Cadernos especiais dos jornais de sábado são elegantemente necessários. Fazem bem à alma, adoçam sábados chuvosos e instigam os ensolarados. Lembro-me do caderno H produzido pela colunista Hildegard Angel, no extinto Jornal do Brasil, que falava de tudo um pouco: moda, gastronomia, comportamento e com uma elegância discreta que fazia com que me preocupasse até com a dobra do jornal lido, como se estivesse sendo patrulhado. Até porque, não há nada mais chato do que procurar o jornal e encontrar os cadernos desarrumados e espalhados pela casa.
Mas voltando aos especiais, sempre gostei das matérias elaboradas com antecedência, variedades, então, nem se fala! Sair da rotina das notícias e mergulhar no mundo dos supérfluos, não tem preço. É como tirar férias. Alongar o corpo, respirar corretamente, banho gelado no final de uma tarde de verão. Frescor mental, alívio, pausa para a mente.
E acabo de ser convidado para colaborar com o Light com uma crônica. Tenho várias escritas e guardadas, mas é preciso responder a esse convite com originalidade, afinal, é uma "deferência especial”. Não à toa o caderno dos sábados dessa nossa A Voz da Serra tem esse nome simpático e timidamente elegante.
Percebo utilizar pela terceira vez o adjetivo "elegante” e isso me inspira para falar sobre registros. Não os registros habituais feitos em cartórios ou documentais que sejam. Mas registros da alma. Coisas que ficam marcadas, que viram referências, que mudam o nosso comportamento de tão importantes que são.
Eu me lembrei da Granny. E muitos se lembrarão também. Dona Elza de Macedo Soares, a vovó Elza — chamada carinhosamente por Granny, avó do Tony, da Silvia, do Dado e da Mariana, a mãe do Tio Carlos e sogra da Tia Judy, que fazia veraneio na Chácara do Paraíso e morava no Flamengo.
Nunca conheci ninguém mais elegante. E tive a oportunidade do convívio aos fins de semana, quando íamos para a Chácara do Paraíso, na fazenda — um grupo enorme de amigos ainda adolescentes — e dividíamos, à mesa do almoço, as atenções de Granny e personalidades como a cantora lírica Bidu Sayão.
Era o máximo. O ritual dos talheres, a louça inglesa, os copos de cristal dispostos segundo as normas de etiqueta, os guardanapos de linho, a música de fundo suave e a conversa sobre arte que era tão distante do nosso mundo e ao mesmo tempo tão sedutora e interessante por conta da descoberta que fazíamos de um novo mundo.
Certa vez fui levar o convite de estreia da peça "Chico de Assis - 76”, montada pelo grupo Taca, do qual era diretor. Fui com Silvia e Tony, incentivado por Tia Judy. Não poderia deixar de fora a grande dama que me incentivava a mergulhar mais e mais no mundo das artes e fazia crer que esse mundo era logo ali. Pertinho. E quando entreguei o convite, dizendo da importância de sua presença naquela noite recebi não só o sorriso e o abraço da Granny, mas uma frase docemente elegante que jamais esquecerei: "Obrigada pela deferência especial do convite!”.
Naquele dia aprendi que agradecer nos faz mais humanos. Quando agradecemos nos aproximamos ainda mais do outro. Agradecer é reconhecer a importância do outro. É colocar-se em seu lugar. É falar com o coração. Eu era um menino e Granny uma dama habitual das colunas sociais cariocas, uma mulher forte, decidida, altiva e acostumada com récitas, óperas e musicais nos maiores teatros do mundo. Mas naquele agradecimento ela me fez grandioso.
Portanto, mesmo que a crônica tenha fugido dos padrões que esperavam meus nobres colegas do Light, editores e redatores desse remédio para a alma que é o nosso caderno dos sábados, tenham registrado o meu agradecimento pelo convite que tanto me honrou. Obrigado mesmo pela deferência especial do convite. Um bom sábado para todos nós!
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