrar um caminho para sua sobrevivência e desenvolvimento.

A intenção é nobre, pelo menos na teoria. Contudo, o próprio governo federal reconheceu que, enquanto programa de governo, aquilo que chamou de Cultura Viva é um projeto que precisava de ajustes importantes. O primeiro deles foi convertê-lo em política de Estado, através da criação da Lei nº 13.018/2014. Sancionada em julho daquele ano, instituiu a chamada Política Nacional de Cultura Viva, que já no seu primeiro artigo a estabelece “com o objetivo de ampliar o acesso da população brasileira às condições de exercício dos direitos culturais”.

Seus principais instrumentos continuam sendo a rede de pontos de cultura e sua operacionalização explicitamente esclarecida pelo parágrafo sexto do artigo quarto da referida lei: “Para recebimento de recursos públicos, os pontos e pontões de cultura serão selecionados por edital público”. Como costuma ser o caso quando o assunto é disputa de recursos públicos, começa aí o imbróglio.

Lei Municipal Cultura Viva

Em sessão ordinária da Câmara dos Vereadores na última terça-feira, 23, o projeto de lei municipal nº 1.139/2015 que institui o Cultura Viva em nível municipal teve seu veto derrubado. O veto foi dado pelo Executivo após um trâmite que começou em abril do ano passado, quando o projeto foi incluído no expediente pela primeira vez.

A Procuradoria Geral do Município, responsável pelo embasamento jurídico do veto, argumenta primeiramente que o projeto “padece de vício de inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da separação dos Poderes constituídos”. Uma vez que o mesmo “dispõe, de forma indireta, acerca organização, administração e funcionamento de órgão do Poder Executivo Municipal, criando, inclusive, um programa a ser executado por uma unidade administrativa específica”, o expediente da Indicação Legislativa seria o instrumento adequado para o caso. Nesse caso, um vereador provoca o Executivo a se manifestar e enviar um projeto de lei para ser, então, analisado pelo Legislativo.

O autor do projeto, vereador Cláudio Damião (PT), disse inúmeras vezes em plenário que sofre perseguição do prefeito Rogério Cabral, que o mesmo não avalia o mérito de um projeto e os benefícios para a população. Foi veemente ao se referir aquilo que chamou de “inconstitucionalidade forçada”, arguida para prejudicá-lo. A prefeitura nega e insiste que as razões para o veto foram técnicas, argumento também defendido pelo presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação Final da Câmara, vereador Nami Nassif, o único a votar pela manutenção do veto.

Argumenta o Executivo, ainda, vício de inconstitucionalidade formal, uma vez que a iniciativa de projetos como esse é de competência exclusiva do Chefe do Executivo, além do projeto acarretar aumento de despesa pública, como “necessidade de alocação de material humano específico com o escopo de viabilizar a implantação do programa e de realizar a fiscalização, bem como de transferência de recursos da Secretaria Municipal de Cultura para os beneficiários deste Projeto de Lei”.

Defesa do Projeto

Um dos membros da CCJRF, vereador Gabriel Mafort (PT), que votou pela derrubada do veto, argumentou em seu parecer que “as questões tipicamente administrativas e as atribuições a órgãos da Administração já estão previstas na Lei Federal nº 13.018/14 que institui a Política Nacional de Cultura Viva. Ora, por Lei Federal já são atribuições inerentes ao Poder Executivo Municipal que tem o dever legal de cumprir as determinações impostas”.

Diz, ainda, que “o projeto de lei não gera aumento de despesa e muito menos interfere na autoadministração do Poder Executivo. Primeiro porque já há dotação orçamentária de aproximadamente R$180.000,00 no Fundo Municipal de Cultura”.

Segundo a Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal, “há previsão específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovada por unanimidade para o ano de 2016 (alínea ‘u’ do Artigo 2º, XV – CULTURA, XIV.2 – Secretaria Municipal de Cultura): u) Destinar recursos para cumprimento dos objetivos e ações do ‘Cultura Viva’ - sistema de incentivo e desenvolvimento das ações de cultura, educação e cidadania no Município”.

Independente das ramificações do debate jurídico em torno do tema, a única alternativa que resta ao Executivo seria recorrer à Justiça para tentar reverter a derrubada do veto. Isso ou a oposição conseguir se articular com o governo e, finalmente, se unir a cidades como Campinas (SP) - pioneira na implantação do Cultura Viva Municipal - para que a mencionada “fruição dos direitos culturais” possa, efetivamente, sair do papel.

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