Cristiane supera a depressão provocada pela perda do filho através do esporte

quinta-feira, 27 de março de 2014
por ​Vinicius Gastin
Cristiane supera a depressão provocada pela perda do filho através do esporte
Cristiane supera a depressão provocada pela perda do filho através do esporte

Uma rotina repetida durante os sete dias da semana. Cristiane Azevedo acorda cedo, veste o uniforme, calça os tênis e encara entre 25 e 30 quilômetros de corrida. Nada fácil, mas nada comparado à batalha enfrentada pela friburguense de 38 anos. Por trás do esforço diário, uma trajetória de dedicação, drama e dor. Há três anos, a atleta perdeu um filho, vítima do AVC provocado pela fragilidade de um câncer que parecia curado. Um duro golpe para quem abandonou tudo para lutar pela vida. A cada passo no esporte, um salto para superar a fatalidade e reescrever a própria história.

Um sonho interrompido

O interesse de Cristiane pelo esporte surgiu relativamente tarde. De fato, a obesidade foi um empecilho, e motivou os primeiros passos da corredora em 2004, ao lado do irmão Reginaldo. Em apenas um ano, os 98 kg foram transformados em 68. O desempenho a levou à participação em competições do nível da Meia-Maratona Internacional do Rio de Janeiro. A atleta prosseguiu com os treinos em ritmo intenso e comemorava os tempos cada vez mais baixos. O profissionalismo deixava de ser um objetivo para virar realidade e Cristiane resolveu deixar Petrópolis, onde morava, para voltar a Nova Friburgo e treinar com Reginaldo. Determinada, procurou o renomado médico Joaquim da Matta em abril de 2008 e recebeu todas as orientações nutricionais para competir em alto nível. Não deu tempo de colocar os planos em prática, tampouco seguir a receita médica. O sonho foi interrompido por um pesadelo: a descoberta de um câncer no filho Luiz Claudio. "Eu estava competindo e começando a ganhar dinheiro com o esporte. Voltei para Nova Friburgo e estava me preparando, quando descobrimos a doença.”

O jovem de 12 anos acabara de passar em um teste nas categorias de base do Friburguense, mas começou a sentir-se mal com frequência. Os resultados dos exames apontaram uma leucemia, e o trajeto de casa até o estádio Eduardo Guinle foi substituído pela viagem ao Hospital Federal da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. "Esqueci tudo, e de 2009 a 2012, a minha vida foi o hospital. Fiz algumas corridas nesse período, mas não foram frequentes. Nem poderiam ser. Nós tínhamos acompanhamento psicológico por lá, mas algumas mães emagreciam e outras engordavam. Eu ganhei peso rapidamente, porque eu comia muito de tanto nervoso.”

Cristiane passava três meses no Rio de Janeiro sem retornar a Nova Friburgo. A Casa de Apoio à Criança com Câncer, em Santa Teresa, tornou-se a residência da atleta. O local, mantido por doações e pelo trabalho de voluntários, é completamente adaptado para acolher gratuitamente crianças e pais de várias partes do país durante o tratamento da doença. "Eu, inclusive, recebia as passagens de ida e volta para vir a Nova Friburgo. Se tem um lado positivo nessa história é saber que existem pessoas com quem você pode contar, que realmente te ajudam e te acolhem. A doutora Sandra Nobre é uma dessas pessoas. Eu também pretendo fazer esse tipo de trabalho futuramente. Meu sonho é ganhar maratona, sim, mas quero ajudar outras pessoas como eu fui ajudada. Nova Friburgo já merece algo do tipo, pois o nosso povo é muito solidário.”

Um ano depois, Luiz Claudio recebeu alta. Em Nova Friburgo, voltou a ter uma vida normal e retornava uma vez por mês para realizar exames de rotina. Em 2011, porém, sofreu uma recaída e teve que realizar o transplante de medula. O desafio de encontrar alguém com sangue compatível, cuja possibilidade é uma em um milhão, foi vencido. Depois de 90 dias de confinamento no hospital, a cirurgia foi um sucesso. "Quando uma criança chega com câncer, o hospital coloca o nome na espera para descobrir algum doador compatível. No caso do Luiz, apareceu um rapaz gaúcho, de 38 anos, que eu nem conheci. A porcentagem de compatibilidade foi de 99,9%.”

Procedimento feito, um novo personagem surge na história. O médico Jorge da Matta, ex-dirigente do Flamengo, praticamente adotou o jovem friburguense. Os cuidados para evitar a depressão de Luiz Claudio incluíram a realização de um sonho. "Ele se apresentou e conversou com o meu filho. Disse que sabia que ele era flamenguista. Perguntou se ele queria viver e afirmou que se tivesse essa força, lhe daria uma camisa do Flamengo.”

Pelo menos por alguns momentos, o drama virou um conto de fadas. Da Matta presenteou o garoto com uma camisa autografada por Ronaldinho Gaúcho. O caso de Luiz Claudio rompeu fronteiras e chegou ao conhecimento do radialista José Carlos Araújo. Curado do câncer, o jovem foi entrevistado ao vivo pelo locutor — à época na Rádio Globo — e tratado como exemplo para as demais crianças que sofriam com a doença. "Ele ficou muito feliz, mas não foi só. Luiz Cláudio assistiu a um Flamengo e Vasco na área vip do Engenhão, a convite do Ronaldinho. Tudo proporcionado pelo doutor Jorge, que foi um pai espiritual pro meu filho.”

Apesar da evolução no tratamento, o câncer deixa consequência. Uma delas é a fragilidade, que provocou um acidente vascular cerebral (AVC) em Luiz Claudio. Depois de superar tantas adversidades, o garoto não resistiu. O dia 14 de julho de 2012 marcou o fim de uma longa batalha, com triste desfecho. 

O recomeço através do esporte

A motivação para o recomeço estava no outro filho, Luiz Henrique. Praticante de jiu-jitsu na Academia Junior Santos, manifestou o desejo de participar de competições e envolveu Cristiane no processo. Este foi o caminho para vencer a depressão e deixar de lado a ideia de suicídio. "O Junior foi um pai para o Luiz Henrique nesse período que estive no Rio. Foi muito importante. Contei com o apoio do meu filho, do meu irmão e da minha amiga americana Kim. Eu olhava aquelas carretas nas ruas e tinha vontade de me atirar em cima delas. Um dia, no meu aniversário, eles chegaram de surpresa e aquilo me despertou.”

Mesmo com o coração partido, Cristiane voltou a correr no dia seguinte à festa. Junto ao suor, escorriam a dor e os ressentimentos provocados pela perda do ente querido. Os 12 quilômetros diários fizeram-na evoluir rapidamente. Ela, que após a morte do filho havia chegado aos 90 kg em apenas seis meses, um ano depois do retorno ao esporte perdeu 22 kg. Em 2013, participou de cinco corridas e ficou entre as cinco primeiras colocadas em todas elas, com direito à terceira colocação em São João da Barra e a boa participação em Macuco entre 300 mulheres.

Ainda é difícil afirmar que a ferida no coração de Cristiane cicatrizou, algo que dificilmente acontecerá. A atleta utiliza o esporte como aliado para o recomeço. Ao lado do irmão, passou a organizar eventos como a Corrida e Caminhada pela Paz, realizada no mês passado em Nova Friburgo. Os planos não param por aí. Campeã no atletismo e na vida, pretende perder oito quilos nos próximos meses, para competir em alto nível e compartilhar a própria história em palestras motivacionais. "O meu fundo do poço teve molas e eu voltei. A gente cai, reconhece a queda e levanta de novo. O esporte é fundamental pra isso. A gente participa de eventos, conhece pessoas e divide as histórias. Quantas pessoas passam por dificuldades como essa?” 

Surge o Meninos de Ouro...

Ainda no hospital, Luiz Cláudio sonhava em voltar a jogar futebol. Em um caderno, escalava os times de futebol com os amigos de Nova Friburgo. A equipe, entretanto, não tinha nome. Certo dia, correndo pela antiga linha férrea de Conselheiro Paulino, Cristiane ouviu gritos de incentivo de um pedestre: "Vai, menina de ouro!”. A frase inspirou o nome do Meninos de Ouro, time do Stucky comandado pelo marido, Cláudio, com quem está casada há 25 anos. 

"Faltava um nome para o time do Luiz Claudio. Menina de ouro me lembra o filme da boxeadora que morreu lutando, fazendo o que gostava. Assim foi criada a equipe. O meu filho se foi, mas a força de vontade e o desejo de viver permanecem.”

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