Carta de um futuro Pai

Por Alessandro Lo-Bianco
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
por Jornal A Voz da Serra

Não desejo traçar normas em sua vida; estas indicarei com exemplos ao passar do tempo. Mas vão alguns conselhos: começando por religião, não indico alguma, porque também não tive uma. Apenas não as considere um entorpecente em sua vida. Saiba que o ateu procura o lenitivo, enquanto o crente admite o sofrimento físico ou moral como divino meio de reparar seus erros contra os semelhantes. Compreenda apenas que, dentro de uma infinidade de religiões, estão presentes o amor, a humildade e a justiça. Siga estas virtudes. Eu não consegui. Fui homem, vivi e pequei. Então digo apenas para lembrar-se que, em terra boa, a semente produz sempre boa colheita. Procure ter sempre um corpo saudável, ele será fundamental para manter as penas equilibradas em todas as etapas da sua vida. Quando tiveres dúvida sobre algo, saiba que o bom senso é o melhor caminho por não sofrer as variações do tempo. Não te preocupes com a justiça do homem, pois assim como eles, ela é imperfeita. Mas, na medida do possível, respeite as leis vigentes, sabendo que o teu direito termina onde começa o direito alheio. A honestidade deve ser a sua bandeira e estar sempre içada no mastro de sua vida. Serás, por vezes, incompreendido e só mais tarde perceberás o valor desse conselho. Seja simples! Saiba que a simplicidade tem um limite que não esta longe do significado estilístico do termo. Isso significa que nem sempre ser evidência no seu meio é o ideal. Aprendi na vida que, como na álgebra, certos termos são colocados em evidência justamente para serem eliminados.

Quando crescer, cuidado com a política partidária. No Brasil quem tem bons predicados morais e cívicos estará sempre em minoria, o que vale dizer estar sempre na oposição. Ora, estar em oposição a tudo que está errado é uma tarefa nobre. Mas saiba que, mais uma vez neste país, ser político, com algumas exceções, é ser arranjador de empregos. E como não há empregos para todos, certos indivíduos dirão para ti serem de oposição apenas por não terem conseguido tomar parte do grande banquete nacional. Estes são, também, os que roubam à oposição a autoridade moral para que ela possa atingir suas finalidades de vigilância e cooperação. Como vês, tu ficarás em minoria até mesmo na oposição. Isto, contudo, não deves impedir que lute pelo bem-estar de sua gente, só que as trincheiras serão outras. Se for Jornalista, apontarás ao povo as negociatas, indicarás aos eleitores os homens de bem e o principal: farás da tua coluna uma cátedra. Mas se os jornais não te derem abertura, não insistas. São João fez isso e terminou sem a cabeça. E uma cabeça com boas ideias não deve correr este risco. Além disso, o “salvador da pátria” sempre corre o risco de ser rotulado como demagogo. Como disse, outras trincheiras existem. Na medicina, proporcionarás saúde e bem-estar. No Direito, tentarás fazer justiça. Nos cargos públicos, poderás fazer muito por tua pátria. Enfim, em qualquer profissão que exerças com eficiência e dignidade lutarás por todos os meios contra a corrupção, a fraude, o dolo e a má fé. E por falar em profissão, entenda por agora que nenhuma delas enobrece um homem, apenas a maneira como ele a exerce. Não te indico uma. Ficaria feliz de ver um filho meu empenhado na construção de casas, pontes e rodovias em um país tão carente dessas coisas. Mas desde já chamo atenção para os aspectos econômicos da vida. Eles serão de grande valia para manter a dignidade da sua família. Estudarás antes o meio em que vives, observando com muita atenção o mercado de trabalho. Não quero parecer incoerente vendo na profissão apenas o rendimento financeiro. A profissão, mais do que isso, deve ser escopo de vida e, sem dúvida, o único comprovante da utilidade do homem como cidadão. Daí a necessidade de uma boa escolha. O desajustamento profissional é o pior dos suplícios, porque dura a vida toda.

Sobre o amor, longe de mim a ideia de interferência. Mesmo porque a vida vai te mostrar que qualquer tentativa seria inútil. Nestes assuntos, cegos por amor jamais ouvem qualquer conselho que não os da carne, nem sempre boa conselheira. Até os santos amaram a quem não deveriam amar. Hoje, dizem os historiadores, que até Jesus amou errado, embora, depois, fizesse prevalecer o seu poder divino, para elevar o seu impossível amor terreno às alturas de um casto amor celestial. Verás que o amor não pode ser explicado, apenas sentido. Por isso não ouso defini-lo, a seu tempo tu o sentirás. Mas verás também que, se tratando de amor, para todo prazer existe uma pungência, a todo orgulho está ligada uma vergonha, a toda vitória uma derrota e a cada esbanjamento uma carência.

Sobre os amigos, devo dizer-te que sempre contei os meus pelos dedos. A aferição dos amigos só poderá ser feita em momentos especiais, e eles vão surgir ao longo da relação. Torna-se impossível, por exemplo, se estiveres ocupando um alto cargo público ou desfrutando de alta situação financeira. O homem rico, bem situado na vida, jamais saberá com certeza quem são os seus verdadeiros amigos. Em contrapartida, os que tropeçam os resvalam, ou até mesmo os que não tiveram oportunidades ou não souberam aproveitá-las, têm pelo menos esta sorte, conhecer os amigos de verdade. E há surpresas incríveis neste caminho. Mas nunca esperes gratidão de ninguém. Em contraponto, o gostoso do favor que se pode prestar é a quase certeza de que o mesmo não será retribuído. Fora disso é troca, permuta que descaracteriza o favor.

Para finalizar, digo que a herança que deixarei para você é muito valiosa. Resulta de dar-te um corpo são e uma índole boa. Não sei se vou te deixar bens materiais. Por experiência sei que não é bom deixar fortunas para herdeiros. Parece absurdo, mas é o que penso. Aprendi observando que grandes fortunas não passam de três gerações. Via de regra, grandes empresários e industriais, grandes milionários de hoje, começara, deles mesmo. Deixo-te, repito, um corpo são. Se puder levar apenas uma coisa desta carta, leve o ensinamento que não há ferramenta melhor para se vencer na vida.

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