“- Pão pode à vontade?
- Pão é ótimo, não leu no jornal hoje? Pera aí, que eu vou ver no G1 se continua fazendo bem. Continua, pode comer. Quando voltar a fazer mal, eu te aviso.”
Este trecho faz parte de um esquete do canal de humor Porta dos Fundos, um dos mais famosos do YouTube no Brasil, em que uma paciente recebe uma dieta preparada pela nutricionista. O texto satiriza – aliás, essa é a razão de existir do canal, a sátira – uma realidade que, via de regra, todos nós conhecemos bem: há alimentos e bebidas que ainda não tiveram o diagnóstico definitivo sobre suas benesses ou malefícios. Em português claro: ovo, amendoim, óleo de girassol, café e outros tantos fazem bem ou fazem mal, afinal?
O café, por exemplo, que é o protagonista deste dedo de prosa, já foi vilão do sono, já que a cafeína presente nele é um poderoso estimulante. Não temos normalmente por costume, inclusive, oferecer a bebida às crianças – elétricas por natureza. Há ainda quem associe – ou, pelo menos, quem não consiga dissociar – o café ao cigarro. Ou quem consuma com adoçante sem necessidade – outro personagem que se usado sem indicação médica pode ser mais bandido que mocinho.
Um estudo realizado na Universidade de Coimbra, em Portugal, e apresentado no último dia 10 de julho durante o 9º Congresso Mundial de Neurociência da Organização Internacional de Pesquisa do Cérebro, revelou que a cafeína é capaz de inibir os receptores que provocam os sintomas da depressão. No estudo, foram utilizados dois grupos de ratos, os quais foram submetidos a situações extremas de estresse, como privação do sono e exposição ao frio – mas apenas um dos grupos recebeu doses diárias de cafeína. O resultado? O grupo que ficou sem o estimulante apresentou alterações comportamento como ansiedade, perda de prazer e sociabilidade, imobilidade e deterioração da memória – sintomas típicos da depressão que acomente os seres humanos. Já os ratinhos cafeinados sofreram menos com os impactos do estresse.
Tem a parte química, que nós, os leigos, lemos várias vezes para entender: os pesquisadores descobriram como a cafeína atuava no nível molecular para inibir os efeitos da depressão - os receptores A2A para adenosina, que funcionam como um alerta de estresse no organismo, têm um importante papel no desenvolvimento da doença; depois de observar que os ratos com sinais de depressão apresentaram maior atividade dos A2A, os pesquisadores aplicaram nos animais a istradefilina, um fármaco da família da cafeína que inibe a atuação do A2A. Novamente em português claro: a cafeína, além de estimular o organismo, inibe os receptores que irradiam essas ondas de tristeza e desânimo típicas de um quadro depressivo.
Quatro pesquisadoras brasileiras participaram da pesquisa: Manuella Kaster e Ana Lúcia Rodrigues, da universidade Federal de Santa Catarina, além de Ana Paula
Ardais e Lisiane Porciúncula, da Universidade federal do Rio Grande do Sul. A expectativa do neurocientista da Universidade de Coimbra Rodrigo Cunha, líder do estudo, é de realizar um processo semelhante com humanos.
Outras pesquisas já indicaram benefícios do café: cientistas da Universidade Johns Hopkins concluiu que duas xícaras de café podem fazer bem para a memória; um estudo publicado no British Medical Journal descobriu que motoristas que consomem café têm 63% menos chances de se envolver em acidentes; uma pesquisa da Universidade do Sul da Califórnia garante que tomar café diariamente pode proteger as pessoas de desenvolver a forma mais comum de câncer de fígado; e tem até um estudo parecido com o de Rodrigo Cunha, mas realizado entre 1988 e 2008, que concluiu que homens e mulheres que consomem entre duas e quatro xícaras diariamente têm redução de 50% de chance de cometerem suicídio. Segundo a pesquisa, o café age como um antidepressivo ao aumentar a produção de neurotransmissores no cérebro, como serotonina, dopamina e noradrenalina.
Ok, parece que o café está no top das paradas. Como eu gosto muito, por mim pode continuar na lista dos mocinhos para sempre: nada como ter gosto por algo que - em doses moderadas, é bom lembrar! - faça bem.
Minha única dúvida, ao escrever a matéria, foi: como se avalia o nível de prazer de um rato?
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