“Eu cavaleiro andante de outras eras,
caçador só de quimeras,
cruzado de outras jornadas,
cruzo o espaço, cruzo o nada,
cruzo os braços,
só quero você.”
(Ivens Cuiabano Scaff)
Carlos Emerson Júnior
Com acordes em ré menor e uma levada no estilo toada, como o pessoal mais antenado dos anos 70 tanto apreciava, começava a canção “Cavaleiro Andante”, composta quase que numa brincadeira para concorrer no II Festival Universitário da MPB, em 1969 ou 70, se a memória não me trai.
Quando li o poema do Ivens, imediatamente senti vontade de cantar. A música foi feita em apenas uma noite, sem precisar alterar nenhuma palavra, rima ou métrica. Pode parecer pretensão, mas diria que foi um casamento perfeito e, o mais gostoso de tudo, é que a turminha que sempre nos acompanhava adorou o resultado.
Os festivais da canção estavam na moda e logo os amigos nos convenceram que “Cavaleiro Andante” tinha que ser participar de um deles. Dito e feito, fizemos a inscrição no Universitário e lá fomos nós gravar nos estúdios da TV Tupi, na Urca. Foi quando percebemos que não tínhamos a menor chance.
Enquanto aguardávamos, vimos compositores como o Gonzaguinha, Ruy Maurity, Aldir Blanc, Ivans Lins, Ronaldo Monteiro de Souza, Eduardo Gudin, César Costa Filho, Arthur Verocai, Alberto Land e Belchior, só para ficar nos mais conhecidos, entregando suas fitas com músicas maravilhosas interpretadas por Clara Nunes, Maysa, Maria Creuza, Golden Boys, Antônio Adolfo, Nana Caymi, MPB-4 e por aí vai.
Mas chegou a nossa vez de gravar e um bocado tenso, acabei errando tudo na primeira sessão. Na seguinte, talvez entusiasmado pelo interesse que técnicos de som e organizadores mostraram pela música, caprichei no violão e na interpretação. O problema é que nunca fui cantor e minha voz, um fiapo meio desafinado, desvalorizou completamente todo o nosso trabalho.
Saímos da Tupi, no entanto, realizados e felizes. Participar de um festival, naquela época, dava um status danado, mesmo não sendo classificado. Combinamos ali mesmo, enquanto esperávamos o velho 512, compor uma nova música para o festival do ano que vem, convidar uma cantora famosa (ou quase), encomendar um arranjo da pesada, gravar em um estúdio profissional e ganhar o primeiro lugar, iniciando uma longa carreira como compositores de sucesso da MPB!
É claro que nada disso aconteceu.
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Mas afinal, o que é um cavaleiro andante? Segundo a onipresente Wikipédia, trata-se do sexto álbum de estúdio do rapper brasileiro Gabriel, o Pensador, lançado em 2005. É, só faltava essa! Também conhecidos como cavaleiros errantes, eram guerreiros obstinados e solitários, perseguindo objetivos específicos como resolver injustiças, proteger os pobres e oprimidos e defender a religião.
Bom, tem cara de literatura e deve ser mesmo. Dom Quixote, o “Cavaleiro da Triste Figura”, magistralmente criado pelo escritor espanhol Cervantes, possivelmente seria trucidado por bandidos assim que entrasse em alguma floresta ou vendido como escravo para o senhor feudal mais próximo. Não, decididamente, o mundo nunca foi um bom lugar para idealistas, românticos e ingênuos, não necessariamente nessa ordem.
O mais provável é que na confusão que reinava na Europa medieval, durante as Cruzadas, centenas de ex-combatentes e nobres falidos andassem para lá e para cá, vendendo sua espada para o senhor que pagasse melhor. Em outras palavras, meros mercenários. Para não me chamarem de cético, talvez um ou outro salvasse uma donzela de um dragão, mas tenho sérias dúvidas se esses seres míticos existiram em qualquer tempo de nossa história...
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Cavaleiros andantes são tão anacrônicos que acabaram virando super-heróis de histórias em quadrinhos. Como vivemos em uma era tecnológica, seus feitos não são mais cantados por menestréis e suas violas da gamba, nas noites claras de luar, ao redor de fogueiras. Hoje nos divertimos com os jogos para smartphones ou tablets, videogames, filmes em 3D e séries para a televisão.
No entanto, se pararmos para pensar, no fundo estamos sempre esperando a vinda de um desses guerreiros para nos redimir. Aliás, se não fosse um solitário ministro do Supremo, com sua toga negra e palavras afiadas, os 40 ladrões não seriam trancados nas masmorras do castelo e nós não estaríamos discutindo Lei e Ética.
Pois é, de repente, uma antiga lenda pode ter o seu momento de realidade, não é mesmo?
carlosemersonjr@gmail.com
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