Calçadas da cidade: armadilhas a cada passo

quinta-feira, 12 de março de 2009
por Jornal A Voz da Serra

Numa breve caminhada pelas ruas da cidade, a reportagem de A VOZ DA SERRA constatou que muitas delas se encontram em estado deplorável. Pode-se afirmar que, de cada dez calçadas, pelo menos metade pode ser considerada totalmente inadequada. Além de não obedecerem a qualquer norma urbanística ou arquitetônica, apresentam péssima conservação, com buracos, pedras soltas, raízes de árvores crescidas, que racham o passeio, e pisos derrapantes. Estes são apenas alguns dos problemas que os pedestres enfrentam.

Sem falar nos sacos de lixo e entulhos que a população deixa no passeio, nas mesas, cadeiras, cavaletes e outros obstáculos que podem transformar uma simples caminhada pela cidade numa verdadeira e arriscada peripécia. Outro problema encontrado em diversas ruas é a inclinação absurda de algumas calçadas. Até porque, na maioria das vezes, quem manda bala na hora de construí-las é um pedreiro, sem supervisão de um profissional mais gabaritado.

Assim, o fato de andar pela calçada não significa necessariamente que se está seguro. Algumas pessoas já levaram sérios tombos, que lhes deixaram de recordação desde simples entorses a contusões e até fraturas. Maria José Lyra, de 67 anos, fraturou o fêmur ao escorregar num piso inadequado, colocado em frente a uma loja da Avenida Alberto Braune. “Chovia muito e o piso estava escorregadio, eu não tive onde me segurar”, conta dona Zezé, que amargou dois meses de imobilidade por conta do grande tombo que tomou. “Corri um risco enorme de nunca mais andar, já pensou?”, questiona.

Pessoas mais jovens, crianças, ninguém está livre de tropeçar e cair por causa da má conservação das calçadas. Elizeth Garcia estava com 40 anos quando levou um supertombo em frente ao Willisau Center (Praça Dermeval Barbosa Moreira), que na época se encontrava em obras. Resultado: uma entorse no ombro direito, que exigiu dez aplicações de fisioterapia e, o pior de tudo, a perda de três dentes na frente.

As crianças, coitadas, também são vítimas em potencial das calçadas irregulares. Como vivem correndo e nem sempre estão de mãos dadas com os responsáveis, costumam se estabacar no chão a três por dois. Como são mais resistentes, esses tombos raramente causam problemas maiores aos pequenos, porém, resultam no mínimo em escoriações generalizadas, alguns curativos e, eventualmente, até num braço ou perna fraturados.

O pior é que para escapar das calçadas em más condições muita gente acaba disputando espaço com os carros, em plena rua. Não são raros os atropelamentos e ameaças de atropelamentos que ocorrem por este motivo. Foi o que aconteceu com Anna Maria Santanna, de 17 anos, quando passava pela Rua Giuseppe Mastrangelo (continuação da Rua José Eugênio Müller, no Centro), dotada de uma calçada estreita, toda esburacada e que, além do mais, estava cheia de poças d’água.

Para completar, ali há carros estacionados nos dois lados da rua. Anna Maria não avaliou o risco que estava correndo quando resolveu sair daquela minicalçada e caminhar pela rua. Foi atropelada, fraturou a omoplata, ficou cheia de escoriações e teve uma fratura no crânio. “Só não morri porque o carro que me atropelou estava relativamente devagar. Cheguei a pensar em abrir um processo, mas acabei desistindo, porque essas coisas demoram muito, principalmente quando a culpada é a Prefeitura”, diz.

Quem é o responsável?

“No caso de Nova Friburgo, a conservação, limpeza e manutenção das calçadas é responsabilidade única e exclusiva dos moradores, não da Prefeitura”, afirmou o consultor de Ordem Urbana e Trânsito, André Luís Santos.

O nosso arcaico Código de Posturas, da década de 1940, prevê que os moradores são os únicos responsáveis pela limpeza do passeio em frente a suas residências. Da mesma forma, proíbe a obstrução das calçadas com lixo, caixas vazias, materiais velhos ou outros detritos, incluindo material de construção e entulhos nas ruas da cidade.

O velho código, porém, não faz nenhuma alusão sobre a conservação do calçamento. Segundo André Luiz Santos, o código que está sendo elaborado pelo setor jurídico do Departamento de Posturas já trará esta inovação. Ele será encaminhado ao Executivo municipal no prazo de 60 dias, para análise e posterior envio ao Legislativo.

Enquanto isso, o que está valendo é a famosa lei do uso do solo (Lei 2.249, de 8/12/1998), que não determina a aplicação de qualquer penalidade aos infratores. Diz apenas, em seu artigo 71, que “a construção e a manutenção dos passeios dos logradouros dotados ou não de meio-fios serão obrigatórias em toda a extensão das testadas dos terrenos edificados ou não e será feita pelos respectivos proprietários”. O artigo em questão ressalva apenas os casos de reurbanização a cargo da Prefeitura que, neste caso, arcará com as respectivas despesas.

Em e-mail enviado a este jornal, o consultor de Ordem Urbana da Prefeitura reconhece as péssimas condições de algumas calçadas da cidade. Afirma também que o Departamento de Posturas está programando ações educativas e preventivas com a finalidade de conscientizar os proprietários de imóveis residenciais ou comerciais do município sobre a importância de manter em perfeito estado as suas calçadas.

A quem processar em caso de acidentes?

A população costuma apontar o poder público como o responsável pela falta de conservação das calçadas da cidade e os acidentes que podem advir. Ouvida pela reportagem de A VOZ DA SERRA, a advogada Daniella Lugon confirma que a Prefeitura só responde diretamente pela conservação das calçadas de áreas públicas, como praças e parques. No caso das calçadas localizadas em frente a imóveis residenciais ou comerciais, a responsabilidade é do proprietário destes.

No entanto, a Prefeitura pode ser responsabilizada se tiver se omitido em seu papel de fiscalizar a boa conservação dessas áreas. Isso porque, se elas estiverem em más condições, o governo municipal deve notificar o proprietário para que este proceda às obras de conservação. Segundo a advogada, se o proprietário não cumprir a notificação, a Prefeitura pode até executar a obra, cobrando a despesa do proprietário, acrescida de multa.

Na prática, porém, as coisas raramente se passam desta maneira. Suponhamos que você venha a sofrer danos ou perdas causados pela inexistência ou falta de conservação de determinada calçada, localizada em frente a uma residência ou estabelecimento comercial. A quem responsabilizar civil e criminalmente pelo acidente? A advogada tem a resposta na ponta da língua. “O proprietário do imóvel, claro, pois ele é o responsável principal e direto”, diz.

No entanto, cabem outros responsáveis, como a Prefeitura, por exemplo. Daniella Lugon lembra que compete à Prefeitura fiscalizar a obra, dar a licença de execução e fiscalizar a mesma através dos órgãos competentes. “Assim, se existir falha não identificada ou fiscalização não realizada, o município e até os administradores investidos do cargo podem ser responsabilizados”, esclarece. Segundo Daniella, o próprio Crea pode ser citado como responsável, por ser o órgão encarregado da fiscalização dessas obras.

Em termos práticos, porém, há uma questão que deve ser avaliada por quem pretende entrar na Justiça por este motivo. “É preciso observar quem tem mais condições de arcar com os custos do dano”, diz a advogada. Daniella lembra a existência de várias ações procedentes que chegam ao fim sem que o interessado consiga qualquer resultado prático. Isso acontece devido às enormes vantagens que os órgãos públicos gozam na Justiça, como efetuar o pagamento através de precatórios, que talvez nem os bisnetos do autor da ação terão condições de receber.

Da mesma forma, também é difícil (para não dizer impossível) obter resultados quando se processa um técnico através de seu órgão de classe, devido ao corporativismo e à dificuldade de obter provas periciais. “Assim, o mais indicado é escolher o proprietário como ponto principal, exigindo dele o pagamento da indenização pelos danos sofridos”, declara.

A advogada ressalta também que quando terceiros realizam obras nas calçadas, deixando-as em mal estado – como ocorre frequentemente em obras realizadas por companhias de água, luz e esgoto – estas deverão ressarcir o proprietário do imóvel próximo à obra pelo prejuízo sofrido.

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