Carlos Emerson Junior
Corria sem novidades o ano de 1977 quando, da noite para o dia, muros e fachadas de prédios acordaram pichados com esse aviso, de uma certa forma sinistro para quem mora à beira-mar. Maremoto, como assim? E o que é um celacanto? Se fosse hoje seria moleza, bastava dar uma googlada, mas na época só consultando a vetusta Enciclopédia Barsa e mesmo assim ainda ficaria a dúvida: celacantos realmente provocam maremotos?
A frase enigmática foi criada pelo hoje jornalista Carlos Alberto Teixeira, o CAT, uma das feras do falecido Caderno de Informática do jornal O Globo, junto com a Cora Rónai e B.Piropo. Ele tinha na época 17 anos e se inspirou em um episódio do seriado japonês “National Kid”, onde um cientista adverte um grupo de garotos para nunca se aventurarem nas profundezas do oceano, já que o celacanto, quando enfurecido, emite grandes ondas de ódio, podendo revolver o mar.
O sucesso da pichação foi tão grande que um hacker (talvez um dos primeiros do Brasil), invadiu o computador do Instituto Militar de Engenharia (IME), alterando a função raiz quadrada para a cada dez vezes, depois de efetuar o cálculo normalmente, imprimir a frase mágica: celacanto provoca maremoto. Imaginem o tamanho da onda na tradicional escola militar!
Aliás, muita gente não achou a menor graça na brincadeira, especialmente os proprietários dos imóveis pichados. Apesar do risco de pegar um processo por vandalismo e crime ambiental, ninguém nunca deixou de escalar fachadas de prédios para deixar sua assinatura nas paredes e, convenhamos, alguns edifícios chegam a dar pena, de tão riscados. O celacanto, sem dúvida, popularizou esse, digamos assim, crime.
Mas o assunto aqui não é pichação, celacantos ou maremotos—que hoje em dia viraram tsunamis—e sim Arte Urbana, com letras maiúsculas, é claro. Novamente o Google ensina que “arte urbana, urbanografia ou street art é a expressão que se refere a manifestações artísticas desenvolvidas no espaço público, distinguindo-se das manifestações de caráter institucional ou empresarial, bem como do mero vandalismo”. Sua expressão mais óbvia é o grafite, pelo baixo custo e facilidade para trabalhar sozinho.
No entanto, o uso dos espaços público e privado é muito complicado. É fácil citar a capital fluminense ou cidades europeias como Londres, Barcelona, Berlim, Buenos Aires e New Orleans, por exemplo, onde a arte nas ruas é uma atração turística. Evidente que não é do dia para a noite que a convivência será harmoniosa mas, sem tentar ou conversar, jamais iremos a lugar algum.
Há alguns anos atrás, acho que em 2009, fui surpreendido com uma instalação muito interessante ao lado da pracinha do Cônego. Alguém, ou algum grupo, simplesmente montou um banheiro ao ar livre, com um vaso sanitário, bidê, caixa de descarga e um suporte para o papel higiênico. Não tenho certeza se a intenção era um protesto, simples irreverência ou uma forma de expressão. Mas aquilo era, sem dúvida, arte urbana. E melhor ainda, audaciosa!
Outra intervenção impressionante, mas desta vez marcada pela dor e a indignação, foram as 2.000 cruzes de madeira fincadas nas areias da praia de Copacabana, em frente ao Copacabana Palace Hotel, simbolizando as vítimas das chuvas da Região Serrana em janeiro de 2011. Organizado por associações de moradores como um protesto, não deixou de cumprir sua função, impressionar e chamar atenção para a nossa tragédia.
Alguns tapumes de obras e os antigos quiosques da Alberto Braune foram premiados com versos do Gílson, poeta urbano que zanzava pelas cidades do estado do Rio, sempre escrevendo com giz. E ninguém apagava! Lembro dos Misantropos, aqui mesmo de Nova Friburgo, com suas tiradas irônicas e oportunas, destacadas em alguma parede isolada. E na capital um profeta genial nos ensinou que “gentileza gera gentileza”! Hoje, suas frases pintadas nos pilares da Avenida Perimetral estão tombadas.
A professora Sonia Jobim ensina que “cultura é o conjunto de atividades e modos de agir, costumes e instruções de um povo. Cultura é um processo em permanente evolução, diverso e rico. É o desenvolvimento de um grupo social, uma nação, uma comunidade; fruto do esforço coletivo pelo aprimoramento de valores espirituais e materiais. É um conjunto de fenômenos (língua, costumes, rituais, culinária, vestuário, religião, etc.) em permanente processo de mudança.”
Podemos pensar em uma cultura friburguense? Sem dúvida e digo mais, pela nossa formação histórica, onde se misturam povos tão distintos que vão dos suíços aos japoneses, muito rica. O que somos hoje, bem ou mal, vem daí. Lembro-me que a Nova Friburgo que conheci comemorava a data nacional de cada uma de suas colônias e era pródiga em festas temáticas, culturais, ambientais e religiosas, que atraiam visitantes de todo o Brasil.
Temos um teatro municipal, grupos e centros de artes, feiras de artesanato, biblioteca, duas bandas centenárias, jogos florais mas... Sabem do que sinto falta? Do artista de rua, o músico mostrando suas canções numa calçada qualquer, a trupe de palhaços encantando crianças em uma praça, um grupo de jovens fechando o trânsito repentinamente com um bem-humorado flash mob, um muro lindamente grafitado.
Quando ouço a garotada friburguense reclamando, com toda a razão, das pouquíssimas opções de lazer de nossa cidade, não tenho como não me lembrar de Mick Jagger cantando “mas o que um rapaz pode fazer, a não ser cantar em uma banda de rock, porque na cidade sonolenta de Londres, não há lugar para um lutador nas ruas”. Pois é, precisamos com urgência de um adolescente de 16, 17 anos, que acredite que o celacanto ainda pode provocar, vá lá, uma tsunami!
As cidades são vivas e, como os seres humanos, precisam se renovar. Os meninos do GAM e seus megafones têm feito um barulhão, mas precisam de companhia! Com boa vontade e muita criatividade, podemos imaginar uma Nova Friburgo remoçada e repaginada, um lugar onde moços e moças tenham, além de música, diversão e arte, prazer e orgulho de aqui morarem.
E aí pessoal, vamos para as ruas?
carlosemersonjr@gmail.com
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