Cronopices - 27 de junho

Por Diego Vieira
sexta-feira, 26 de junho de 2009
por Jornal A Voz da Serra

A atividade criativa como único meio de contato com a realidade. É isto ou nada, só assim se joga por essas paragens. Um processo contínuo de embucetamento para além das margens do comum e dos sistemas de sucesso da garota de sorrisos brilhantes que surgem por aí durante as tramas das novelas das sete.

Por exemplo, se escrevo que um garoto passa correndo pela rua, é de se supor que eu, ao menos em minha cabeça, posso ver esse jovem maltrapilho, tênis surrados, camisa larga do irmão mais velho balançando no corpo enquanto ele corre e balança no ar, sem motivo – ainda que uma ou outra senhora o enxergue por aqueles poucos segundos e, na brecha que se abre em sua realidade, ela acabe por ficar ofendida. “Estas crianças não têm o menor respeito”, ela diz, disfarçando uma necessidade incontrolável de cuspir.

Mas isto não acontece, apenas corre por minha cabeça este lampejo, este menino correndo, que nasce com a mesma intensidade que pensar nos segredos que se escondem atrás de olhos verdes – quaisquer desses olhos que tanto me assaltam nos últimos tempos. Olhos que às vezes nem estão lá, só nos olham, incompletos, nos assaltam para além do comum, exigindo da realidade alguma coisa fantástica, como se um defunto fosse saltar da cova e, com um sorriso, abastecesse o carro funerário no meio da estrada.

A criatividade passa por esses caminhos tortos, percorre os trechos vagos das confabulações e delírios e destinos e amores e dores. E até chega a chutar umas canelas, porque a violência faz parte do processo. A violência é o mais divertido caminho. Os moralistas e pacifistas que me perdoem, mas é com sangue que escrevemos. Tinta é só pra não assustar os leitores desavisados, de fim de semana, que se perdem por aqui, esperando algo iluminado, quando temos tantas buscas e soluções quanto um livro de autoajuda que perde sua função tão logo as páginas sejam viradas.

E uma nova imagem brota, a mocinha dançando, dançando sozinha, um xaxado de um só, colhendo os enigmas de um jardim de gauches, porque se nasce pra ser gauche, mas já se nasce cronópio, já se nasce dançando catala, já se sabe que não se pode, que é proibido, que não devemos exagerar nas vírgulas, que a magia deve ser alcançada de alguma forma. E a minha catimba é essa, essas linhas, esses pontos, esse desaguar sem sentido que te encontra, te abre os olhos, te acaricia, te beija e te leva pela mão até um quarto escuro, de paredes cobertas por fotografias, tudo muito aceso, brilhando na memória, como só assim, como só assado, que se pode fazer?, é minha alma que fala.

Eu só digito.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS:
Publicidade