Dalva Ventura
Plena madrugada de sexta para sábado e ninguém consegue dormir no centro de Nova Friburgo. Aliás, não só no Centro, mas também nos bairros onde há maior concentração de bares e casas noturnas. Equipados com potentes caixas de som, carros, em sua maioria, caindo aos pedaços, dão voltas e mais voltas nos quarteirões ou ficam parados nestes locais, num claro desrespeito não apenas à lei do silêncio, mas às mais elementares normas de civilidade.
O som escolhido, não podia ser outro. Funk, claro. E muito sertanejo também, que o povo gosta. Nada contra. Só que tudo tem limite. Naquele volume e com todas aquelas caixas de som, a coisa muda de figura. Até as paredes estremecem quando estes carros passam com o som em tão alto volume que quase estouram os ouvidos, não deixando ninguém dormir em paz.
Turbinar um carro custa caro, o preço muitas vezes é maior que o dos próprios veículos. Mas seus donos parecem achar que vale tudo para circular por aí exibindo tanta potência sonora. É o caso de M.S., 26 anos, que ganha R$ 1.200 reais por mês trabalhando numa gráfica e acaba de gastar “uma nota” dando uma guaribada no som de seu Voyage 94. Os pneus estão carecas, mas ele não se importa muito. “Para isso é que existe macaco”, brinca, dizendo que só roda mesmo com o carro de madrugada durante os fins de semana, quando sai para tomar uma cervejinha por aí. Como a grana que ganha não dá para frequentar bailes e casas noturnas, para o carro numa esquina e faz sua festa particular na rua mesmo. E que se dane o resto.
Então, quer dizer que se trata de uma prática assim, digamos, coletiva? Sem dúvida. Os donos de carros turbinados formam uma espécie de confraria. E não é de estranhar que, muitas vezes, saiam em grupo para curtir seu funk ou seu forró, não deixando ninguém dormir em paz.
O pior é que encaram esta prática como algo corriqueiro e absolutamente normal. A regra que prevalece é “se outros fazem, por que eu também não posso fazer?”. Triste cidade a nossa que tem de conviver com estes abusos. Reclamar? Com quem? E adianta? Que nada. Impotentes, as autoridades se dizem de mãos atadas. Lei do silêncio? Sim, ela existe desde 1977 e vale das 22h às 7h, mas está longe de ser respeitada aqui em Nova Friburgo.
O Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) também estabelece limites para a emissão de ruídos, através da Resolução 252, de fevereiro de 1999. E, desde 2006, existe uma regra específica: a resolução 204 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran)—que determina o volume máximo dos equipamentos de som em veículos, mas ainda há dificuldades para cumpri-la e fiscalizar os automóveis que desobedecem à norma. E bota dificuldades nisso. Segundo esta lei, os motoristas cujos veículos forem flagrados emitindo nível de som superior a 104 decibéis serão penalizados com o pagamento de multa no valor de R$ 127,69 e a retenção do veículo para regularização, além de perda de cinco pontos na carteira de habilitação. No entanto, para que a infração seja constatada, um agente de trânsito terá que colher uma amostra do ruído utilizando um decibelímetro, instrumento que mede a intensidade sonora.
E aí é que está o problema. O ex-superintendente da Autran, coronel Celso Novaes, diz que estava impotente diante da situação, e revoltado com o que considera um “absurdo total e absoluto”. Celso Novaes diz que por essas e outras é que nunca se atreveu a morar no Centro. Na sua visão, o “tuning” configura uma alteração nas características originais do veículo e, como tal, este deveria ser apreendido. “Não basta mandar o motorista abaixar o som ou desligá-lo, que ele vira a esquina e liga de novo”, diz.
O comandante do 11º BPM, tenente-coronel Marcelo Freiman de Sousa, afirmou não ter poder para multar nem apreender os tais carros tunados, pois o batalhão não dispõe do tal decibelímetro. Sem isso, a PM vem tentando, sem sucesso, inibir essa prática. O próprio comandante considera esta tarefa “árdua e quase impossível”, pois quando uma denúncia de som alto é comunicada, uma patrulha se desloca para o local, mas raramente consegue pegá-los. “Quando uma patrulha dá a sorte de flagrar um destes veículos, os motoristas costumam sair em disparada, escapando do flagrante, abaixando ou desligando o equipamento de som”, diz.
A PM também vem tentando intimidar esses motoristas, ao menos em parte, apertar o cerco aos mesmos no que diz respeito à fiscalização de outros itens, como a documentação do veículo, a validade de extintores de incêndio, o estado dos acessórios, principalmente dos pneus etc. Muitas vezes dá certo, pois, contraditoriamente, muitos desses carros se encontram em péssimo estado de conservação. Ou seja, o som neles instalado por vezes vale mais que o próprio veículo.
O tenente-coronel Marcelo Freiman de Sousa diz que pretende sensibilizar a Câmara dos Vereadores a criar uma lei municipal que vede a permanência de carros tunados em locais públicos. Segundo ele, leis como essa estão em vigor em alguns municípios da Região dos Lagos e, se conseguirmos instaurá-la aqui em Nova Friburgo, aí sim, a PM poderá apreender tais carros indiciando o motorista por perturbação ao sossego e por importunar os transeuntes e moradores vizinhos.
Enquanto isso não acontece e aproveitando este lamentável modismo, empresas ligadas à preparação e venda de acessórios se multiplicam na cidade, faturando alto. Sem falar nos amadores que também se prestam a tunar carros por um preço mais barato. E durma-se com um barulho desses!
“Voltei a Friburgo pela primeira vez depois da tragédia de janeiro e sofri vendo os estragos e cicatrizes deixadas pelas chuvas. De cortar o coração. Se não bastasse, à noite assisti a um deprimente espetáculo de desrespeito à ordem urbana. Até às 3hs da madrugada de um sábado para domingo, carros davam voltas pela Praça Getúlio Vargas com o som ligado numa altura e num volume insuportáveis de decibéis, tocando música funk. Soube que é uma prática semanal. Como eu, ninguém nas redondezas deve ter conseguido dormir. Quando paravam no sinal, aumentavam o som. Sinceramente—e olha que moro no Rio, conhecido como cidade da bandalha—poucas vezes vi uma agressão tão despudorada à lei do silêncio e uma transgressão tão explícita aos princípios de civilidade e cidadania. Não é possível que a administração municipal—a Prefeitura, a Câmara, a Polícia, o Ministério Público—não consigam tomar uma providência para coibir essa forma sádica e exibicionista de tortura noturna. Por intermédio de nossa valente A VOZ DA SERRA deixo o meu modesto apelo para que Nova Friburgo, onde passei felizes anos de minha juventude, volte a ser aquela cidade aprazível e acolhedora, de manhãs radiantes e noites serenas, onde outrora se podia dormir em paz.”
(Zuenir Ventura, mineiro de nascimento, mas detentor do título de Cidadão Friburguense).
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