Tenho aprendido a duras penas deixar de ser saudosista, entendendo a inutilidade desse sentimento. A memória é seletiva, e a gente se engana quando pensa em uma época de nossas vidas onde tudo eram flores, porque certamente não era. Cultivar uma saudade melancolia de momentos passados é uma grande perda de tempo e tão-somente um romantismo, uma ficção ou uma moldura lúdica criada na memória.
A minha infância foi muito boa, brinquei muito, parece que fui criança uns 30 anos de tanto que aproveitei. Tenho o privilégio de guardar grandes amigos dessa época, juntos lembramos tanta coisa gostosa que vivemos, rimos dos cabelos e roupas que usamos, dos namoros, bebedeiras, experiências e tudo mais que um passado que se preze tem. É tanta coisa boa que nossos encontros frequentes não dão conta das boas recordações. São momentos impagáveis.
Mas é claro que isso é uma opção nossa, lembrar somente das coisas boas que vivemos. Até porque, não somos sádicos desequilibrados que se reúnem para falar dos sofrimentos vividos. E também tivemos que ser tolerantes uns com os outros e perdoar mais de uma vez para ter essa amizade até hoje. Olhando nossos encontros e ouvindo nossas histórias, parece que sempre vivemos um conto de fadas, até nós acreditamos nisso.
Mas, por melhor que seja uma infância, ser criança tem lá suas angústias. Quando você acha que se perdeu dos pais na rua ou que eles não vêm buscar você na escola é um desespero que não tem tamanho. Mas só lembramos dos sorrisos, de estar pulando corda ou brincando de esconde-esconde, ninguém se reúne para falar da taquicardia de morrer que era mostrar uma nota vermelha em casa.
Pior para mim são as lembranças das pessoas, melhor seria para algumas fica só na memória. Pois se o passado cor-de-rosa é uma farsa que só faz sofrer, a desilusão com personagens do passado é bem real e te arranca uma boa lembrança em uma questão de segundos. Isso aí não tem salvação mesmo, alguém que você adorava mostrou que o tempo não lhe fez bem, e se vocês se conhecessem hoje não rolaria a menor afinidade. Verdade nua e crua, fato.
Eu já tinha passado por isso uma vez, mas achei que tinha sido um lamentável episódio isolado. Afinal, na maioria das vezes o tempo e a experiência lapidam as pessoas, e as torna melhores. É o que se espera, né? Pelo menos eu acho que essa é a finalidade de vida.
Mas então uma pessoa que eu achava superbacana e tinha em mais alta conta, se comportou como a mais perfeita idiota, agindo como age gente que não merece nenhuma consideração. Fiquei triste, com raiva e muito decepcionado; magoa muito quando alguém muda sem nenhuma razão, é muita falta de respeito fazer isso.
Passado isso, superei, excluí, deletei a pessoa em questão, e segui em frente na vida, com a maior fé no ser humano, contente, afinal era só uma pessoa nesse imenso grupo de gente bacana que eu conheço, graças a Deus. Tudo seguia perfeitamente bem e eu realmente senti pena da fulana em questão. O mundo girando, a vida seguindo e ela preferindo regredir, mudar para pior. Que escolha mais incompreensível.
Mas depois de superado essa primeira decepção, eis que aconteceu de novo. Reencontro um amigo do passado, desses mais queridos, que só de lembrar a gente sorri. Fiquei superfeliz ao vê-lo, afinal ele era tão engraçado e alto-astral. Mas, rapidamente a felicidade se transformou em perplexidade, que deu vez à decepção. Aquela pessoa não era mais a mesma que habitava as minhas lembranças.
Do meu lado sentou-se alguém que só queria exibir sua prosperidade, suas conquistas, falar mal do passado e das coisas que vivemos, só queria mostrar que enriqueceu e que tudo que passou era menos importante do que seu saldo bancário atual. Aquilo não me fez rir e nem levantou meu astral. A pessoa bacana tinha dado lugar a um alguém fútil e materialista, que necessitava de autoafirmação o tempo inteiro.
Ainda bem que aquele grupo com o qual me reúno continua intacto. Esse saudosismo ainda vale a pena ser vivido até o momento. Amanhã não sei. Acho que por isso eu tenho a certeza de que não se deve nunca tatuar o nome de alguém, sabe Deus o que vem pela frente. Mas uma decisão eu tomei, não coloco mais a mão no fogo pelo passado nem confio nas minhas lembranças.
Meu avô já morreu, há muitos anos, e agora a família fala dele como um homem perfeito. Mas é claro que isso é saudosismo, memória seletiva. A memória é que certamente é imperfeita. Essas decepções serviram para eu entender que o passado de ninguém serve de referência. Essas pessoas maravilhosas levaram um control+shift+del sem dó nem piedade. Tchau, nem no meu passado eu as quero mais.
Mas também tem gente que melhorou com o tempo, e isso serve de consolo. Melhor assim, porque o que está valendo é o agora, e se alguém foi legal no passado, já passou, se fosse tão legal estaria ainda melhor com o tempo, talvez fosse só um adorno da memória em relação às pessoas, acho que a gente idealiza o passado tanto quanto o futuro. Não vale a pena sofrer por ele, o passado, nem sentir saudade, afinal a gente nem sabe se ele é real ou uma ficção da memória, e quando nos reaparece surpreende e às vezes decepciona. Uma relativa certeza pertence somente ao presente mesmo, o resto é a versão da memória ou do historiador.
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