CRÔNICAS - Tecla mestra da internet

segunda-feira, 03 de junho de 2013
por Jornal A Voz da Serra
CRÔNICAS - Tecla mestra da internet
CRÔNICAS - Tecla mestra da internet

Lurdes Gonçalves

Sou remanescente de uma geração que acreditava no poder da palavra escrita ou oral para melhorar as relações do homem com seus semelhantes. E com a vida em seu todo. Pela imprensa. Através de livros. Expressa em sons, cores e traços. A Arte em todas suas mais nobres expressões. Esse sonho vinha de anos, séculos. Mesmo milênios. O autor atingia e contagiava os que também se preocupavam com o desamor e as rivalidades separando irmãos, construindo muralhas de divergências religiosas, sociais e preconceituosas. Transformando o planeta num campo de batalha sangrento e cheio de ódios. Os mais talentosos conseguiam arregimentar e atrair seguidores abrindo novas frentes em defesa de seus ideais. Mas não conseguiam atingir multidões.
Nos meados do século XX, o cérebro privilegiado de um cientista, pesquisador dos mistérios e da tecnologia cibernética nos presenteou com a televisão. Mas os estudos não pararam por aí. Às vésperas do século XXI, nos surpreendemos com a chegada do computador. Que de início causou espanto e suspeita. A curiosidade e a vaidade de acompanhar o progresso das novas gerações levaram intelectuais e artistas a experimentar o que chamavam com algum desprezo de “aquela geringonça”.
E o mundo e a história da humanidade mudaram. As distâncias e o tempo, obstáculos que emperravam a urgência e a comunicação com o universo desejado passaram a ser parcialmente dominados ao simples toque de teclas mágicas. Internautas de todos os pontos do planeta Terra comunicando-se como se estivessem no quarto vizinho de nossa casa. Idiomas se entrecruzando através de siglas, linguajar novo e universal promovendo entendimento. Hoje, chego a acreditar que, em futuro não muito distante, terráqueos estarão se comunicando com indivíduos de outros planetas espalhados pelo cosmo. Trocando conhecimentos importantes e se encantando com tais estranhas amizades.
Em meu canhestro manejo do computador, o que mais lamento é que a aproximação física-virtual não tenha chegado ainda ao aconchego de um bem querer mais profundo com nossos irmãos de espécie. Como incurável otimista, espero que, antes do término das primeiras décadas deste maravilhoso milênio de descobertas e conquistas, isso aconteça. E a Tecla Mestra de Paz e Amor Universal seja adotada e acionada sem quaisquer discriminações. Tecla que imagino conhecida e utilizada já pelas mais novas gerações, que manejam com segurança seus dedinhos ágeis de profissionais experientes, como se treinados por anjos antes de chegarem ao nosso planeta. Se não transmitem o que sabem aos mais velhos, devem ser constrangidos pela pretensa sabedoria dos adultos.
Há um certo temor de que a internet prejudique e acabe com a leitura tradicional, as exposições de arte e concertos de boa música. Mas quem não sabe o prazer de manusear um livro, sentir o cheiro das letras impressas, reler e saborear uma frase que nos impressionou? O deliciar nossos ouvidos com trechos de uma sinfonia ou de uma página especial de música popular? Não acredito e espero que tal não aconteça. A Arte em suas mais sublimes formas é eterna. Precisamos dela para nos sentirmos um Ser Pensante completo. Mente, coração e criatividade dominando a matéria. Pois é no contato com a Arte que conseguimos vislumbrar o infinito e o eterno dentro de nós. Estimulando as pesquisas científicas e tecnologias que nos levam ao verdadeiro progresso.
É inegável que a violência, o ódio e a maldade também estão presentes na internet. E sentimos medo. Da paisagem humana divulgada em sua brutalidade e inaceitável retorno à condição de besta-fera do início de sua história. Mas também nos ensina a não considerarmos todos os seres humanos como inimigos perigosos em potencial. Mas criaturas que sofrem e choram. Alternam pranto e riso para quebrar a monotonia do apenas existir. Amam e sentem medo. Alimentam sonhos de paz e esperanças. Divididos em seus impulsos. Igualzinhos a nós, seus irmãos. Que sofremos e choramos. Cultivamos sonhos. Amamos e desejamos ser amados. Sempre à espera de uma paz que nos torne mais felizes. Tememos e fugimos do mal, nem sempre nos lembramos de fazer o bem. Pacatamente ignorados em nosso cantinho anônimo deste belo planeta azul.


Lurdes Gonçalves é romancista, contista, jornalista e publicitária. Vencedora do Prêmio Jabuti – Revelação de Autor/ 1977, com o livro “Calunga”. 

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS:
Publicidade