Um dos santuários mundiais do jazz é o Village Vanguard, em Nova York. Um imenso porão na Sétima Avenida, quase na esquina da Rua 11, em Downtown Manhattan, cheio de pequenas mesas redondas, em torno das quais as pessoas se sentam para bebericar e escutar o estilo musical mais cultuado do planeta. Mitos como Sonny Rollins, John Coltrane, Bill Evans e outras lendas do jazz gravaram ali ao vivo. Há ainda, entre muitos outros clubes especializados, o Blue Note, em Greenwich Village, onde agora em março se apresentam ninguém menos que o Sadao Watanabe Quartet; em abril Terence Blanchard e Roy Haynes; e, em julho, Spyro Gyra.
Em Nova Friburgo, não existe um lugar específico com tantas estrelas tocando. Mas o mesmo clima, de euforia a cada solo executado, de acompanhar a caminhada do baixo, o esfregar da vassourinha na caixa e os diálogos entre piano e sopro, é garantido nas reuniões mensais do Clube do Jazz. Uma confraria de friburguenses apaixonados por esse estilo de música que nesta segunda-feira, 18, completa 20 anos de atividade ininterrupta.
“Acredito que seja o Clube de Jazz em atividade contínua mais antigo do Brasil”, diz um dos integrantes, o médico Renato Henrique Gomes da Silva.
O Clube de Jazz se reúne toda segunda terça-feira de cada mês, atualmente no restaurante Chakai, no Cônego, a partir das 20h. Para participar dos encontros, abertos ao público, basta um pré-requisito: gostar de jazz. A reunião desta terça-feira, 12, celebrará os 20 anos da confraria com vídeos, depoimentos, bole e, claro, muita música.
Um dos fundadores do clube, o tabelião e vice-prefeito Marcelo Braune conta que foi levado ao grupo por intermédio de sua falecida mulher, Tania. Como escritora, ela tinha muito contato com intelectuais, escritores, jornalistas e artistas da época, entre eles Augusto Muros, Julio Cesar Seabra Cavalcante, o Jaburu, Aristélio Andrade e outros apaixonados por jazz. Muros tinha com Claudio Chalub, por exemplo, um programa de jazz na rádio.
Mas a semente mesmo do Clube de Jazz foi lançada, segundo Braune, pelo chef Naem Florêncio, num bar que funcionava com este nome na cobertura do antigo Hotel Sanjaya. Depois dessa experiência, que durou cerca de dois anos, os amantes do jazz na cidade passaram a se reunir para valer, por puro amor à música, no restaurante Kiori, antigo Sushiban, do qual Aristélio era sócio, junto com o pai de Edgar, e na própria Cantina Camping, de Naem e seus irmãos. Depois que Naem foi morar na Espanha, o grupo passou a se reunir também no bar do Hotel Bucsky, já que Peter era outro entusiasta.
Sucessivas perdas, no entanto, impactaram fortemente o grupo. Braune, por exemplo, foi se afastando dos encontros quando começaram a surgir os problemas de saúde de Tania. “O Clube de Jazz, embora fosse eu quem gostasse mais da música, era a cara dela. A partir de sua ausência , passou a ser muito difícil para mim”.
Baterista e percussionista com formação na Universidade de Berkelee, nos EUA, Rocyr Abbud destaca o que faz do jazz um estilo musical fantástico e único: o improviso. “O improviso está sempre presente e com enorme inovação, sempre mudando. É sem dúvida a música mais criativa e inovadora do mundo”, diz ele, que lamenta o distanciamento e a perda de espaço do jazz para outros estilos musicais, mais pobres.
DEPOIMENTO DE UM DOS FUNDADORES
“Do jazz vieste, ao jazz voltarás”
Carlos Tibau (Especial para A VOZ DA SERRA)
“Eu nasci em Niterói em 1943 e, na minha infância e juventude, ouvia junto com meu pai as estações de rádio em ondas curtas. Os programas que ouvíamos eram de músicas americanas daquela época (1954, 1955) como, por exemplo, um programa chamado “The Voice of America”, do disc-jockey Willis Conover. Ali eu comecei a ouvir Glenn Miller, Harry James, Benny Goodman, entre outros.
Comecei também a ouvir programas de jazz no Brasil, tais como “O Assunto é Jazz” do Luiz Carlos Antunes (Rádio Difusora Fluminense), “Pelas Esquinas da Broadway” do Waldir Finote (Rádio Continental), “Encontro com o Jazz” de Paulo Santos (Rádio JB), entre outros. Comecei a ir a todos os shows de músicos brasileiros e músicos internacionais de jazz que vinham ao Brasil. Fiz amizade com o Luiz Carlos Antunes (o Lula) e participava das reuniões que ele fazia na sua casa. Mais tarde ele me convidou para ser co-produtor do programa e ficamos juntos por muitos anos.
Em 1998 eu me aposentei e vim morar em Nova Friburgo, com a minha esposa, Regina, e uma discoteca de 4.500 LPs de jazz. Aqui fiz amizade com outro jazzista, Eduardo Ramos, que tinha um programa de jazz na Comunidade FM e que me convidou para fazer o programa junto com ele. Ficamos juntos durantes alguns anos até o falecimento dele, o que determinou o fim do programa “Clube de Jazz e Bossa”.
Certo dia recebi um telefonema do meu ex-presidente do Proderj e grande amigo pesquisador jazzista Sylvio Lago Junior, me “intimando” a comparecer a uma reunião aqui em Nova Friburgo para a formação de um Clube de Jazz. Esta primeira reunião foi realizada no Restaurante Kiori, no Cônego, cujos proprietários eram Aristélio Andrade e Marli, que se tornariam queridos amigos, meu e da Regina.
Lá, o Sylvio nos apresentou a Marcelo Braune e Tania, Rubens Sombrio e Helena, e Augusto Muros e Clelia. Estava fundado o Clube de Jazz de Nova Friburgo! Era março de 1999. O Muros fez os contatos jazzísticos da cidade e montamos uma agenda de palestras. Foi definido o Hotel Bucsky como o local das reuniões. O clube se tornou um excelente local para curtirmos juntos o jazz e fazermos queridos amigos.
Por diversas vezes tivemos apresentações ao vivo de grupos e músicos locais, principalmente do Rio de Janeiro. Como esquecer das reuniões em outubro na linda casa nas Braunes do baterista e amigo Oswaldo, que, com os diversos músicos com quem ele tinha contato no Rio de Janeiro, nos deliciava até a madrugada? Infelizmente existem poucos registros em fotos e vídeos sobre as reuniões e apresentações ao vivo.
Morando agora em Brasília, fico muito feliz que o Clube continue indo muito bem nas atividades e a grande dedicação do presidente Luiz Matos e do dr. Renato Henrique Gomes da Silva. Por vezes “participo” de uma palestra enviando um vídeo para eles. Fico muito feliz de ainda poder participar das “reuniões”, mesmo daqui de longe.”
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