Robério José Canto
"Deixai vir a mim as criancinhas”, disse Jesus e, portanto, tudo está dito. É o próprio Senhor que nos mostra as crianças como síntese do que pode haver de melhor no ser humano, tanto que "delas é o Reino dos Céus”. Delas e de quem, em qualquer idade, com elas se pareça em seu coração.
A nós, adultos, cabe a difícil tarefa de ensinar aos pequeninos "o caminho em que deve andar” para que não se desviem dele "ainda quando velho”.
No entanto... ensinar o quê? Como ensinar? Uma resposta possível (talvez a mais comum) é dizer que ensinar é colocar limites. Mas o que entendemos por limite? Que tipo de limite desejamos que nossas crianças e jovens respeitem? Porque limitar também deve ter o seu limite.
Sobre este assunto, acho muito valiosas as opiniões do psicólogo Yves de la Taille, para quem a palavra limite possui, basicamente, três significados.
Primeiro, ele nos chama a atenção para a necessidade de compreendermos limite como "uma fronteira a ser transposta”. Continuamente a vida coloca diante de nós desafios que precisamos enfrentar, barreiras que precisamos ultrapassar. Cada pessoa traz, dentro de si mesma, certas características que, se não forem enfrentadas, tornam-se impedimento à sua própria felicidade e à felicidade alheia.
Se esse desafio é muitas vezes assustador para os adultos, imaginemos o que significa para as crianças, que começam a se descobrir e descobrir o mundo, ou para os adolescentes, que estão enfrentando uma revolução física e psicológica, atravessando aquele momento da vida em que as regalias da infância já se foram, e as vantagens de ser adulto ainda não chegaram. Frequentemente dizemos aos nossos filhos: "Você ainda não tem idade para isso!”, mas logo, em outra circunstância, sentenciamos: "Você já está grande demais para isso!”
Todos os teóricos concordam em que educar implica estabelecer limites para as crianças e os jovens. Mas significa também provocá-los a irem sempre além, desafiá-los a serem cada vez melhores. Melhores não em relação a qualquer outra pessoa, mas em relação a si mesmos, porque a verdadeira luta de cada ser humano não é superar seus semelhantes, mas sim superar-se.
A palavra limite tem ainda outra acepção, na qual raramente pensamos. Trata-se daquela "fronteira da intimidade”, daquele espaço interior que todo indivíduo tem o direito natural de guardar somente para si. Também a criança e o jovem, ou talvez principalmente a criança e o jovem, precisam preservar seu mundo interior contra a intromissão de estranhos. Certas áreas do nosso coração só as revelamos se quisermos, quando quisermos e a quem quisermos. Invasão de privacidade é desrespeito, mesmo que sutil e bem intencionada. Saber cultivar seus próprios mistérios é exercício de autodefesa e de construção da individualidade. Por isso já se disse que "o único segredo do esquizofrênico é não ter segredo nenhum”.
Não temos o direito de invadir o mundo interior de ninguém. Coração humano é terra que ninguém pisou, diziam os antigos. Nem deve pisar, sem consentimento. Bem errados estamos quando, um dia, de repente, queremos ser eleitos confidentes de filhos, alunos ou amigos. Se quisermos chegar ao mundo longínquo do coração alheio, temos que conquistar esse direito a cada instante, dia após dia, com nossos atos e palavras, com a coerência de nossa fala e a consistência de nossas ações. Um momento de amizade sincera vale mais do que mil lições de moral. Como bem disse George Gudsdorf, "Toda pedagogia é sempre secretamente uma forma de amizade. E talvez qualquer amizade autêntica seja também uma forma de pedagogia”.
Finalmente, chegamos à palavra limite no sentido com que ela mais habitualmente é usada: linha além da qual não podemos ir, sem violar os direitos alheios, as regras da vida em sociedade. Gerações mais velhas lutaram contra o autoritarismo e o arbítrio e colheram inegáveis resultados. No entanto, o medo de serem autoritárias levou-as não raro a abrir mão do direito de serem autoridades. Assim, tantas vezes vemos aqueles pais que, na definição de Celso Vasconcelos, "perderam a bússola de serem pais”. Corremos o risco de nos tornarmos, como bem disse José Guilherme Merquior, "a geração que trocou a veneração dos antepassados pela adoração dos descendentes”.
Temos dificuldade para impor limites às crianças e aos jovens e, fato ainda mais grave, não damos mostras de termos nós mesmos consciência do valor e da necessidade dos limites. Bem pouco nos respeitamos uns aos outros, e queremos que crianças e adolescentes sejam respeitadores; quebramos nossos compromissos e queremos que os jovens honrem os seus; transgredimos as leis com a naturalidade de quem respira, e queremos que as novas gerações sejam campeãs de ética e cidadania. Mentimos e nos omitimos, mas queremos que os outros sejam exemplos de veracidade e lealdade.
A existência do homem como ser social é impossível sem normas, leis, regras. Basta que duas pessoas estejam juntas para que se torne necessário definir os espaços de cada uma. É direito e dever dos adultos ensinarem os mais novos a terem limites. Mas de pouco valerá dar a eles lições e conselhos se não formos capazes de compreender, estimular e exercitar, nós mesmos, cotidianamente, o que la Taille chama de "os três sentidos da palavra limites”: obstáculos a serem transpostos, mundos interiores a serem preservados, direitos alheios a serem respeitados.
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