Carta aberta a dom José Cardoso Sobrinho, arcebispo de Olinda e Recife

terça-feira, 10 de março de 2009
por Jornal A Voz da Serra

Venho por intermédio desta solicitar, também, minha excomunhão da igreja à qual o senhor está filiado e representa, por discordar frontalmente das atitudes e ações promovidas pelos seus altos dignatários e por estar plenamente de acordo com os médicos e equipe que realizaram o aborto na menor de nove anos, grávida de gêmeos, após ser estuprada pelo padrasto. Eu teria a mesma atitude que eles.

É bom lembrar que não houve nenhuma transgressão às leis dos homens, já que a legislação em vigor permite a interrupção de uma gestação quando esta coloca em risco a vida da mãe, como o foi, no caso em questão. Trata-se de uma menor, com o corpo em formação, o aparelho reprodutor ainda não totalmente desenvolvido, pois deve estar na fase inicial da puberdade, o que levaria essa gravidez ao nível de altíssimo risco. Não seria nenhum absurdo alegar que o Todo-Poderoso estaria testando a inteligência dos dignatários da igreja fundada em seu nome, pois era altamente improvável que uma menina, nessa idade, quando a menstruação mal começou, pudesse estar num estado interessante, como diziam os antigos. Acredito que no entender de Deus, o senhor d. José Cardoso foi reprovado.

Desde há muito que a igreja católica está na contramão da história e, exatamente por isso, vê seu rebanho diminuir a olhos vistos. Não permitir o abortamento dos anencéfalos, fadados a morrerem poucas horas após o parto, ser contra as campanhas de prevenção contra a Aids, quando negam o uso da camisinha, e não autorizar o aborto em caso de estupro é no mínimo falta de sensibilidade, falta de solidariedade e de amor, exatamente o contrário daquilo que pregam os evangelhos.

Será que uma mulher, agredida e violentada, teria amor pelo filho que traz no seu ventre? Será que uma criança, sem nenhuma experiência de vida, traumatizada por conviver com uma besta humana em casa, tem condições de ser mãe, ou confundiria seu bebê com uma boneca eletrônica? E se mais tarde ela se recusasse a aceitar esse filho, seria de novo punida?

D. José Cardoso, diz um ditado popular que de uma boca fechada não sai asneira e creio que o senhor perdeu uma ótima oportunidade de se calar. Afinal, a sociedade é regida pela lei dos homens, que, por princípio e por questões morais, acatam e procuram se enquadrar na máxima que Jesus Cristo nos ensinou, ou seja, amar o próximo como a si mesmo. Porém, há momentos em que isso não basta, e como vivemos em sociedade, as leis dessa sociedade têm que ser aceitas e aplicadas, em nome do bom senso. Afirmar que a prática do aborto é mais grave do que o ato de estuprar uma criança de nove anos, se não é duvidar da nossa inteligência, pode ser sintoma de arteriosclerose em grau avançado.

Por isso, há muito deixei de ser católico e ser excomungado ou não para mim não faria a mínima diferença. Várias igrejas, de credos diferentes, estão aí, prontas a acolher quem necessitar de conforto espiritual, pregando a tolerância e o amor, coisa que há muito desapareceu do seio da santa igreja romana. Quanto ao holocausto, creio ser perigoso qualquer afirmativa sobre tal tema, pois, de acordo com a história, a atuação do papa Pio XII durante a guerra, no que se refere à questão judaica, é controversa.

Max Wolosker Neto, médico e jornalista.

E-mail: woloskerm@gigalink.com.br

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