Dalva Ventura
Quem entra pela primeira vez no Centro de Nefrologia de Nova Friburgo - com aquelas máquinas filtrando continuamente o sangue dos pacientes, fica realmente muito assustado. Esta impressão, porém, logo se dissipa. Apesar dos pacientes serem obrigados a passar 12 horas por semana naquela sala - alguns pela vida toda, outros até conseguirem fazer um transplante renal - ali reina a alegria, a amizade e, mais que isso, a solidariedade. Nem parece que estão fazendo diálise. Enquanto o sangue é filtrado pela máquina, eles assistem à televisão, lêem revistas, jogam, conversam e logo começam a se integrar, a rir das brincadeiras dos outros. “Isso aqui é uma festa”, afirma a psicóloga Vitória Madeira, que divide com a nefrologista Gelsie Sorrentino as responsabilidades com o Centro. Por incrível que pareça, o astral é superdescontraído, a não ser em ocasiões especiais - felizmente, raras - em que um ou outro passa mal. Neste momento, um silêncio toma conta da sala, até que a situação se normalize.
A “mãezona” de todos ali, inclusive dos familiares dos pacientes, é mesmo a doutora Gelsie, formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 1987. Especializada em Nefrologia, ela sentia em sua própria clínica o quanto um serviço de diálise era indispensável em Nova Friburgo. Até então, os pacientes, às vezes em condições físicas bastante precárias, eram obrigados a ir três vezes por semana ao Rio de Janeiro para se submeter ao tratamento. Foi, então, que ela decidiu dotar Nova Friburgo de um Centro de Hemodiálise.
20 máquinas de hemodiálise funcionando das 7h às 21h
Com a competência como marca registrada e um jeito doce de ser, Gelsie sempre foi de uma dedicação extrema, inclusive durante seu tempo livre. Para ela não existe tempo ruim, com prejuízos até para sua vida pessoal. Seu celular fica ligado o tempo todo e, às vezes, ela não relaxa nem aos sábados, domingos e feriados. Nada disso, porém, tira o sorriso de seu rosto e seu permanente bom humor.
No Centro, Gelsie não pára um minuto. Enquanto concedia esta entrevista, uma enfermeira interrompeu para dizer que um paciente havia emagrecido seis quilos de um dia para o outro. Gelsie sai correndo para orientar a enfermagem nesta situação especial. “Imagine o que representa perder seis quilos em quatro horas! É uma sobrecarga, um estresse hemodinâmico e exige cuidados especiais”, explica.
“A gente conhece os filhos, a família, participa dos problemas de cada um. E não é só: eles vão juntos para casa, um dá carona para o outro, trocam presentes, organizam festas, encontram-se, inclusive, fora daqui. Acabam formando um vínculo forte não só com a gente, mas um com o outro também”, continua Vitória, que passa muito tempo na sala acompanhando os doentes.
Ela destaca a participação do resto da equipe, composta pelo cardiologista Cristiano Torres, o cirurgião vascular Egídio Bonin, atual secretário de Saúde, a infectologista Delia Engel Celser, responsável pelo controle de infecções, além de mais uma psicóloga, cinco nefrologistas, uma nutricionista, uma assistente social e a enfermagem - quatro enfermeiros e 13 auxiliares. “Todos, sem exceção, precisam ter um perfil especial para trabalhar aqui, entendendo que, além de cuidar dos doentes, precisamos tornar este lugar o mais agradável possível para eles”, ressalta.
Para tanto, promovem festas de aniversariantes do mês, de Natal, organizam bingos. Também acontecem festas de despedida no refeitório, quando saem para fazer o transplante no Hospital de Bonsucesso e do Fundão, no Rio de Janeiro. Nestes dias a médica admite que libera tudo. “Deixo comer pizza, bolo, finjo que não estou vendo”, conta.
A maioria dos pacientes tem que fazer diálise para sempre, a não ser que faça o transplante, um procedimento que atualmente é bastante seguro e viável. “Alguns têm uma doença de base que impede o procedimento, mas, se não houver nenhuma contra-indicação, pode optar pelo transplante, que é realizado no Rio de Janeiro”, explica Gelsie.
Todos os pacientes que desejam o transplante são inscritos e ficam aguardando um doador. Não há como prever o tempo que vai levar, mas não costuma demorar muito. Antigamente havia uma lista de espera, mas hoje o critério é a compatibilidade de órgãos. Quem tem um doador consegue fazer o transplante em pouco tempo, cerca de seis meses.
Em 2007 o serviço conseguiu encaminhar para transplante quase um paciente por mês, número que a doutora Gelsie considera bastante elevado. Por incrível que pareça, porém, muitos preferem continuar a fazer diálise do que se submeter ao transplante, seja por estarem velhos ou por não ter quem lhes doe um rim.
Há até casos de pessoas que se arrependeram do transplante. Não por causa de algum problema físico, mas porque sentem falta do ambiente, dos médicos e dos amigos que deixaram no Centro. “Tem uma senhora, coitada, que não passa um mês sem telefonar, sem vir aqui trazer um presente para nós. Ela está ótima fisicamente, mas diz que perdeu os amigos daqui, que não sabe o que fazer de seus dias, de tanto que acostumou conosco”, conta Vitória.
Referência em sua especialidade para toda a Região Centro-Norte, o Centro de Nefrologia de Nova Friburgo atendeu, em dez anos de existência, a um número bem próximo de mil: 975 pacientes. São, ao todo, 20 máquinas de hemodiálise funcionando das 7h às 21h. São elas que fazem a filtragem do sangue quando os rins, por alguma razão, param de funcionar. A imensa maioria dos pacientes atendidos - cerca de cem, sem contar os doentes agudos - passa a fazer hemodiálise porque sofre de insuficiência renal crônica.
Os rins podem parar de funcionar por diversas razões. A causa mais comum é a hipertensão arterial, mas diabetes, neoplasias (câncer), Aids, doenças renais propriamente ditas e muitas outras patologias também podem levar estes órgãos a deixar de exercer sua nobre função: a de livrar o sangue das impurezas, substâncias como uréia, creatinina, potássio e outras que ficariam retidas no organismo.
O procedimento precisa ser feito três vezes por semana, durante quatro horas. Neste período, a máquina faz a filtragem e o sangue é devolvido limpo ao organismo do doente. Cerca de 65 a 70% dos pacientes chega ao Centro de Hemoterapia pela emergência do hospital, em sua imensa maioria, pelo SUS. O Centro de Nefrologia fun-ciona dentro do Hospital Municipal Raul Sertã, mas atende a todos os hospitais do município, inclusive em caráter emergencial, pois dispõe de um equipamento portátil para estes casos.
Quase todos sofrem de insuficiência renal crônica e, portanto, terão que fazer o procedimento pelo resto da vida, a não ser que se submetam a um transplante. Há casos, porém, em que a diálise só é necessária durante algum tempo. Por exemplo, quando uma pessoa cujos rins pararam de funcionar depois de uma infecção generalizada. A mesma situação de um paciente politraumatizado, com um sangramento muito intenso. Leptospirose e picadas de cobras, entre outras situações, também podem causar insuficiência renal.
Além da hemodiálise propriamente dita, o Centro também faz diálise peritonial, a partir de um cateter que é introduzido na barriga do paciente. Por ser um sistema contínuo, é também muito mais fisiológico, é mais indicada no caso de pacientes idosos, cardíacos e também crianças.
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