Carnavalizando a lembrança

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
por Jornal A Voz da Serra
Carnavalizando a lembrança
Carnavalizando a lembrança

Elisabeth Souza Cruz

Não é mania de dizer que bom era o carnaval de antigamente, muito menos nostalgia ou saudosismo. É uma constatação mesmo! Meus pais contavam que as festas carnavalescas das décadas de 30 e 40 eram esperadas e programadas dentro de uma expectativa empolgante. O preciosismo na escolha das fantasias era o "abre-alas”, o cartão de visitas, porque era preciso estar a caráter para as folias de Momo. O lança-perfume, o desfile de ranchos, as serpentinas e os confetes... Os bailes, as bandas entoando marchinhas, especialmente compostas para a ocasião. Coisa alguma se passava aleatoriamente. Arlequins, pierrôs e colombinas eram, entre outros, personagens cativos e, literalmente, como dizia meu pai, "se brincava o carnaval”.

Eu também já posso me dar ao luxo de falar dos carnavais de minha infância, meio século passado. A começar pelo meu bairro: a Filó ganhava uma movimentação impressionante, com os bailes promovidos no salão social da fábrica. Das matinês aos bailes noturnos, não havia na vizinhança quem reclamasse do barulho. 

Entretanto, em minha casa, o carnaval começava bem antes, com os preparativos das fantasias que mamãe costurava, prazerosamente. A máquina Singer ziguezagueava pela noite adentro e jamais vi ou senti minha mãe estressada, reclamando disso ou daquilo. Talvez porque não fosse moda dizer "tô morta!”. Muito vivaz, só lhe restava o sossego das altas horas noturnas para costurar as ideias carnavalescas e foram muitos os modelos que criara com seus caprichos de mulher prendada. Do mais puro cetim aos materiais de acabamento, era tudo um luxo só! E ao mesmo tempo, era tão simples. Parece que o glamour vinha justamente da boa vontade de se dispor a costurar depois de uma longa jornada operária.

Eu e meu irmão éramos incumbidos de uma única tarefa: experimentar as fantasias sem reclamar dos alfinetes espetando. Era o máximo que mamãe nos cobrava. As meias, sapatilhas e demais adereços, só no dia da festa. Meu pai, também carnavalesco, elogiava as costuras e nos dias de carnaval fechava o bar mais cedo para que pudéssemos desfilar pela cidade e receber os elogios pelas habilidades de mamãe.

Apesar de já possuir uma câmera fotográfica Arrow, modelo "Cinquentenário”, mamãe fazia questão de nos levar ao Preguinho para garantir uma foto 100% confiável. Era chique ir ao retratista, entrar no estúdio, sentar num tamborete aveludado, cruzar as mãos sobre os joelhos e sorrir. Nem era preciso dizer "xizzzz”. Sorria-se naturalmente, porque tudo era encantamento. Tudo fascinava os nossos olhinhos e a emoção de sermos holandeses, soldadinhos, piratas e o que mais mamãe inventasse.

Serpentinas, confetes e espirradeiras não faltavam. A Praça Getúlio Vargas era um verdadeiro sambódromo e a alegria, a grande apoteose. Mascarados, "batifun” de latas, apitos, estalinhos e tudo o mais que pudesse divertir sem qualquer perigo para os foliões. Na Alberto Braune, apenas um cordão de isolamento formava a passarela para o desfile dos sonhos de uma cidade, ainda dos cravos. Era o carnaval do "Vai quem quer” e todo mundo queria mesmo brincar... Mas, como brincadeira tem hora, quando passava o "temido” Bloco dos Bichos, aí, sim, sem pena de amassar a fantasia, eu corria para o colo do papai e olhava do alto aquela farra assustadora.

Mas... Quando chegava quarta-feira, o corte brusco — as marchinhas silenciavam em respeito à Quaresma. Chorava o tamborim! E era vez dos clássicos, do recolhimento interior... E a gente ouvia a Nona Sinfonia, como se fosse uma "Ode à Alegria” para os sonhos das novas fantasias que mamãe já delineava em seu bloco de costura!

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