Capa: Nelson Felix, um artista plástico em busca do ponto perfeito

Vazios que inspiram o escultor revelam formas e provocam reflexões
sexta-feira, 18 de abril de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Formas orgânicas e formas geométricas. Matérias-primas do reino mineral – como mármore, ferro, ouro e prata, que carregam registros do passado, e do reino vegetal – como árvores, que modelam as esculturas junto com o tempo. Nelson Felix é um artista contemporâneo que transforma pensamentos em esculturas, traduz a poesia em objetos de arte e mescla o passado, através da tradição, com o futuro, nas obras que se concluem daqui a centenas de anos.

É o caso de Grande Budha, Mesa e Vazio Coração. Grande Budha está na floresta tropical do Acre, onde seis garras de latão foram fixadas em torno de uma muda de mogno. Com o tempo, a árvore vai absorver o metal, fazendo-o desaparecer no interior de seu tronco ao longo de aproximadamente 400 anos, assim como a floresta já fez desaparecer esta obra entre milhões de árvores. Mesa, no Rio Grande do Sul, é uma chapa de aço de 51 metros e 41 toneladas (apoiada sobre tocos de eucaliptos), tendo 11 mudas de figueiras do mato de cada lado. Entre 15 e 300 anos o eucalipto apodrecerá e as árvores sustentarão e deformarão o plano da chapa.

Vazio Coração é uma escultura de mármore localizada no litoral do Ceará: uma esfera com pinos de ferro que vão oxidar e abrir a escultura, ao passar dos anos. Os trabalhos do artista pontuam espaços e supõem processos em dimensões temporais de centenas de anos, aos quais nós não teremos acesso. Nelson explica: “Gosto muito do espaço, a sensação do espaço. O espaço não é só o que se olha, tem um dado muito maior. A percepção do espaço não passa só pelo olho. Existe uma série de coisas que acontecem simultaneamente e que geram um espaço simultâneo. Nós, ocidentais, somos da causa e do efeito, já a concepção de situações simultâneas é chinesa. O espaço é dessa natureza”.

Muitos trabalhos de Nelson Felix são posicionados através do Global Positioning System (GPS), uma espécie de relógio do espaço. Hoje, movimentos de milhares de galáxias são descritos em mapas do Universo em três dimensões e, a partir dos sinais de satélites, o GPS indica localizações precisas na Terra. Assim, o artista organiza suas esculturas: o espaço real da sua obra é dado pelo sistema de coordenadas de latitude e longitude.

Camiri é um dos trabalhos de Nelson Felix mais recentes e que mostra algumas das características principais da obra do escultor. Nelson faz um alinhamento do Sol em relação à Terra, na angulação de 23º. Neste alinhamento, muitas vezes ele tem que furar paredes e ir além das limitações físicas do espaço para situar suas peças escultóricas de acordo com estes cálculos. Para Nelson, é a busca do lugar ideal, do ponto perfeito. Alguns dos trabalhos de Nelson Felix são complementados com fotografias, produzidas de maneira bem peculiar. A exposição Camiri, no Museu Vale do Rio Doce, em Vila Velha (ES), mostrou cubos e anéis de mármore: as formas geométricas de forte presença na obra do escultor.

Tanto na geometria e nas linhas orgânicas - que na maioria das vezes reproduzem a anatomia humana, as obras de Nelson Feliz são acompanhadas por códigos invisíveis e conceituais, e possuem múltiplas ordens de referência que identificam o traço do artista. Os cubos, presentes no Vazio Sexo e em Camiri, podem representar o mundo material e a estabilidade, mas nos dois trabalhos ele inclina um dos cubos, posicionando um objeto sob um dos vértices da peça, desestabilizando a base do quadrado. São cubos que querem entrar dentro de outros. Cubos que estão dentro de outro cubo sem nunca terem saído de lá. Cubos entrelaçados, ligados na matéria bruta e intocada. É Nelson Felix escrevendo poesia, é a manifestação do sagrado que sai da dimensão espiritual e visita nosso mundo contemporâneo.

O artista

Nelson Felix iniciou sua formação artística com Ivan Serpa em 1971, e realizou sua primeira individual em 1980, na Galeria Jean Borghici, no Rio de Janeiro. Em 1989, recebeu uma bolsa do Ministério da Cultura francês, pela exposição na Galeria Charles Sablon, em Paris. Também foi premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte-APCA, pela melhor exposição do ano em desenho. Ganhou a Bolsa Vitae de Artes em 1991, e três anos depois, volta a receber o prêmio da APCA em escultura, pela exposição do Museu de Arte de São Paulo/Masp.

No ano seguinte Nelson Felix lançou o vídeo O Oco, para a série RioArte – Arte Contemporânea, com direção de Luís Felipe Sá. Esse trabalho foi realizado a quatro mãos e premiado com o Sol de Prata no XXII Festival Internacional de Cinema, TV e Vídeo em Clermond-Ferrand, na França. Em 1996, a TVA lhe conferiu o Prêmio Bravo-Brasil na XXIII Bienal de São Paulo. Dois anos depois, em 1998, a Editora Cosac-Naif publicou um livro sobre a sua obra com texto crítico de Rodrigo Naves. Sobre o artista, mais três livros: Trilogias, Nelson Felix (Casa da Palavra) e Camiri (publicação do Museu da Companhia do Vale do Rio Doce).

Grãos de Arte

O artista, que dá voltas ao mundo e sempre retorna para sua casa em Mury (onde tem ateliê), fez uma palestra no último dia 15, abrindo o projeto Grãos de Arte, no Grão Café de Olaria (Praça Rotary 22). A idéia é oferecer todo mês um bate-papo com um artista, músico, escritor – entre outros profissionais, para um grupo de pessoas interessadas. O primeiro convidado foi Nelson Felix – falando sobre arte moderna, contemporânea e trabalhos recentes do artista. No próximo dia 13, às 19h, é a vez do jornalista e jazzófilo Augusto Muros conversar sobre jazz. Os interessados devem confirmar presença pelo telefone (22) 2523-7569.

“Nosso objetivo é proporcionar momentos de descontração e troca de experiências, onde a pessoa que está lá na frente conduzindo essa conversa possa falar de seu trabalho, do conhecimento que domina, e que o público possa interagir, fazendo perguntas, abrindo reflexões. Temos certeza de que existe espaço para isso, e sinto que as pessoas sentem falta desses momentos para falar sobre cultura”, diz Josias Júnior, do Grão Café.

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