Condições do trabalho são a queixa mais frequente ao MPT

Em entrevista exclusiva, o procurador do Trabalho Jefferson Rodrigues fala da atuação do MPT em Friburgo e faz críticas à reforma trabalhista
segunda-feira, 30 de abril de 2018
por Alerrandre Barros (alerrandre@avozdaserra.com.br)
O procurador do Trabalho Jefferson Rodrigues (Foto: Henrique Pinheiro)
O procurador do Trabalho Jefferson Rodrigues (Foto: Henrique Pinheiro)

Quase seis meses depois da aprovação da reforma trabalhista, a taxa de desemprego no país voltou a subir no primeiro trimestre deste ano: 13,7 milhões de pessoas ainda estão sem trabalho, segundo levantamento divulgado na última semana pelo IBGE. Nova Friburgo, porém, fechou o mesmo período com saldo positivo.

Com a economia brasileira vivendo altos e baixos, em uma constante oscilação dos seus indicadores (queda da taxa de juros, inflação abaixo da meta e aumento da arrecadação), economistas e juristas dizem que ainda é cedo para avaliar a real dimensão da nova e polêmica lei trabalhista.

A VOZ DA SERRA ouviu o procurador do Trabalho Jefferson Rodrigues, sobre o tema. Aos 43 anos, 25 deles dedicados à área trabalhista, Rodrigues vive em Nova Friburgo há pouco mais de um ano, cidade que afirma ter adotado para viver e trabalhar. Carioca formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em Direito e Processo do Trabalho, ele fala da atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) na cidade e reforça o coro dos que afirmam que reforma trabalhista vai acirrar as desigualdades no país.

Qual a queixa mais recorrente de empregados ao MPT em Nova Friburgo?

O meio ambiente do trabalho. A falta de estrutura para executar suas funções, da cadeira inadequada a falta de equipamentos mínimos de segurança, por exemplo. Atuamos muito na metalurgia, mas nossa principal preocupação é com a indústria do vestuário, sobretudo com as falsas facções de roupas. A administração pública também é um diferencial no município, que tem um histórico de contratação de cooperativa, organização social (OS). Cerca de metade dos servidores é contratada via CLT, enquanto a outra metade é por regime jurídico próprio. Isso cria discrepâncias. Recebemos também denúncia de trabalho escravo, mas nem sempre é caracterizado. Trabalho infantil, a mesma coisa.

Como o MPT atua?

A partir do recebimento de denúncia, representação ou por iniciativa própria, o procurador avalia se instaura inquérito civil para apurar o caso. Ouve testemunhas, requisita documentos, solicita fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e conclui, no inquérito, se houve ou não irregularidade. Constatada a ilegalidade, propõe um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), em que o empregador se compromete a corrigir a irregularidade e a não mais reincidir sob pena de multa. Se o acordo for firmado, o inquérito chega ao fim. Se o empregador recusar o acordo, o MPT move uma ação civil pública na Justiça do Trabalho contra a empresa. Em casos graves, como trabalho escravo, por exemplo, pedimos indenização por dano moral coletivo, que geralmente é um valor bem alto. Temos proposto, nestes casos, aos empregadores uma compensação social. Em vez do depósito do dinheiro em algum fundo, uma doação para instituições da comunidade que atendem pessoas em situação de vulnerabilidade.

As irregularidades são cometidas por desconhecimento da legislação trabalhista?

Esse desconhecimento não é um argumento válido. Quando o empregador entra no jogo, ele precisa conhecer as regras. Há empresas que têm hábito lesar o trabalhador porque corrigir o erro é mais caro. Por exemplo, se um empregador tem que gastar R$ 500 mil para os trabalhadores executarem suas funções com segurança, ele gasta R$ 5 mil, e trabalha com o risco de ser denunciado. Quando ajuizamos ação é uma forma de equilíbrio do sistema capitalista. Se eu permito que uma empresa trabalhe economizando em segurança do trabalho, o produto vai ter um custo muito mais baixo do que aquele empregador que cumpre a legislação trabalhista. Há um custo para cumprir a legislação trabalhista. As normas trabalhistas não existem só para defender o trabalhador, mas para manter um mínimo de dignidade social na competição entre as empresas.

A legislação trabalhista é muito “dura” com o empregador?
 

A lei trabalhista estabelece o mínimo para o empregado trabalhar com dignidade. Curioso que ninguém reclama do Código de Defesa do Consumidor, que é altamente protecionista, porque todo mundo se sente consumidor. Somos um país subdesenvolvido extremamente desigual. Há uma relação de desequilíbrio no mundo do trabalho. É histórica essa briga capital-trabalho, que fundamentou divisão do mundo em capitalismo e socialismo, com reflexos até hoje. A legislação trabalhista é uma legislação capitalista. No Brasil, o que ocorre, minimamente, é o cumprimento de normas que estão na Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Tivemos avanços na relação empregado-empregador?

Não houve avanço porque temos um déficit de democracia muito grande. Saímos da Ditadura Militar, mas continuamos nos comportando com aquela falsa democracia. A reforma trabalhista aprovada recentemente é um exemplo. O projeto de lei foi enviado à Câmara em dezembro de 2016, durante dois meses foram realizadas audiências públicas e reuniões. Ocorre que o debate girava em torno de um projeto que alterava sete artigos da CLT e oito da Lei 6019, de 1973, a lei das terceirizações. No entanto, o relatório apresentado em 12 de abril de 2017 modificava 97 artigos da CLT. Entre a divulgação do relatório e sua aprovação, com pequenas modificações pontuais, segundo levantamento realizado pelo Nexo Jornal, existiram, de fato, meras 26 horas de debate parlamentar. Ninguém que preza pelo sistema democrático tende a comemorar, muito menos o trabalhador. Veja que o Senado, à época, embora tenha identificado diversos pontos que mereciam correção, abriu mão de sua função revisora em troca de um acordo com o Governo para editar uma medida provisória. E o que aconteceu? A Câmara sequer se deu o trabalho de analisá-la, tendo perdido vigência há pouco, no dia 23 de abril. Sem a menor dúvida, a reforma vai acirrar as contradições sociais, da desigualdade no país. Buscou-se precarizar a relação de trabalho, dificultar o combate à fraude à relação de emprego, diminuir a proteção ao trabalhador, inclusive quanto à sua saúde, a exemplo do trabalho da gestante e lactante em local insalubre.  

Mas isso não causa insegurança jurídica?

Exatamente. Muitos advogados de empresas têm preocupações legítimas de como lidar com alguns pontos. E isso é ao contrário do que se alardeou. O empresário quer segurança para tocar seus negócios, mas é o ambiente que não se permite com essa alteração legislativa. A lei mal foi aprovada e já existem mais de 20 ações questionando a sua constitucionalidade.

Mas a reforma trabalhista não seria necessária para criar mais empregos?

Esse foi tão só o discurso utilizado a justificar a sua aprovação. O empresário contrata trabalhador porque existe demanda, porque tem confiança na economia. Ao contrário, diante de um cenário de demanda em declínio, de restrição de financiamento, de queda de renda dos trabalhadores e, consequentemente, dos consumidores ele diminui a produção, daí as demissões. O Brasil, em dezembro de 2014, chegou à sensação de pleno emprego, com uma taxa de desocupação de apenas 4,8%, um recorde positivo de invejar países do primeiro mundo. E quem estava vigente? A mesma CLT antes da reforma, tanto criticada pelos que pretendiam a sua desfiguração.

Qual a consequência disso na organização sindical?

Enorme. É preciso que se compreenda que não há igualdade na relação de trabalho senão por intermédio da organização coletiva expressa pelo sindicato. No entanto, poucos são os trabalhadores que têm consciência coletiva e buscam se fortalecer coletivamente. Ah, mas o meu sindicato não faz nada... Ora, então, deve-se montar uma chapa e vencer a próxima eleição ou, no mínimo, expor suas ideias nas assembleias. Há uma confusão entre ser cidadão e ser cliente. O trabalhador não deve esperar para que o sindicato lhe preste um bom serviço, ele deve agir para que isso ocorra. E aí chegamos ao paradoxo de se pretender benefícios com a atuação sindical sem ao menos contribuir para a manutenção do sistema associativo que desejamos que nos atenda. Paradoxo, aliás, que se agrava com a reforma trabalhista.

No Dia do Trabalhador, temos o que comemorar?

A historiografia oficial no Brasil, por muito tempo, negou ao povo, aos trabalhadores, o protagonismo quanto às suas próprias conquistas. Abandonou-se a escravidão por conta da Princesa Isabel, sem fazer-se qualquer alusão ao movimento negro. Pedro I, Duque de Caxias, Bonifácio, Getúlio Vargas e por aí vai. A CLT, por exemplo, foi apresentada como um presente de Vargas ao trabalhador, excluindo os movimentos sociais como impulsionadores de seus próprios destinos. Aprendemos a cultuar heróis. Isso deságua em acreditarmos em mitos, em inverdades e, por consequência, não enxergarmos a realidade que nos circunda. No Brasil, por conta dos baixos salários, os trabalhadores são estimulados a fazer hora extra que, conceitualmente, deveria ser extraordinária, mas ao contrário, é a regra. Ou seja, o extra é o ordinário, o que de fato acontece no cotidiano. Trabalham, enfim, muitas das vezes, em ambientes que desafiam a morte. Enfrentam as enormes dificuldades diárias dos transportes públicos coletivos urbanos, para chegarem e voltarem do trabalho. E não raramente escutamos, para justificar as nossas mazelas sociais, que o problema é que o trabalhador brasileiro é preguiçosos. E não tenha dúvida que muito trabalhador também acredita nisso. O 1º de maio no Brasil é sim uma data comemorativa, mas que marca conquistas logradas, com muita dificuldade, também pela própria classe trabalhadora brasileira.

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Queixas ao MPT

O Ministério Público do Trabalho (MPT), em Nova Friburgo, recebe denúncias pelo telefone 0800-022-1331, e-mail prt01.denuncianf@mpt.mp.br, através do site prt1.mpt.mp.br, na aba Denúncias, ou diretamente na sede da Procuradoria do órgão no município, localizada na Rua Ernesto Brasílio, 30, cobertura, no Centro. A queixa pode ser feita de forma anônima.  
 

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