Antonio Fernando
O diretor Woody Allen tem uma relação complicada, de amor e ódio com os cinéfilos. Tem gente que não perde um filme seu, atuando ou dirigindo. Tem gente que não o suporta, acha-o um chato novaiorquino. Pode ser as duas coisas, mas em uma ele tem a unanimidade: é um dos diretores mais competentes do cinema norte-americano. E Blue Jasmine (2013), um de seus últimos trabalhos, está aí para confirmar.
Rodado em São Francisco e um pouco em Nova Iorque, o filme conta a história de Jasmine (Cate Blanchett), uma ex-ricaça de Manhattan acostumada à vida de luxo oferecida por seu marido Hal (Alec Baldwin), e que agora encontra-se na miséria desde que este foi preso por fraude, o que a obriga a se mudar para a Califórnia a fim de morar com a irmã, Ginger (Sally Hawkins).
Ambas adotadas, as mulheres não poderiam ser mais diferentes física e emocionalmente: enquanto Jasmine tenta superar um colapso nervoso, acostumada que era a ser servida por todos e mal podendo aceitar sua nova realidade, Ginger é uma criatura alegre, simples e com um leve complexo de inferioridade.
Alternando a narrativa entre o presente, que traz a protagonista buscando se adaptar ao cotidiano de trabalhadora, e o passado, que revela as circunstâncias que a levaram até ali, Blue Jasmine é um filme capaz de provocar risadas pontuais, mas que jamais poderia ser confundido com uma comédia, apresentando-se verdadeiramente sufocante em vários momentos.
Longe de aceitar a responsabilidade pelos atos do marido (para os quais se fez de cega), prefere enxergar-se como sua grande vítima. Aliás, uma das principais tragédias de Jasmine é sua incapacidade de enxergar o óbvio: quando casada, negava-se a ver as traições do marido e seus crimes; agora pobre, insiste em ver apenas miséria no cotidiano humilde, mas alegre, da irmã.
Por mais sólidas que sejam as performances dos colegas de elenco de Cate Blanchett, é mesmo a protagonista quem merece os maiores elogios em Blue Jasmine: encarnando a personagem como uma figura egoísta e fútil, Blanchett abraça os defeitos daquela mulher com entrega total, jamais temendo o julgamento do espectador.
A atriz é hábil justamente ao despertar nossa compaixão mesmo ao tomar algumas das atitudes mais reprováveis da narrativa, já que por baixo daquela fachada de esnobismo e arrogância há uma mulher claramente danificada que precisa desesperadamente de socorro — e quando ela chora, aliviada, ao receber a ligação de um pretendente, percebemos o quão vulnerável e carente de aprovação ela realmente é.
Desesperançado e triste até seu final, Blue Jasmine é um filme sem muitas nuances, mas eficaz ao não fazer concessões no retrato de uma criatura cuja beleza e elegância externas ocultam uma mulher irremediavelmente estragada por dentro. Um dos melhores, senão o melhor trabalho do diretor. Cinco estrelas com louvor.
Deixe o seu comentário