Ana Borges
Carmen Lúcia Göbel Coelho é psicóloga clínica, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde fez mestrado e atualmente faz doutorado. Bolsista do Capes, Carmen trabalha com psicoterapia de base psicanalítica e é psicóloga escolar. É pós-graduada em psicopedagogia pela Faculdade de Filosofia Santa Doroteia e nos últimos anos tem se dedicado ao estudo de processos cognitivos que envolvem a compreensão, para desenvolvimento de técnicas e estratégias que facilitem a aprendizagem. Carmen está atenta ao uso das novas ferramentas que a tecnologia tem colocado à disposição dos jovens. Confira.
Light – Como você vê a utilização dos gadgets nas salas de aula?
Carmen Lúcia – Não tem por que evitar. Temos é que aprender a conviver com essas novas ferramentas, nos preparar, porque elas são extremamente importantes. Seu uso ainda é recente e ainda não as conhecemos suficientemente, não sabemos de seus malefícios, a extensão de seus danos e riscos. Mas, acredito que tudo isso depende de como e quanto nos utilizamos delas.
Quer dizer, entre prós e contras, a tecnologia que reinventou a comunicação é importante, aliás, como sempre foi, em todos os setores da sociedade, ao longo do tempo...
Não há dúvida quanto a isso e vou além nesta avaliação: ela é necessária. Hoje, eu não leio mais em papel, só na telinha. Dificilmente escrevo com caneta, tenho dificuldades para copiar: agora eu corto e colo. É uma ferramenta que nos permite avançar com rapidez e segurança de dados, conhecer mais em menos tempo. Não tem como ignorar, ir contra.
Estes são os pontos a favor. E os contra?
Acho que há uma supervalorização da tecnologia em detrimento de coisas que também são importantes, como a interação social. Concordo que interagimos via internet, pelas redes sociais, mas é muito diferente do contato pessoal. Porque a gente precisa do toque, do olho no olho, do abraço, de um aperto de mão.
Falamos da internet e redes sociais a partir do acesso ao computador que estão nas salas de aula. E o celular, smartphone, iPhone, iPad, tablets, e suas múltiplas funções?
Bem, o celular não é mais apenas um aparelho para se falar como um telefone móvel. É câmara fotográfica, de filmagem, gravadora, é um computador de mão – ou de bolso –, como se dizia em relação aos livros, antigamente. O celular, hoje, acessa o mundo. Com pequenas diferenças, os outros aparelhos são igualmente poderosos. O problema é quando eles invadem as salas de aula.
Pois é, quando essa parafernália vai para as salas de aula, os alunos conseguem manter a concentração?
Para processar as informações, digamos, mais pesadas, passadas pelo professor, é preciso uma concentração mais profunda. No que toca uma mensagem do WhatsApp, certamente o aluno vai se desligar da aula e se voltar totalmente para o aparelho. Quando ele "voltar” pra aula, vai precisar se concentrar de novo, buscar o que perdeu, e exigir mais do intelecto. Todo esse processo demanda um esforço mental, quase imperceptível, mas que, com o passar do tempo, vai acumulando e vai cansar o cérebro mais do que seria necessário.
Então, se isso acontece sistematicamente, como vai ficar mais adiante?
A pessoa vai se acostumando a pulverizar sua atenção cada vez mais e, consequentemente, se concentrar cada vez menos. Daí, ela tem que buscar um equilíbrio entre essas duas questões.
E como se chega a esse equilíbrio?
Ninguém parou de estudar, de aprender. O que se observa é que as pessoas não têm mais paciência para ler. Leem 3 ou 4 frases, um parágrafo, dois no máximo, e para. Para elas, tudo tem que ser muito rápido, instantâneo, "pra ontem”. Existe uma falsa impressão de que o ser humano tem uma velocidade que, na verdade, não tem.
Como assim?
Para um jovem se desenvolver, se tornar adulto... Vamos explicitar claramente: para um bebê botar os pés no chão e começar a andar, leva um ano. Para falar, leva dois anos. Para aprender a escrever, quatro, mais ou menos. Para ter uma formação profissional, então, quantos anos? Para se tornar um adulto, que assume responsabilidades, hoje há muitos casos de indefinição. Vai se adiando, adiando... Por isso eu digo que pensamos viver como se fôssemos maratonistas, mas, atenção, não somos.
Como fica o cérebro com essa maratona forçada?
O cérebro tem sua própria velocidade, e bem previsível. No início do desenvolvimento do ser humano, as conexões acontecem mais rapidamente, depois vai diminuindo, naturalmente, mas, recebendo estímulos e informações, exercitando raciocínio e memória, o cérebro não para de se desenvolver, até a morte.
E os pais, como eles vêm a tecnologia na educação?
Eles são a favor, defendem o uso do tablet, mas alertamos que o aluno precisa muito também lidar com coisas concretas. Todos concordam. O aluno precisa exercitar o tato, a audição, a interação, precisa que outros sentidos, que outras sensações sejam experimentadas, para que o desenvolvimento cognitivo seja pleno.
Ou seja, essa diversidade no aprendizado é salutar...
Exatamente. Um teórico da aprendizagem diz sempre que quanto mais variado esse contexto, mais chances temos de aprender, porque daí se pode generalizar e estabelecer um padrão. E assim aprendemos conceitos que ficam definidos na nossa cabeça. Se eu tenho a oportunidade de experimentar um tablet e, ao mesmo tempo, brincar com massinha, fazer desenhos, colorir, recortar papel, colar...
E andar de bicicleta, jogar bola, enfim, essas coisas de "antigamente”...
Pois é, tudo isso e ainda poder conversar com o outro. Desta forma eu me permito ampliar mais e mais os meus cognitivos sociais e emocionais. Sem essas experiências, eu ficaria restrita, cada vez mais, à maquina. Se esse é o nosso destino? Não sei.
Que conexões temos ao nascer?
Poucas. Dependendo do meio em que vivemos é que vamos desenvolvendo as conexões para adaptá-las àquele meio. Se esse meio nos convida a desenvolver habilidades na área tecnológica, vamos desenvolver. Da mesma forma em qualquer outra área, como a do esporte, por exemplo, que fica na outra ponta. Da cultura disso tudo vai depender como vamos desenvolver nosso cérebro.
Para encerrar, como devemos lidar com toda essa tecnologia?
Sem se intimidar, mas com cautela. Por exemplo, se você deixa uma criança jogando videogame, quatro horas seguidas, ela vai cada vez mais interagir com o mundo virtual ao invés do mundo real. Então, é uma questão de bom senso, ser moderado ao lidar com tudo isso. Assim como deve ser com tudo na vida. Não dá pra viver num mundo só imaginário.
Deixe o seu comentário