No dia 23 de dezembro, Sylvia Schirnhofer e Jayro Freitas estarão novamente com o pé na estrada. O casal, que já percorreu a América Latina por diversas vezes com a sua Toyota, seguirá desta vez para Buenos Aires, a fim de acompanhar o mais famoso rallye do mundo, o Dakar 2009 –antigo Paris-Dakar, que por motivos de segurança foi transferido este ano para a América Latina.
Sylvia e Jayro não irão propriamente disputar o rallye, mas correr por fora, pelas estradas convencionais, interceptando os participantes durante o trajeto, até a Patagônia. Em Valparaíso (Chile), por exemplo, onde a corrida será interrompida por um dia para descanso, serão recepcionados pelo casal friburguense, conhecido por sua alegria e descontração. “Queremos conhecer os participantes e fazer aquela farra toda junto com eles, divulgando o nome da cidade e de nossos patrocinadores, a sempre presente SAF, a Confecção Erótica e alguns comerciantes locais, cujos nomes ainda não estão inteiramente definidos”, conta Sylvia.
Deixando a modéstia de lado, Sylvia e Jayro esclarecem que a maioria dos participantes do evento está indo pela primeira vez àquela região e não conhece o trajeto tão bem quanto eles. O casal friburguense já foi por diversas vezes do Equador ao Chuí e conhece o caminho de cor e salteado. “Não viajamos há mais de três anos, já está dando coceira”, brincam. O rallye, que cobre um percurso de nove mil quilômetros, terá início dia 3 de janeiro de 2009, em Buenos Aires, com previsão de chegada no dia 18, em Península Valdez. Sylvia e Jayro pretendem chegar ao ponto de largada, Buenos Aires, no máximo até o dia 31 de dezembro, pois querem passar pelo menos três dias com o pessoal, acompanhar a largada, a movimentação da turma. Aí, quando for dada a partida, sairão por outro caminho, cortando voltas, para chegar sempre antes nas paradas previstas.
Ambos com 58 anos, Sylvia e Jayro garantem estar com pique total para encarar mais este desafio. Aliás, nem chegam a considerar a nova viagem como um desafio, no sentido literal da palavra, pois o percurso é suave e será verão, ou seja, não haverá muita neve. “Para quem já fez o que a gente fez, isso aqui é fichinha”, garante Jayro.
Mas, apesar de não precisarem de grandes aparatos, estão aposentando sua velha Toyota Bandeirantes 1992, de estimação, depois de nove anos de bons serviços. “Temos ótimas recordações dela, mas estamos querendo comprar um caminhãozinho e transformá-lo numa moto home, para ter um pouco mais de conforto durante a viagem”, diz Sylvia.
Nas inúmeras viagens que fizeram até agora pelo continente americano, todas com duração média de um a dois meses, Sylvia e Jayro dormiam num colchão na parte de trás do carro – “Muito macio, mas improvisado”, dizem –, contando apenas com água quente, uma geladeirinha e televisão. A Toyota não dispõe de ar-condicionado, banheiro ou cozinha. Eles tinham que cozinhar em fogareiros e tomar banho em postos de gasolina. Agora querem mais, até porque a idade vai chegando e, junto com ela, a necessidade de mais conforto.
Garantem, porém, que se não conseguirem comprar o novo veículo e montar a tempo sua moto home, participarão do rallye com a Toyota de sempre. “Afinal, ela é tratada a leite de cabra e está em perfeitas condições, além de nunca ter nos deixado na mão”, diz.
Região onde o rallye acontecerá é familiar ao casal friburguense
Sylvia e Jayro fazem expedições dentro e fora do Brasil há mais de vinte anos. São amigos de tudo quanto é jipeiro da cidade – o Jeep Clube de Friburgo foi fundado praticamente dentro de sua casa –, mas já há algum tempo têm preferido viajar sozinhos. Mesmo sendo fichinha para eles, a próxima viagem está sendo planejada nos mínimos detalhes, como sempre, e com meses de antecedência. Todos estes cuidados são fundamentais para evitar maus momentos durante o percurso. Como mecânico off-road, Jayro consegue solucionar a maioria dos defeitos que podem surgir durante a expedição. Mesmo assim, considera fundamental uma revisão cuidadosa do carro antes de dar a saída. Além disso, leva de reserva as peças mais importantes, para o caso de haver uma pane no meio do caminho. Talvez por isso mesmo nunca tenha passado por maiores perrengues durante suas aventuras. “Na última viagem, a única coisa que aconteceu de errado foi uma mangueirinha de combustível que arrebentou, mas não levei nem cinco minutos para substituir”, conta.
Na última viagem o casal também passou por apertos quando a caminhonete atolou num deserto de sal, o salar Uyuni, na Patagônia. “Foi praticamente uma bobeira que eu dei, mas se não fossem os habitantes locais, que cavaram na neve até conseguir nos puxar, a gente não teria saído de lá de jeito nenhum”, conta Jayro. Também passaram por maus momentos no Chile, num intersalar a 5.700 metros de altura (mais da metade de um Everest), com os termômetros marcando 25 graus negativos. Naquela altitude não tem neve, é só aquele frio seco, sem umidade alguma. “Nestes desertos de sal que um dia foram mar a gente sente muita falta de ar e bota sangue por tudo quanto é lugar”, conta Sylvia, que desta vez garante: levará uma máscara de oxigênio para enfrentar estas altitudes.
Um dos truques de Jayro para que nada falte na viagem é dividir o carro em compartimentos, fazendo um inventário superdetalhado de tudo que estão carregando e que não são poucas. Assim, ele e Sylvia conseguem encontrar na hora tudo o que precisam. São quilos de alimentos desidratados, talharim, biscoitos, caixas de leite, além de galões e mais galões de água, que é uma das mercadorias mais valorizadas e caras na região, chegando a custar mais do que um bom vinho.
Segundo Jayro e Sylvia, a saída é a hora mais marcante da viagem, pois cada uma representa uma incógnita. Então, antes de partir para uma nova aventura, eles se recolhem na capelinha que têm em casa para meditar e pedir proteção, não só para si próprios, mas também e, principalmente, para os que ficam.
No mais, o que resta dessas viagens são boas recordações, que não são poucas. Sylvia conta que tocou sanfona num Réveillon no Chuaí e foi filmada por um canal de TV sul-americano. Dois anos depois, quando estiveram novamente no Chile, ela foi reconhecida, sendo chamada na rua de la artista.
Outra surpresa foi quando chegaram a um lugarejo na véspera de Natal e decidiram acampar no mesmo camping onde haviam estado na viagem anterior. “Nós não avisamos que iríamos, ninguém estava esperando a gente, mas um amigo que fizemos lá, o Jorge, estava com a camisa de nossa expedição e sua mulher comentou que ele só colocava aquela camisa em ocasiões especiais. Aquilo nos deixou emocionados, pois vimos que tínhamos sido pessoas inesquecíveis para eles”, disse.
Amigos, aliás, o casal faz por toda parte e calor humano é o que eles mais têm encontrado em suas viagens. “Nunca passamos por situações de violência, pelo contrário. Na estrada é um por todos e todos por um o tempo todo”, continua Jayro.
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