Capa: Um senhor restaurador

Bergamini, um profissional requisitado, mantém seu ateliê em Lumiar há 16 anos
sexta-feira, 25 de abril de 2008
por Jornal A Voz da Serra
Capa: Um senhor restaurador
Capa: Um senhor restaurador

Por Girlan Guilland

 

Ele conserva um aspecto jovem. A cabeleira encaracolada lembra um descolado adepto do movimento hippie – ícone da década de 70. Na verdade, ele ainda é mesmo um jovem em seus 40 e poucos anos. À primeira vista, poucos o identificariam com sua profissão. Afinal, quando se trata de relíquias e antiguidades é normal logo pensar num daqueles personagens idosos de contos clássicos. Mas Carlos Roberto Bergamini destrói tal imagem. Aliás, destrói, não, pois sua vida tem sido só reconstruir.

Carioca, há 16 anos adotou Nova Friburgo exatamente em função de seu trabalho. Mora, desde então, em Lumiar, pelo qual optou a conselho de uma amiga. Lá, em meio à tranqüilidade, aos bons ares e à beleza natural do quinto distrito – que antes só conhecia pela música de Beto Guedes – mantém seu ateliê. Começou na profissão após o nascimento de seu único filho, Gabriel, hoje com 17 anos.

 

ENTUSIASMO POR CURSO

Autodidata, a atividade de Bergamini tem origens familiares. A arte foi repassada por um tio, que mora em Mariana (MG). Dois irmãos (Renato e Ronaldo) e dois primos também se dedicam à função. Curiosamente, um dos irmãos – apesar de ser mais novo – ele próprio considera o “patriarca” da arte familiar. “Chegamos a desenvolver e dominamos uma técnica própria e específica de pátinas, simulando bronze, terracota, entre outros”, explica, acrescentando com entusiasmo que uma das maiores alegrias na cidade foi, em 1997, ter conseguido iniciar a turma de um curso criado pelo Sesi local. “Desenvolvi as apostilas e sonhava formar um corpo de futuros auxiliares, porque a atividade requer uma equipe”, detalha, acrescentando que Nova Friburgo oferece um campo muito vasto para a atividade. “Mas, infelizmente, não foi avante”, acrescenta, sem esconder certo desapontamento.

Embora mantenha interesse no curso, rememora, inclusive, que chegou a ter uma possibilidade semelhante no Senai, “mas a atividade de ensino não me deixaria tempo para produzir. Como preciso ganhar dinheiro, o projeto vai ficando...”, diz Bergamini, complementando que “o curso só se viabiliza com duração de seis semanas, quatro horas diárias para o ensinamento de umas dez técnicas”.

 

“Aos poucos vai se esvaindo o que há de patrimônio aqui”

 

Bergamini insiste no grande potencial existente na cidade. “Muitas pessoas têm peças de valor para restaurar e não têm noção do que dispõem”, atesta. Ele diz ainda que há vários casos de obras que estão se deteriorando. “Um exemplo é a enorme quantidade de imagens de santos em várias igrejas locais”, aponta. O artista conta dois casos que presenciou: um painel existente numa das paredes da sede da Ação Rural de Lumiar teria sido pintado por um refugiado de guerra. O quadro retrata a Santa Ceia com uma curiosidade: faltam três apóstolos. O restaurador explica que, caso fosse restaurá-lo, “jamais incluiria os personagens”, a título de completar a obra. “Restauração é resgate e preservação integral do original; talvez a arte de quem fez esteja exatamente aí, na mensagem que quis passar sem os três personagens”.

Outro caso o deixou impressionado. A peça em madeira retratando a Sagrada Família (Maria, José e o Menino Jesus). Com 1,20 metro, do século 18, lhe foi mostrada por uma pessoa “há uns cinco anos, num porão do campus local da Estácio de Sá. Uma obra de valor inestimável, com traços de Aleijadinho, mas já tem, então, 40 por cento comprometidos por cupins”, denuncia, dizendo não saber que fim levou a referida obra.

 

SANTO DE CASA...

 

ecepção maior mesmo não esconde. Foi o restauro das estátuas das quatro estações – Primavera, Verão, Outono e Inverno – da Praça Dermeval Barbosa Moreira. Queixa-se de ter ganhado a concorrência um ano antes, mas o trabalho acabou sendo feito por outra pessoa. Lamenta não terem lhe dado nenhuma satisfação e explica que não se limitaria apenas a recuperar as imagens. Por morar na cidade, seria possível fazer a manutenção. “O mármore branco, de carrara, sofre ação natural do tempo. Detemos uma técnica para minimizar isso”, justifica, acrescentando que, caso tenha sido por causa da diferença de valor, considera que merecia a precedência de renegociar.

Enquanto não vê a conscientização para o restauro, realiza outros tipos de trabalho na área. Cita exemplos de muitos projetos desenvolvidos para estabelecimentos comerciais. E ainda as duas viagens semanais (geralmente terça e quinta-feira) ao Centro do Rio. Numa loja da Rua Buenos Aires, disponibiliza cursos aos interessados e capta diversos trabalhos avulsos de restauro.

 

SANT’ANNA E SANTO ANTÔNIO

 

Bergamini já fez alguns trabalhos locais. O primeiro foi em 97, na Escola Estadual Galdino do Valle. Restaurou uma imagem de Nossa Senhora de Fátima. Dois de seus trabalhos mais expressivos na cidade foram as restaurações da imagem de Sant’Anna e, mais recentemente, a de Santo Antônio, na capela da Praça do Suspiro. A imagem tinha algumas de suas partes comprometidas por cupim.

Na paróquia do Cônego, a peça em cedro, de 1,65 metro, originária de Portugal, no século 19, havia sido totalmente destruída por um fanático religioso, que entrou na igreja e atacou várias outras imagens, sendo as demais de gesso. A da padroeira era a única em madeira. Bergamini trabalhou dois meses e meio direto, todos os dias, sendo que normalmente levaria seis meses. “Entreguei a imagem exatamente na véspera de sua festa, em 2001. O pároco era o padre José Luís”, conta.

O santo casamenteiro foi trabalho mais recente, concluído no início de março. A imagem, também em cedro, tinha sua base, mão e algumas partes da vestimenta atacadas por cupins e boa parte do ouro oxidado. Embora tivesse sido restaurada há quatro anos, a imagem exigiu umas 12 idas de Bergamini à igreja. O trabalho foi custeado por um fiel. Agora ele também está fazendo um pequeno restauro na base do São Francisco de Assis da igreja da Rua Duque de Caxias (Edifício Itália). Mas lamenta que poderia fazer muito mais. “As igrejas têm muita coisa que precisa ser feita.”

 

RELÓGIO DE PAULO DE FRONTIN

 

A restauração mais significativa foi a de um relógio de antimônio, que pertenceu a Paulo de Frontin (engenheiro e ex-prefeito do Rio de Janeiro, considerado o Patrono da Engenharia Ferroviária Brasileira), contratada pela neta do próprio, em 2000. “Uma verdadeira relíquia, era todo revestido em ouro e a pátina foi feita com ouro velho”, explica Bergamini, contando ainda que “a peça possuía um cavalo, cujas pernas estavam quebradas e exigiram esforço na solução de duas hastes internas de aço. “Foi um trabalho legal, muito gratificante”, diz, enumerando ainda outros diversos serviços realizados, como em Santa Teresa, no Rio, a restauração do piso hidráulico e do afresco de um palacete. “Foram 20 metros quadrados, mais de 400 pisos, 80 dos quais quebrados e tive que remontar uns 25, em mais de 15 partes”, lembra, enumerando ainda uma Santa Mônica no Leblon e uma Nossa Senhora de Fátima no Riachuelo, além de um Bom Pastor na Barão de Ipanema, todos no Rio, e vai por aí afora.

 

 

SERVIÇO

Bergamini: (22) 2542-9727, em Nova Friburgo;

e, no Rio, (21) 2252-8553 e 2252-7113.

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