Com a voz embargada e carregada de emoção, Regina Côrtes Teixeira, uma das cinco membros da família Côrtes, à frente do centenário Colégio Modelo (as outras são dois sobrinhos e suas irmãs Judith e Elisabeth), recebeu A VOZ DA SERRA para falar sobre o momento mais triste da história da instituição: o encerramento das atividades no fim deste ano. Com um respeitado trajeto na educação friburguense, o Modelo tem 315 alunos dos 3 aos 18 anos, e este ano celebrou com imenso orgulho seu centenário e vai encerrar nas próximas semanas o ano letivo engrossando a triste estatística das instituições que não suportam a crise financeira.
Segundo Regina, por um ideal de sua família, o Modelo sempre foi acessível às diversas classes sociais. Democrático em seus preços, a instituição não acompanhou os reajustes das mensalidades das demais escolas. “Nos orgulhamos de ter mensalidades acessíveis”, sustentou. Mesmo assim, muitos pais de alunos não conseguiram quitar as mensalidades em dia. O principal motivo para o fechamento, segundo Regina, é o alto índice de inadimplentes. Ela conta que a situação financeira do Modelo é caótica desde o ano passado.
“A inadimplência foi determinante. Cerca de 40% dos alunos estão em débito. A situação está assim desde setembro de 2018. Não conseguimos chegar a um denominador comum. A lei é muito permissiva e acaba beneficiando o mal pagador. A família que hoje deve à escola, pode matricular o aluno em outra escola. Se ficar inadimplente lá também, o aluno vai para outra escola. É claro que os alunos não têm culpa”, lamentou Regina.
Os pais de alunos já estão cientes do fechamento através de um comunicado da direção. “Na verdade foi um pedido de suspensão das atividades educacionais por dois anos. O nosso ato autorizativo de funcionamento é definitivo. Para a legislação, não se pode simplesmente encerrar as atividades. Caso não dê para continuar, o prazo é prorrogado por mais três anos e quando completar cinco nós informamos o Estado de que não iremos mais continuar. Eu gostaria muito de daqui há dois anos ter fôlego para retomar as atividades”, desejou Regina.
Escola não está á venda; o prédio sim
Emocionada, Regina enfatiza que a escola não será vendida. “Os atos autorizativos são documentos históricos assinados por Getúlio Vargas e Anísio Teixeira. São personagens da educação brasileira que não têm preço. Antes o prédio da escola, na Rua General Osório, funcionava como um hospital, Eu nascinesta sala. A venda do Modelo é boato. Estamos passando por um processo de luto”, diz Regina com lágrimas nos olhos. “Há comentários que o prédio do Modelo está sendo vendido para empresa de internet, supermercado, hospital... O prédio do colégio não está vendido, mas os proprietários estão em busca de um comprador. Essas mentiras poderiam, inclusive, afastar alguém que estivesse interessado. Importante falar que não estamos vendendo a escola porque a escola não tem preço” garantiu.
A diretora elogia a equipe de professores e funcionários, os principais atingidos por conta da inadimplência e garante que irá priorizar os funcionários na quitação de todos os débitos. “Os professores estão cumprindo rigorosamente o planejamento, vestindo a camisa do colégio. Vê-los honrando o compromisso nesse final dolorido é de emocionar. A inadimplência dos alunos nos levou à dívidas trabalhistas. Se nós não suspendêssemos as atividades agora, não teríamos condições de quitá-las. Talvez com uma possível venda do prédio, consigamos pagar a todos imediatamente”, disse Regina.
Regina apela ainda que as famílias inadimplentes procurem a instituição para resolver as pendências. Em caso de acordos, haverá descontos significativa. “Se os pais de alunos conseguirem acertar os débitos, a nossa dívida reduziria pela metade”, afirmou.
Os 100 anos do Modelo, segundo Judith Côrtes Teixeira, uma das proprietárias
“Foi de uma história de amor que nasceu o Modelo na vizinha Cordeiro, em 19 de março de 1919 e transferido para Nova Friburgo em 1926, Foram seus fundadores o professor Carlos Domingues Côrtes e a esposa, Zélia dos Santos Côrtes. De origem simples, na região de Macuco, gostavam de contar aos netos, sobre os bons tempos da infância, quanto Carlos foi candeeiro de carro de boi e da família batalhadora e destemida. Adulto já se familiarizava com o colégio em função de ofício no Colégio Brasil e convívio com seus tios e padrinhos, educadores, donos de escola e fundamentais para que pudesse iniciar sua jornada. Zélia, foi educadora de pura vocação, competência, espiritualidade e amor incondicional por seus alunos.
Menina de história, como tantas outras, que não são contadas nos livros, filha de imigrantes portugueses, trazia um coração afetuoso, histórias de segunda classe de um navio, o sangue empreendedor e a certeza de que o Brasil os recebeu para gerar seus filhos e fazer daqui uma grande nação. Natural de Cordeiro, junto as suas irmãs, alfabetizava numa rústica mesa de quintal.
Foi o Colégio Modelo um inovador (e tantas vezes incompreendido por isto), pois abrigou o 1º Tiro de Guerra com formação militar e escolar para jovens, o primeiro grupo de Escoteiros – Tabajaras criou séries preparatórias para o Colégio Pedro II, do Rio; difundiu os esportes para os ambos e sexos; educou pela arte, com dança, moda, música, teatro e cinema (nomes famosos formaram-se em suas salas de aula); fundou e fez funcionar a primeira faculdade (ciências contábeis); ofereceu profissionalização (normalistas e contadores); manteve o ensino regular e a educação infanti; atendeu às necessidades da cidade, oferecendo os estudos adicionais para educação continuada de professores; utilizou práticas pedagógicas a frente de seu tempo, sendo uma escola presencial, regular, mista, autorizada, legalizada, com opção de internato, semi-internato e oferecida em três turnos.
O Modelo também fez história como campeão nos esportes, desfiles cívicos inesquecíveis e contestadores, com banda escolar pioneira e motivo de orgulho de várias gerações. Colaborou na fundação e abrigou uma escola estadual, assim como outras particulares e cursos livres. Sempre cedeu espaços para empreendedores.
O Colégio Modelo é uma escola laica, apolítica e humanista, preocupou-se com inclusão quando nem existia legislação para tal, oferecendo gratuidade para desportistas, bolsas por meritocracia, descontos para alunos de baixa renda. Acolhimento para portadores de necessidades especiais, alunos casados, separados, jovens mães etc. Sempre valeu-se da prática de repúdio a qualquer discriminação, preconceitos ou perseguições. Valorizou formaturas, festas e encontros com prevalência de cultos ecumênicos (tolerância religiosa), júris simulados com temas conflitantes, palestras, mesas redondas, centro cívico literário e de Ciências, movimentos estudantis, campanhas solidárias, editou o jornalzinho escolar (O Porvir), promoveu excursões, “abraços” simbólicos em espaços a serem preservados, bailes e festas
Durante algumas décadas o Modelo expandiu-se para cidades vizinhas, como Bom Jardim, Cantagalo, Cachoeiras de Macacu, Cambuci, Carmo e outras. Mas foi em Nova Friburgo que fincou os seus pés, e consolidou-se. No Brasil, uma instituição de ensino completar 100 anos é uma vitória maravilhosa e até milagrosa. Sem fins lucrativos, sobreviver a enchentes, incêndio criminoso, perseguições e maledicências, guerras, revoluções, regimes diferentes de governo, moedas diferentes, leis educacionais confusas, sem parceiros econômicos, sem isenções e incentivos fiscais, concorrência crescente e nem sempre leal, sem apoio político, de organizações ou entidades religiosas... é muito mais do que motivo de festa e orgulho. É pura celebração pelo bonito e honesto trabalho feito de superação e cuidado com o outro. É gratidão por aqueles que caminharam conosco e pelo educando que tanto nos ensinou.”
Deixe o seu comentário