Cidades para pessoas

Um projeto para organizar a dinâmica entre pessoas e oportunidades
sexta-feira, 16 de outubro de 2015
por Ana Borges
Cidades para pessoas

Em palestra realizada na Conferência de Inteligência Territorial de Nova Friburgo – Plano Diretor, promovida pela Prefeitura de Nova Friburgo através da Secretaria de Meio Ambiente, na semana passada, no auditório da Câmara de Dirigentes Lojistas, a jornalista, escritora e criadora do projeto Cidades para Pessoas, Natalia Garcia, apresentou o resultado de sua pesquisa sobre planejamento urbano.

Através de mapas desenhados por pessoas mostrando suas variadas formas de deslocamento — de casa para o trabalho, para a escola, entre outros compromissos, via carro, táxi, ônibus, bicicleta, metrô, a pé — Natália demonstrou, neste ir e vir, como cada indivíduo percorre um determinado caminho, e como ao longo deste, dependendo de como vai se locomover, ele poderá, ou não, observar o que o cerca, como é a cidade onde vive.

“Se o indivíduo procura um táxi, até encontrá-lo ele terá a oportunidade de ver uma floricultura, a saída de crianças de uma escola, uma padaria. Quando entra no táxi, a cidade desaparece, ele deixa de percebê-la. Talvez porque tenha simplesmente se abstraído ou porque pegou o celular atraído por seus inúmeros aplicativos. Eventualmente, ele pode até perceber alguma coisa. E só.”

E seguiu fazendo descrições sobre as várias formas de deslocamento: a que vai de carro e verá apenas uma extensa linha reta a ser percorrida, sem perceber quase nada à sua volta (ela não se relaciona com a cidade). Outra que se perdeu pelo caminho, deu voltas e mais voltas até conseguir sair de um labirinto de ruas. Já o mapa da pessoa que vai a pé é o único que mostra a cidade com suas variáveis, e não como uma linha reta. Essa pessoa escolheu o caminho mais aprazível, entrando e saindo de quarteirões, dobrando esquinas, dando-se a chance de apreciar o que tem de interessante e de natureza nesse trajeto. Já o desenho da cidade feito por uma dançarina é um mapa sensorial. Ela sai de casa, vai para o metrô, faz baldeação, se mistura com a multidão, separa, e assim segue seu caminho...

Nascida em São Paulo, onde vive, a jornalista abordou a questão do planejamento, com suas políticas de habitação, mobilidade urbana, uso e ocupação de solo, ações tecnicamente importantes para organizar o território de uma cidade. “Mas, o que não podemos esquecer é que em toda a cidade, todos os dias, as pessoas saem de suas casas para trabalhar, estudar, praticar esportes, fazer compras, ou simplesmente passear. Vamos juntar toda essa demanda e chamar de oportunidade. Isso significa que a cidade é uma equação que tem pelo menos três variáveis: sair de casa, percorrer um caminho, chegar a um lugar (que é a oportunidade). O problema está no fato de que esse processo está dividido em três partes: o pessoal, que cuida de moradia, fala só de moradia; quem cuida do trajeto, idem; e os que cuidam das oportunidades, também.”

Ao conhecer o Plano Diretor Estratégico de Nova Friburgo, Natalia considerou: “O friburguense é privilegiado. À frente desse trabalho estão técnicos que sabem da importância de conjugar esses três fatores, o que é raro no Brasil. Neste aspecto, nosso país é muito mal resolvido. Em 1940, apenas 30% da população vivia nas zonas urbanas — hoje, apenas 75 anos depois, são 85% e ainda estamos engatinhando na questão de planejamento. Devíamos estar muito mais adiantados. Por isso destaco o Plano Diretor de Nova Friburgo, feito por uma equipe que entende a importância de olhar para essa questão como um sistema, que não vai ser dividido”, avaliou.

O que o plano estratégico deve e pretende evitar

Partindo da premissa de que um plano diretor serve para melhorar uma cidade, Natalia enfatiza que o objetivo é aumentar o acesso às oportunidades. “Ele deve organizar pessoas e oportunidades no território de uma cidade, facilitando esse encontro. O problema é que as oportunidades tendem a se concentrar no centro da cidade e as pessoas, na periferia. Então, temos uma multidão se deslocando diariamente, para tudo. Em São Paulo, cerca de três milhões de pessoas (o equivalente à população do Uruguai) saem de suas casas todos os dias para ir ao trabalho, escola, etc. Esse problema não se resolve só criando oito linhas de metrô para essas pessoas chegarem mais rápido, mas reorganizando a dinâmica entre pessoas e oportunidades, aproximando uma parte da outra, de preferência em seus próprios bairros. É pra isso que um plano diretor deve servir, para resolver a distância entre um ponto e outro”.

Segundo ela, somando todos os deslocamentos de pessoas nas cinco maiores regiões metropolitanas do Brasil, 70% das viagens feitas têm como destino a escola ou o trabalho. “Isso significa que a maioria dessas pessoas está acessando muito pouco as oportunidades. Elas se limitam a ir de casa para o trabalho e vice-versa, e o mesmo em relação aos estudantes, passando boa parte do seu dia em deslocamentos. E aí, justamente por não ter qualificação profissional suficiente para pagar o preço de morar mais perto do trabalho, esse indivíduo fica preso a um círculo vicioso de passar horas indo e vindo, acessando uma única oportunidade em detrimento de outras, que lhe poderiam abrir portas e possibilitar crescimento pessoal e profissional. É isso que se pretende evitar com o plano diretor estratégico para Nova Friburgo”, destacou.

Vales cercados por montanhas íngremes

Andando pela cidade, Natalia percebeu que Friburgo fica dentro de um vale cercado de montanhas muito íngremes e observou também que essas montanhas estão sendo ocupadas por moradias. Essa condição geológica — uma cidade geograficamente muito acidentada — a levou a concluir que 70% do território do município, do ponto de vista do assentamento dessas habitações, é vulnerável.

“Temos duas maneiras de olhar para esse dado: como um grande problema ou como algo com potencial único de inovação. Friburgo concentra características únicas para inventar o que deve ser feito para se viver numa região de vales à beira de encostas muito íngremes. Isso inclui tudo: como as ruas e calçadas devem ser pavimentadas? Concreto permeável ou asfalto impermeável? Quais e como as encostas vão ser ocupadas, quais devem ser reservadas para a prática de esportes como escalada, lazer, como as casas devem ser construídas? Eu sugiro que seja vista sob o ângulo da oportunidade, da inovação”.

Em seguida, a jornalista citou a tragédia climática de 2011 como um aviso. Um alerta sobre a necessidade de planejar a ocupação dos espaços para evitar novos desastres naturais, respeitando as condições climáticas e geológicas.

“Se isso não for muito bem elaborado e organizado, é possível que problemas desse tipo voltem a acontecer. Já falamos aqui de como a cidade deve ser dentro de 10 anos, com o crescimento. Como, então, poderão estar margens de rios, encostas, os emaranhados de concretos, cabos e fios de aços? Estas são as perguntas que, orientadas pelo plano diretor, precisam começar a ser respondidas. E não adianta deixar na mão só de quem toma decisões estratégicas sobre a cidade. É preciso que todos façam um acordo dentro do que foi decidido no plano, para um trabalho conjunto”, argumentou.

De acordo com a pesquisa feita por ela, não se resolvem problemas dessa natureza com soluções ideológicas, mas científicas. E como frisou, não se trata de fazer apologia ao carro, bicicleta ou transporte público. Por premissa, um não é melhor do que o outro. Depende do tipo de cidade, população, cultura, potencial do lugar. Mas, dentro das características de cada cidade, a questão é científica. “Vi um conjunto do Minha Casa Minha Vida, afastado de tudo. Esse é o problema do qual já falamos, de pessoas distantes das oportunidades”.

Definir problemas, desenhar soluções

Natalia Garcia lembrou que todo projeto precisa de clareza de propósito, ter visão, estar conectado com a vanguarda das soluções possíveis, ter um diagnóstico preciso. “Quando vemos um projeto como o Minha Casa Minha Vida construído numa periferia distante, estamos resolvendo um problema e criando outro. Mas, como ele já está lá, precisamos criar um entorno que atenda às necessidades básicas daquela comunidade, possibilitando a instalação de serviços como um posto de saúde, mercado, farmácia, escola, e outros, para diminuir o volume de deslocamento”.

Natalia Garcia apresentou vários exemplos de soluções em cidades europeias, americanas e mesmo no Brasil. E defendeu que todo projeto precisa de um processo e que ambos precisam ser pensados juntos. De acordo com ela, é necessário uma margem nesse conjunto para envolver as pessoas, fazer com que elas assumam o compromisso de implantá-lo e fazê-lo dar certo. “É preciso que todos vislumbrem o futuro para tornar sua cidade num lugar melhor para viver. Definido os problemas, podemos desenhar as soluções”, concluiu.

 

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