Clóvis Bornay: um centenário esquecido

Falecido há dez anos, friburguense é um ícone do carnaval e personalidade importante no cenário artístico e cultural do país
sexta-feira, 08 de janeiro de 2016
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Arquivo A VOZ DA SERRA)
(Foto: Arquivo A VOZ DA SERRA)

Dizem por aí que o brasileiro é um povo sem memória. E os friburguenses não fogem disso. Por aqui o ano se inicia em dívida com um de seus filhos mais ilustres: Clóvis Bornay – falecido há dez anos – é considerado um ícone do carnaval e personalidade importante no cenário artístico e cultural do país, reconhecido inclusive internacionalmente. E neste domingo, 10, celebra-se o ano do centenário de seu nascimento, mas a data, a princípio, vai passar despercebida, sem homenagens. Uma pena, pois se não fosse sua atuação, a festa mais popular do mundo não seria o que é hoje, principalmente no Brasil.

Ano passado, antecipando a celebração dos seus 100 anos, a escola de samba carioca Unidos da Tijuca desfilou com o enredo "Um conto marcado no tempo - O olhar suíço de Clóvis Bornay". Entretanto, em sua terra natal, nenhuma agremiação carnavalesca se sensibilizou para reverenciá-lo. Até as autoridades parecem desconhecer o legado deste friburguense. Exemplo disso, é que os tradicionais concursos de fantasias, que tiveram início no Brasil através dele e que foram realizados na cidade por mais de 30 anos, não serão realizados em Nova Friburgo este ano devido a falta de recursos.

Ainda neste sentido, vale lembrar também que Clóvis Bornay morreu sem sequer ter sido agraciado com a Comenda Barão de Nova Friburgo, a maior distinção entregue pelo Poder Legislativo aos friburguenses que se destacam e engrandecem o nome da cidade pelo Brasil e o mundo afora. Ao contrário do que fez a Assembleia Legislativa do Rio que, em 1996, em reconhecimento ao seu trabalho, concedeu a Bornay a mais alta condecoração destinada à personalidades de relevância cultural para o estado – a Medalha Tiradentes. Porém, nem tudo está perdido.

Para não deixar o centenário de Bornay passar em branco, existe a ideia de se realizar em maio deste ano, nos festejos do 198º aniversário de Nova Friburgo, um baile de gala na cidade, com concurso de fantasias, para o qual seriam convidados representantes de todo Brasil, que disputariam o prêmio Clóvis Bornay – homenageando, assim, “o grande aniversariante friburguense do ano”. A sugestão foi feita por Julio Cesar Seabra Cavalcanti, o Jaburu, fundador do Grupo Arte, Movimento e Ação (Gama), no ano passado, mas a proposta ainda precisa ser viabilizada.

O Rei dos desfiles de fantasias

Caçula de 12 filhos de mãe espanhola e pai suíço (que era dono de loja de joias na cidade e chegou a ser barbeiro), Clovis Bornay nasceu em 10 de janeiro de 1916 e faleceu no Rio de Janeiro, em 9 de outubro de 2005. Desde cedo mostrando sua vocação para folião, venceu seu primeiro concurso de fantasia aos 12 anos, na sede do Fluminense Futebol Clube, onde frequentava assiduamente os bailes carnavalescos.

Iniciou sua carreira exatamente quando convenceu o diretor do Theatro Municipal do Rio, Sílvio Piergilli, a instituir os bailes de gala, em 1937, com concursos de fantasias, inspirados nos de Veneza. Foi, inclusive, o vencedor daquele ano, vestindo uma fantasia de sua própria criação, a de Príncipe Hindu. Para a peça, Bornay desmanchou um lustre de cristal e levou a uma modista italiana, que a confeccionou.

A partir de então, foram anos seguidos de prêmios, sempre com fantasias originais e deslumbrantes. Em razão disso, Clóvis Bornay foi declarado, em 1961, “hors-concours’ e ganhou o direito de se apresentar nos concursos sem ser julgado. Passou a desfilar também em escolas de samba, sendo que se notabilizou com a fantasia em homenagem a Estácio de Sá (fundador do Rio de Janeiro), no desfile de 1965, quando a Cidade Maravilhosa completava seu quarto centenário de fundação.

Como carnavalesco, atuou nas escolas do Salgueiro, Portela, Mocidade Independente e Unidos da Tijuca, introduzindo inovações como a figura do destaque (pessoa luxuosamente fantasiada, conduzida do alto de um carro alegórico). Após isso, todas as demais escolas de samba copiaram e tornaram o quesito obrigatório. E ao longo de seus 77 anos de carnaval (69 em desfiles), sempre ele mesmo participava dos desfiles carnavalescos como destaque. Embora sua carreira tenha sido fortemente ligada ao carnaval do Rio de Janeiro, por diversas vezes desfilou em São Paulo como destaque da escola de samba Nenê de Vila Matilde.

Suas criações foram expostas em várias partes do mundo e também no Brasil, muitas delas hoje fazem parte do acervo de vários museus no exterior. Pelo significado de seu trabalho, Clóvis Bornay foi laureado com o título de cidadão honorário de Louisiana, em 1964, e aos 72 anos também recebeu homenagem com a exposição na estação Carioca do Metrô, que reunia fantasias, fotos e documentos de toda a sua carreira.

Outras curiosidades sobre Clóvis Bornay é que ele foi também cantor, gravando algumas marchinhas carnavalescas nos anos 60, 70 e 80, e ator. Como intérprete participou de mais de dez coletâneas, sendo a primeira delas em 1969, com "Dondoca (Boneca deslumbrada)", de Antônio Almeida. Contudo, deixou mesmo seu nome gravado na história da música popular com o sucesso de 1972, "Paz e amor", de João Roberto Kelly e Toninho. Já no cinema, participou dos filmes ‘Terra em Transe’ (1967), de Glauber Rocha, e ‘Independência ou Morte’ (1972).

Museólogo por formação profissional trabalhou durante 42 anos no Museu Histórico Nacional, no qual foi chefe da Divisão Artística e Literária. E por intermédio de sua participação nos desfiles de carnaval, com sua enorme criatividade, Clóvis Bornay dava verdadeiras aulas de história, popularizando temas e personagens históricos aos quais, de outro modo, a maioria da população não teria acesso.

Notabilizou-se ainda como jurado de programas de TV, como os de Chacrinha e Sílvio Santos. Quando faleceu, em outubro de 2005, seu cortejo fúnebre foi ao som da marcha “Ó abre-alas”, de Chiquinha Gonzaga, entoada pela Confraria do Garoto.

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