A ocupação da região de montanhas em que se localiza a atual Nova Friburgo sempre necessitou de alguma espécie de sistema de escoamento de sua produção econômica, especialmente depois da expansão da lavoura de café. Antes, eram tropas de burros a transportar a produção. A partir de 1873, foi a Estrada de Ferro Cantagalo, iniciativa de Antônio Clemente Pinto, primeiro barão de Nova Friburgo—vendida em 1887 para a Companhia Leopoldina Railway—inicialmente, entre Cachoeiras de Macacu e Nova Friburgo, a dominar esses caminhos, e a marcar a vida da cidade. O trem, com suas chegadas e partidas, orientava o dia a dia da cidade, em uma rotina que durou até os anos 1960.
Hoje, é a rodovia a fazer o papel econômico, no começo dos muares e depois do trem. Evidentemente, o fluxo é diferente, a composição do tráfego, a velocidade e a tonelagem transportada são outras, mas os caminhos são praticamente os mesmos, através da mesma serra. A estrada RJ-116 é atualmente administrada por uma empresa privada, a Concessionária Rota 116 S.A. Seu superintendente-geral, David Augusto Brites Barbosa, engenheiro civil com especialidade em rodovias e ferrovias, recebeu A VOZ DA SERRA em seu escritório no centro da cidade, na última segunda-feira, 28 de agosto, para uma conversa a respeito da importância da via e das medidas que a empresa adota para sua manutenção. Abaixo, trechos dessa entrevista.
A VOZ DA SERRA – Quais são, atualmente, os principais investimentos da Rota 116?
David Augusto Brites Barbosa – Desde 2009 vimos fazendo mais investimentos na rodovia. Só que, em 2011, tivemos uma parada brusca: como toda a cidade sentiu, as chuvas de [janeiro] de 2011 foram um divisor de águas efetivo—foi água mesmo que dividiu a cidade—e com isto tivemos que aplicar esses investimentos, como fizemos em 2007, na reconstrução da rodovia. Em 2007, havíamos feito uma reconstrução efetiva de tudo e não tivemos a contrapartida do governo do estado no recebimento desses investimentos imprevistos e imprevisíveis contratualmente. Então, a partir de 2011, fizemos o mínimo de investimentos em obras de emergência, imprevistas em nosso contrato, para dar fluidez de tráfego o ano todo. Realizamos, então, pequenas intervenções, mas não isolamos Nova Friburgo. A rodovia caiu, perto daquele condomínio Monte Belo, ficando em meia-pista em dois segmentos. Reconstruímos em uma semana, prazo muito menor do que o vice-governador esperava. Só que tem outros trechos da rodovia que precisam, ainda, de investimentos e estamos resolvendo isto com o governo.
AVS – Isto é feito através de negociação além do contrato?
David Brites – Exatamente assim, através do reequilíbrio de nossa equação econômico-financeira. Mas, a partir de outubro de 2011, quando já não tínhamos mais tantos problemas para resolver, voltamos a investir e, com isto, estamos com um programa amplo de investimentos. Estamos recuperando o pavimento em vários segmentos. Este ano, vamos fazer, entre o início da rodovia, lá na RJ-104, e o quilômetro 40, um pavimento chamado microasfalto, uma preparação para o asfalto-borracha, uma tecnologia completamente nova. Não é essa que já se conhece dos livros estudados no Brasil, é uma tecnologia americana, que emprega outro tipo de processo do asfalto com a borracha, que leva em consideração temperatura ambiente e o peso efetivo das cargas. Vamos aplicar isso a partir do ano que vem. Estamos fazendo hoje uma preparação para o que será colocado no ano que vem. Depois, isso será estendido ao restante da rodovia.
Estamos também com o programa de implantação dos acostamentos, desde Macuco até Bom Jardim. São 32 quilômetros dos quais já fizemos, até o ano passado, cinco. Este ano serão mais uns dez quilômetros de terceira faixa e de acostamento. Estamos também implantando um trevo novo, em Cantagalo. O trevo atual de Cantagalo é de menor visibilidade, com maior risco de acidentes. Já havíamos adotado algumas soluções de engenharia operacional para melhorar a visibilidade e a segurança do trevo e, agora, estamos implantando um trevo que não tem nada a ver com o existente, que, ficando pronto até o final do ano, já vai dar uma segurança total porque não teremos mais a situação de pista simples—mão e contramão—, não teremos mais um veículo cruzando com o outro em pistas opostas, teremos uma circulação única de veículos ao longo do trevo. Isto vai dar mais segurança operacional ao usuário.
Além disso, vamos implantar a terceira faixa na serra de Cachoeiras de Macacu, entre o quilômetro 50 e o quilômetro 62. Estes são os principais investimentos na rodovia neste ano. Além de cinco alargamentos de pontes, cujos projetos estamos concluindo. Dois deles já estão sendo feitos, nos quilômetros 137 e 134. Isto vai se dar de forma contínua até 2014.
AVS – Agora, passando a uma questão mais de caráter histórico: foi boa a escolha que o país fez pelas rodovias em detrimento das ferrovias?
David Brites – O Brasil adotou um modelo equivocado—a maioria das cargas transportadas são, por excelência, ferroviárias, e há, ainda, a grande extensão territorial! O modelo de implantar rodovias é, em um primeiro momento, supostamente mais barato, mas, se o investimento inicial é realmente menor, o investimento necessário à manutenção preventiva e corretiva é o problema que nós vivemos hoje, grandes extensões das rodovias estão largadas, esburacadas, com uma série de problemas de infraestrutura, principalmente de pavimento, e o governo não tem dinheiro para fazer o necessário. Depois que o custo do petróleo foi para o espaço nos anos 1970, tornou-se mais inviável, ainda, trabalhar-se com rodovias. O custo inicial do quilômetro de ferrovia é maior que o de rodovia, no entanto, a manutenção é muito mais barata ao longo dos anos. E as nossas cargas, também, são cargas ferroviárias e não rodoviárias. Ninguém hoje obedece à lei da balança, então se extrapola [o limite de peso] no carregamento dos caminhões e o pavimento que foi dimensionado para uma carga estabelecida pelas normas rodoviárias [que é ultrapassada] estraga exponencialmente a estrutura do pavimento. É como nosso organismo: na medida em que engordamos e colocamos uma sobrecarga no nosso corpo em face de descontrole alimentar, sobrecarregamos o organismo e passamos a ter uma série de problemas.
AVS – Foi uma opção que o país fez nos anos 50, com a indústria automobilística e outras a ela relacionadas, não é?
David Brites – Tivemos um presidente, Washington Luís, [de 1926 a 1930] que dizia que “governar é abrir estradas”. Sim, mas estradas de quê? De rodagem ou de ferro? Ambas têm suas finalidades. E as hidrovias, que também são estradas? Com o potencial hídrico que temos no país ... O Rio Tocantins é enorme, o Rio Amazonas, o Rio Paraná—todos são hidrovias que não são exploradas. Cansei-me de fazer, quando trabalhava em empresa de consultoria, estudos de viabilidade técnico-econômica entre hidrovia, pelo rio ou pelo mar, rodovia e ferrovia. Muitas vezes ganhava um misto de rodovia-hidrovia, de ferrovia-hidrovia. A Aracruz Celulose, quando estudou o transporte da madeira do norte do Espírito Santo, sul da Bahia, para trazer eucalipto para sua fábrica fez esse estudo e o que ganhou foi o transporte rodoviário associado ao hidroviário. Ela traria de dentro das florestas, onde não adianta botar um trem para percorrer muito poucos quilômetros e recolher a madeira, levando-a a um porto. Ou levar essa madeira toda, direto através de trem. Ganhou o modelo de transporte rodoviário-hidroviário dentro das matas, porque é mais ágil, pode-se fazer um trajeto mais sinuoso, atingindo as grandes áreas com mais mobilidade, associado a um porto e a uma hidrovia que levasse até Aracruz [no Espírito Santo] e daí para dentro da fábrica. Então, quando se fala em transporte de cargas no país, esses três modais são importantes. Criam-se, então, estruturas intermodais.
AVS – Se ainda tivéssemos ferrovias, aqui na serra, digamos, paralelamente à rodovia, haveria essa divisão de uso?
David Brites – Haveria, mas aí não há competição. Como a ferrovia tem um transporte por excelência de carga, o transporte de passageiros, que em todo o mundo é subsidiado pelo governo, por si só não se pagaria. Se colocássemos uma locomotiva com seis vagões para transportar cerca de 300 pessoas ou um pouquinho mais, o custo por passageiro seria muito grande. É o caso do trem-bala que se pretende fazer entre o Rio e São Paulo. A demora na definição do modelo de concessão, que, hoje, será uma PPP (parceria público-privada), é porque todo empresário precisa gerar lucro, como define o próprio código do comércio. O governo está aí para prestar serviços à sociedade através dos impostos arrecadados. Isto quer dizer que o governo não tem que dar superávits, mas uma empresa privada, sim. Onde existe transporte de passageiros, existem subsídios por parte do governo.
AVS – A vida nos grandes centros urbanos como Rio e São Paulo sem o transporte ferroviário de passageiros seria impossível, não é?
David Brites – Seria impossível. E há um déficit muito grande de metrô nas duas maiores capitais. Agora, a prefeitura do Rio vai implantar o veículo leve sobre trilhos (VLT) na zona portuária e em outros eixos também. Mas, talvez, terá que subsidiar alguma parte porque, por si só, o VLT não vai se pagar.
AVS – Depois de várias experiências já vividas aqui na Região Serrana, temos hoje a RJ-116 funcionando no modelo de concessão. Fale um pouco a esse respeito.
David Brites – No mundo todo o modelo de concessões é muito favorável. Os modelos variam um pouco com relação à forma como são implantados. Na Alemanha, com mais de 20 mil quilômetros de rodovias, só os veículos pesados pagam pedágio. No restante da Europa há várias rodovias concedidas. A concessão de uma rodovia permite que o governo, não tendo que se preocupar com sua manutenção, tenha-a sempre trafegável com segurança, possa direcionar os recursos que investiria em rodovias para a saúde, para a educação, para outras áreas que não são concedidas. Não se trata de privatização, é preciso não confundir concessão com privatização.
A privatização é a venda de um bem público e concessão é uma forma de administração de um bem público por um particular, por um certo tempo, em que existem encargos que o particular tem que cumprir. Tem que investir, tem que manter. Aqui, no nosso caso, ainda pagamos uma outorga. É uma parceria público-privada em que o governo entra com uma parte, o empresário entra com outra parte e este pode também dar um valor em função da receita que tiver. Um outro modelo de concessão, também para se tornar mais atrativo para o empresário, podem ser desonerados os investimentos, o governo pode deixar de receber algum tributo para facilitar o investimento que o empresário tem que fazer e, assim, a tarifa do usuário fica menor. Ninguém perde com isso porque, como o empresário investe, está fazendo a parte que o governo deveria fazer, aplicando um recurso que é seu, e só não paga o tributo sobre esse investimento. Aqui não acontece isto, pagamos os mesmos tributos, investindo ou não.
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