Como auxiliar a babá a cuidar de seu filho?

Três psicólogas desenvolvem uma proposta inovadora que ajuda/apoia pais e babás a terem uma relação de qualidade com a criança.
sexta-feira, 22 de julho de 2011
por Jornal A Voz da Serra
Como auxiliar a babá a cuidar de seu filho?
Como auxiliar a babá a cuidar de seu filho?

Por Alessandro Lo-Bianco

Quantos de vocês que estão lendo esta entrevista se recordam de alguma babá ou alguém que tenha ajudado nossos pais a cuidarem da gente no momento em que mais precisamos? Você tem consciência de que aquela pessoa que cuidou de você enquanto sua mãe trabalhava, por exemplo, e que você nem se lembra mais, foi determinante para que você seja quem é hoje? Já você, papai ou mamãe, que esta deixando seus filhos sobre a responsabilidade de um cuidador ao longo do dia sabe mesmo o que isso realmente representa na vida do seu filho? E você, babá, que responsabilidade, não é mesmo? Afinal, você sabe realmente como realizar seu trabalho da melhor maneira possível?

Foi pensando nestas questões que as psicólogas Rita Morais, Mariana Simonaci e Mariana Gómez se uniram. As três, que são sócias do grupo Entrelaços da Infância (www.entrelacosdainfancia.com), que desenvolve um trabalho voltado para a valorização dos cuidados na primeira infância, cujo foco principal é a saúde e o desenvolvimento da criança, resolveram criar o projeto “Trocando Ideias com Babas e Cuidadores”, pelo qual elas conversam e orientam estes profissionais quanto à importância desta grandiosa missão. Como funciona? É o que você confere a seguir no Caderno Light!

É crescente nos dias atuais o volume de estudos que apontam maiores potencialidades do bebê, que até o início do século XX eram vistos como objetos sem grandes significados. O que mudou?

Até o século XVIII, a criança não tinha lugar na sociedade e era vista como um estorvo ou com indiferença. Com as profundas transformações culturais, políticas, econômicas e sociais que surgem com a Revolução Francesa, aparecem novos discursos sociais em que a criança passa a ser considerada pelo Estado como o futuro da civilização. Assim, a ciência passa a investir em estudos em torno da criança e do bebê. Hoje, os estudos em inúmeras áreas apontam para as potencialidades do bebê como sendo detentor de um psiquismo que irá se desenvolver mediante um ambiente favorável.

Por que os cuidados no início da vida são tão importantes para o desenvolvimento do bebê?

Segundo Winnicott (psicanalista inglês), ao nascer, a criança é dotada de uma tendência inata ao desenvolvimento e, quando esta tem uma provisão ambiental suficientemente boa, ou seja, favorável ao seu desenvolvimento, ela irá se constituir como sujeito. Desta forma, o bebê irá se constituir a partir de uma dupla sustentação corporal e relacional onde, através dos cuidados com o corpo do bebê (toque, olhar e voz), o cuidador irá despertá-lo psiquicamente, convidando-o a se relacionar. Será então, a partir dessa relação de qualidade com o cuidador, que a criança irá se constituir.

Como deve ser o ambiente ideal e favorável para que o bebê amadureça da forma mais saudável possível?

Um ambiente ideal não existe, o que existe é um ambiente favorável. É um ambiente em que os pais podem respeitar o ritmo e o tempo da criança sem invadi-lo, privilegiando uma relação de qualidade e um movimento livre espontâneo. A forma privilegiada de interação do bebê é corporal, ou seja, ele se comunica e experimenta pelos movimentos. O movimento livre e espontâneo desperta o prazer e, a cada novo movimento e mudança de posição, a criança se apropria mais de seu corpo e sente-se mais segura.

Fale mais sobre respeitarmos o ritmo da criança...

É importante que a conquista desses movimentos seja feita pela própria criança, “de dentro para fora”, respeitando seu ritmo e movimentos leves; isso proporciona a descoberta de novas possibilidades motoras. É nesse processo que a criança vai se diferenciando e se reconhece como sujeito. Indiscutivelmente, filhos, pequenos ou grandes, exigem cuidados, e muitos!

Qual é o principal objetivo do trabalho “Trocando Ideias com Babás e Cuidadores”?

Sendo nosso foco a criança e seu desenvolvimento, temos uma proposta que consiste em apontar a importância de estar com uma criança. O objetivo do “Trocando Ideias com Babás e Cuidadores” é sensibilizar a babá e o cuidador sobre a função que eles exercem e como eles podem favorecer o desenvolvimento da criança, valorizando sua função enquanto profissional da primeira infância.

Ao longo da sua experiência neste trabalho, quais são as principais defasagens e carências que vocês percebem nas babás e cuidadores?

Embora as babás tenham muita experiência prática, existe uma defasagem em relação aos conhecimentos teóricos sobre o desenvolvimento infantil. Por elas não terem consciência da importância de uma relação de qualidade nos momentos marcantes da rotina do bebê – hora do banho, troca de fraldas, hora do sono – nota-se muitas vezes que os gestos passam a ser mecanizados. A forma como esse cuidado é proporcionado determina a qualidade de relação.

Hoje em dia vemos muitos casos de maus-tratos na televisão com crianças por parte de seus cuidadores, o que gera um temor muito forte nos pais em confiar os cuidados de seus filhos a outras pessoas. Como você percebe esta questão?

Realmente esse tema mobiliza muito e choca. Todo cuidado é pouco na hora de contratar uma babá. A mãe que desconfia de sua babá precisa acreditar na sua sensibilidade e, a partir do momento que existe alguma desconfiança, por menor que seja, demitir a babá é a melhor iniciativa.

Você acha que a pouca atenção dada ao trabalho dos cuidadores pode gerar essa má conduta?

O que temos que levar em conta é que cuidar de uma criança pequena é muito desgastante e cansativo. Às vezes, vemos babás que acordam e passam o dia inteiro cuidando da criança, sem ter um momento de repouso e depois passam a noite acordando para acolher o bebê que chora. Isso não justifica de forma algumas essas atrocidades que a mídia tem denunciado, mas chama a atenção para o fato de que nem todo mundo está apto a trabalhar com crianças e que momentos de repouso durante o dia são importantes para que a babá possa recarregar suas energias. Além disso, a confiança entre a babá e a família se constrói ao longo do tempo.

Muitas vezes os pais precisam confiar seus filhos aos cuidadores, seja devido ao trabalho ou outros motivos. O bebê, mesmo no início da vida, chega a criar um laço afetivo considerável com esta pessoa?

Sim. No início da vida, o bebê depende totalmente do adulto e por isso qualquer vínculo estabelecido com ele ganha uma grande importância, devido a sua grande sensibilidade e fragilidade. Acreditamos ser imprescindível um ambiente favorável para que uma criança amadureça e se desenvolva de forma saudável. Esse ambiente se estabelece a partir das relações dessa criança com seus pais e cuidadores. Por isso, acreditamos ser fundamental na entrada de um terceiro na família, que haja um momento de adaptação, tanto na entrada quando na separação com este.

De que maneira vocês mantêm os pais de forma ativa neste trabalho desenvolvido com as babás?

Reforçamos o papel da babá como sendo um prolongamento dos pais durante sua ausência. É preciso que ela se ajuste aos valores e rotina da casa. Isso pode ser um desafio. A contratação de uma babá é muito delicada, já que estamos falando de alguém que dormirá em sua casa e cuidará do seu filho e, principalmente, de que existe uma relação em jogo.

Como os pais podem se prevenir de problemas com as babás, e vice-versa?

Na hora de contratar uma babá é importante delimitar, no início do trabalho, a forma como funciona aquela família, seus hábitos, valores, e deixar claro a importância do diálogo entre pais e babás. Imaginem vocês que são culturas diferentes, portanto, é necessário que as regras sejam claras e colocadas logo no início da entrevista, para que a outra parte possa estar de acordo ou não. É uma contratação de um PROFISSIONAL, na qual direitos e deveres devem ser tratados no momento da admissão.

Qual a melhor maneira para que a babá ou o cuidador entre em relação com o bebê e de que maneira vocês iniciam este processo?

Na maioria das vezes, a babá “leva jeito” pra cuidar de crianças, mas ela não sabe o que esperar do desenvolvimento infantil. O fato dela não ter tido uma formação faz com que as chances de confundir o que diz respeito a sua vida pessoal com a profissional sejam maiores. Quanto maior for a sua formação profissional, maior será o distanciamento subjetivo que ela poderá estabelecer, diminuindo assim a confusão entre sua função de cuidadora com sua história de vida.

Esclareça melhor essa questão da formação profissional para as babás...

Não estou querendo dizer que as babás precisam cumprir uma formação extensa ou algo do gênero, mas elas precisam ser realmente orientadas, afinal, entrar na família da qualquer pessoa não é nada fácil, sem falar da questão dos valores que cada um traz da sua história de vida. Por isso, nossos encontros oferecem um espaço de discussão, por meio de grupos de reflexão e dinâmicas. Privilegiamos a profissionalização dos cuidados por meio de três encontros que entrelaçam aspectos teóricos, práticos e pessoais.

Que respaldo teórico que vocês utilizam para promover esse curso?

O trabalho foi criado embasando-se na psicanálise que valoriza a questão da escuta e dos processos inconscientes que estão em jogo. Esta abordagem fundamenta-se no conceito “Pikler-Lóczy”, que foi criado na Hungria, no pós-guerra, por uma pediatra que reforçou a importância dos cuidados corporais, dos movimentos livres e da formação profissional do cuidador. Outro aspecto que norteia nossa prática é a troca de experiência e dificuldades trazidas pela própria babá e pela família.

Você poderia explicar um pouco as etapas desenvolvidas neste processo?

O nosso foco é a relação! Não ensinamos a trocar fraldas, nem a limpar umbigos, mas mostramos a ela o que representa trocar uma fralda e como existe uma qualidade de relação em jogo. Isso tudo, nos momentos dos cuidados corporais, do banho, da refeição e da hora de brincar. Nesta experiência, a babá precisa experimentar a importância dos temas abordados, como por exemplo, a importância de uma boa COMUNICAÇÃO.

E como seria essa comunicação da babá com o bebê, já que ele não fala?

Porém, ele se comunica. E essa comunicação é extremamente fundamental no seu desenvolvimento. Assim, abordamos três temas: palavras e gestos, a alimentação e o brincar com o objetivo de que a babá precisa ajudar a criança a crescer e ter consciência dessa responsabilidade.

E qual o dever dos pais nesta relação?

Os pais precisam estar no controle, sempre buscando uma boa qualidade com a criança e com essa cuidadora.

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